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Autor: Daniel Calazans Pierri
26 de Ago de 2013
Depois de dois anos e meio recusando-se a receber pessoalmente o movimento indígena para tratar das suas pautas urgentes e históricas, no dia 10 de julho deste ano finalmente a presidente Dilma Rousseff abriu as portas do palácio para um grupo de lideranças indígenas, pressionada que estava pelas jornadas de junho. Embora as manifestações populares que paralisaram o país tenham sido em parte impulsionadas pela ocupação indígena na Câmara, ocorrida em Abril deste ano, o movimento indígena foi um dos últimos a ser recebido pela presidenta. Não trazendo nenhuma resposta concreta às pautas indígenas, velhas conhecidas do Governo, a presidenta determinou de improviso durante a reunião, que se instaurasse uma "mesa de diálogo" entre Governo Federal e as lideranças indígenas, que deveria ser coordenada pelo Ministério da Justiça e a Secretaria Geral Da Presidência. Por outro lado, Dilma bateu o pé com os indígenas e reiterou a posição do Governo em alterar a normatização dos processos de regularização das terras indígenas, pleito que atende aos interesses e à pressão dos ruralistas.
A posição das lideranças indígenas, não obstante, foi de firmeza e inteligência. Reivindicaram que a tal "mesa de diálogo" tivesse lugar na própria Comissão Nacional De Política Indigenista (CNPI), instância criada por Decreto durante o Governo Lula justamente com esse fim, mas esvaziada pela ausência sistemática de membros do alto escalão do governo em suas reuniões, que revelam indisposição crônica para o diálogo. Desta forma, entre os dias 19 e 23 de agosto teve lugar a 8ª Reunião Extraordinária da CNPI, na qual foi instalada a "mesa de diálogo" proposta pela presidente Dilma, focada no tema "terra", conforme acordo proposto pelas lideranças. Depois de anos de esvaziamento, finalmente estiveram presentes na Comissão o Ministro Cardozo, da Justiça, a Ministra Isabella Teixeira, do Meio Ambiente, e o Ministro da Secretaria Geral, Gilberto Carvalho. A presença física, entretanto, não se fez reverter em uma real disposição para o diálogo, que dependia de uma sinalização mínima do Governo de que não estivesse mais disposto em aceitar-se refém incondicional dos ruralistas.
Nem a Portaria 303, que Cardozo e Carvalho disseram ser inofensiva e estar suspensa, foi revogada. Se é inofensiva e não estaria vigente, por que não revogá-la então, como gesto mínimo de entendimento mútuo?, perguntaram-se todos. A resposta é evidente: porque a Portaria 303 está em pleno vigor, orientando uma série de pareceres internos da Advocacia Geral da União (AGU), que o seu chefe, Luís Inácio Adams, utiliza para intimidar os procuradores especializados da FUNAI para não defender as Terras Indígenas com a firmeza necessária. Da mesma maneira, nenhum dos 21 processos que a FUNAI revelou estarem na gaveta do Ministério da Justiça foi levado adiante, outro gesto mínimo, que todos davam como certo, acreditando numa real disposição ao diálogo. São sete terras indígenas que aguardam na mesa do Ministro a emissão de Portaria Declaratória, e que não têm mais nenhum óbice administrativo que justificasse sua paralisação. Basta colocar a caneta para funcionar, mas nenhuma sequer foi assinada. Além dessas, mais quinze terras indígenas aguardam a homologação presidencial, também sem nenhum óbice, mas como demonstra matéria publicada no site do Instituto Socioambiental, parece faltar tinta às canetas do Governo Dilma quando se trata de fazer valer direitos indígenas. Não bastasse isso, informações divulgadas em um abaixo assinado na internet revelam que também repousam sobre a mesa da presidenta interina da FUNAI, Maria Augusta Assirati, três estudos de identificação e delimitação tecnicamente concluídos, que também só dependem do bom uso da caneta, entre eles a Terra Indígena Tapeba, no Ceará, caso emblemático de uma luta que os indígenas já travam há mais de trinta anos.
Tanto a presidenta da FUNAI como o Ministro da Justiça foram cobrados insistentemente a respeito da Terra Indígena Tapeba pelas lideranças. Entretanto, a contraproposta que o Ministro impôs aos Tabepa é flagrantemente inconstitucional e revela uma disposição do governo em transformar diálogo em negociação de direitos: antes de autorizar a presidenta da FUNAI a emitir a portaria de delimitação da TI, o Ministro quer se reunir com as lideranças e o Governador do Estado na região. Decisão que deveria ter apenas um caráter técnico passa a ser objeto de acordos políticos. Os Tapeba, entretanto, já deixaram clara sua disposição de continuar na luta, e não aceitar acordos para diminuir suas terras. Da mesma maneira, todas as falas das lideranças indígenas da CNPI foram claras em advertir o governo de que diálogo não é negociação. Não se pode aceitar que os procedimentos de regularização de terras indígenas, que devem ser pautados por critérios técnicos, tornem-se alvo de acordos eleitorais, seja do governo ou da oposição.
O Ministro da Justiça, entretanto, parece querer confundir o joio e o trigo. Comemorando os avanços na mesa de diálogo a respeito da Terra Indígena Buriti, na qual se chegou a um acordo que de fato tem o potencial de resultar na desintrusão pacífica da TI , e poderia servir como exemplo para outras Tis no Mato Grosso do Sul, Cardozo alega que não pode mais emitir portarias declaratórias no Brasil todo, e nem tampouco permitir que a presidência da FUNAI publique portarias de delimitação, sem antes criar mesas de "diálogo" (sic) com as "partes envolvidas". A justificativa seria a de evitar a "judicialização": puro conto da carochinha. Pois ele esquece, ou finge esquecer, que o acordo a respeito da TI Buriti, que ele usa como modelo, ocorreu no seio de uma ação judicial, motivado pela firmeza dos Terena em nunca abrir mão dos seus direitos. Ocorre que nem mesmo no Mato Grosso do Sul o modelo-Buriti parece estar sendo adequadamente usado pelo Governo, vide a última manifestação das lideranças Terena e Guarani em repúdio à pressão do governo contra a resistência indígena, pois se chantageia aqueles que fazem retomadas, ameaçando jogá-los em último da fila dos pagamentos de indenização.
Além do mais, como lembrou pertinentemente a procuradora Deborah Duprat durante a reunião, todas as ações de desintrusão ocorridas nos últimos anos foram fruto do resultado de decisões judiciais: Raposa Serra do Sol, Pataxó Hã Hã Hãe e Marãiwatséidé. Assim também será o caso da TI Awa Guajá, a bola da vez na lista das desintrusões. Desse modo, além de não haver qualquer mesa de diálogo que possa evitar a judicialização, o que todo mundo sabe, as decisões judiciais tem sido o grande fator determinante no avanço dos processos finais de retirada de não-indígenas de Terras Indígenas em regiões mais conflituosas. Mesa de diálogo, portanto, é solução apenas para Terras Indígenas em fase de desintrusão e não pode ser um formato generalizado de negociação de Portarias Declaratórias e até mesmo de Despachos de Delimitação, caso contrário os direitos indígenas ficarão sempre à mercê dos interesses políticos e econômicos dos grupos minoritários que controlam o país. Foi esse o recado que as lideranças deram ao fim da reunião, apresentando uma carta simples e direta ao Ministro da Justiça: que traga na próxima reunião os Despachos de Delimitação, as Portarias Declaratórias e os Decretos de Homologação que estão na gaveta todos assinados e publicados. Que se cumpra a Constituição, para que se inicie um verdadeiro diálogo. Pois mesa de diálogo, a depender do movimento indígena, não se converterá em balcão de negociação de direitos.
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