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Novos rumos para o licenciamento ambiental

Valor Econômico, Legislação & Tributos, p. E2
Autor: RAAD, Kárim Ozon; SUMAR, Cristina
05 de Jul de 2016

Novos rumos para o licenciamento ambiental
A redução dos prazos de análise pelos órgãos poderá, sem dúvida, trazer celeridade, mas o preço poderá ser muito alto e não compensar

Por Kárim Ozon Raad e Cristina Sumar

Atualmente, tramitam três propostas de alterações de ordem constitucional, legislativa e normativa, que, em conjunto ou separadamente, poderão trazer mudanças significativas no cenário do licenciamento ambiental brasileiro. Estas propostas são, respectivamente, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de no 65/2012, o Projeto de Lei do Senado (PLS) no 654 de 2015 e a Proposta de Alteração das Resoluções (PAR) Conama no 001 e no 237.
A PEC 65/2012 visa acrescentar o §7o ao artigo 225 da Constituição Federal (CF). O texto proposto é o seguinte: "§7o A apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) importa autorização para execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões, a não ser em face de fato superveniente." Na prática, isso significa extinção do período de análise técnica. Hoje, a partir da apresentação do EIA, o órgão ambiental promove sua revisão, podendo solicitar esclarecimentos ou ajustes e até mesmo, novos estudos.
O Projeto de Lei do Senado (PLS) no 654 de 2015, batizado de "Fast Track", visa a reduzir os prazos e conferir maior agilidade ao licenciamento de "empreendimentos de infraestrutura estratégica" (sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário, portos e instalações portuárias, energia e telecomunicações). No "Fast Track", o órgão licenciador teria 60 dias para analisar o projeto e seus estudos ambientais e solicitar esclarecimentos, tendo ao todo 120 dias para decidir. Todo o processo que hoje leva de três a cinco anos, levaria entre sete e oito meses.
Por fim, a Proposta de Alteração das Resoluções Conama 001 e 237 inova com as figuras do licenciamento ambiental por adesão e compromisso e do licenciamento ambiental por registro. A primeira mira em empreendimentos de médio ou baixo impacto e a segunda em empreendimentos de baixo impacto. Seriam formas de autolicenciamento, no qual o empreendedor declara ao órgão ambiental sua conformidade com as condicionantes já estabelecidas e apresenta os documentos previamente definidos para que, na seqüência, a licença ambiental seja emitida. Diferente do que hoje ocorre, não haveria a etapa de análise e revisão de documentos.
Todas as três propostas têm sido alvo de críticas. Sobre a PEC 65/2012, a ex-Ministra Isabela Teixeira alerta que a qualidade dos EIAs, em muitos casos, é questionável, razão pela qual não se poderia prescindir da sua aprovação pelo órgão ambiental. O diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, chama atenção para o fato de que nenhum outro país adota o autolicenciamento ambiental.
O Instituto do Patrimônio Histórico Nacional e da Fundação Nacional do índio tem criticado, especialmente, o artigo 50, inciso V e §3o do PL 654/2015. Este concede prazo de dez dias para cada instituição se manifestar sobre o pedido de licenciamento, findo os quais a ausência de pronunciamento seria tida como aceitação tácita. O argumento central dessas duas instituições é que seu quadro de funcionários é insuficiente e, portanto, análises em dez dias seriam absolutamente inexequíveis.
O Ministério Público do Estado de São Paulo publicou carta de princípios repudiando os prazos exíguos para análises técnicas complexas; a supressão de fases do licenciamento; dispensa de documentos técnicos essenciais, como o EIA e (iv) redução da participação e interferência de órgãos acessórios e sociedade civil no processo de licenciamento.
O Ministério Público Federal afirmou que as propostas, caso aprovadas, seriam inconstitucionais por violação ao "princípio do não retrocesso ambiental".
A necessidade de reforma do processo de licenciamento ambiental é indiscutível. Dentre as críticas recorrentes do lado do empreendedor/investidor estão morosidade, burocracia, insegurança jurídica e custo elevado.
A simples redução dos prazos de análise pelos órgãos poderá, sem dúvida, trazer celeridade, mas, a nosso ver, o preço pode ser muito alto e não compensar. A judicialização das eventuais novas normas e novos licenciamentos será inevitável, uma vez que o nível de contrariedade dos diversos atores sociais aos seus dispositivos é consideravelmente elevado.
Há que se refletir sobre soluções reais para a morosidade, as quais não podem ignorar a necessidade de capacitação e aumento do quadro de servidores públicos.
Enorme ganho poderia ser obtido com a efetiva implantação de base de dados de estudos ambientais e seu uso compartilhado por outros empreendedores, a exemplo do proposto no âmbito da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar, na área de óleo e gás. Ao evitar-se a repetição de estudos custosos, cria- se situação de ganhos múltiplos: economia de recursos e de tempo, aprofundamento de questões técnicas etc.
Em uma de suas primeiras declarações, o ministro Sarney Filho declarou que o cenário atual é problemático e que coordenará modificações legislativas visando a segurança jurídica, prazos respeitados, respostas efetivas e ágeis, sem, contudo, queimar etapas. Segundo o ministro "falta gestão".
A oportunidade de revisão do processo está aberta, o que é positivo, necessário e não pode ser desperdiçado. Contudo, o momento requer reflexão madura para a definição dos reais meios de cura dos atuais gargalos, sob pena de não sairmos do mesmo lugar.

Kárim Ozon Raad e Cristina Sumar são especialistas em direito ambiental e, respectivamente, sócia e advogada de Chediak Advogados

Valor Econômico, 05/07/2016, Legislação & Tributos, p. E2

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