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Da bola que quica à luta ao racismo: a importância de Manaus para o futebol

G1 - https://globoesporte.globo.com
Autor: Gabriel Mansur
24 de Out de 2017

Futebol: o dicionário afirma que é o ''esporte no qual vinte e dois jogadores, divididos em dois conjuntos, esforçam-se por fazer entrar uma bola na baliza do conjunto contrário, sem intervenção das mãos.". O curioso é que nem sempre foi assim. De acordo com o historiador amazonense Gaspar Viera Neto, a forma em que o esporte é praticado nos dias atuais deve-se, principalmente, a uma comunidade indígena do Amazonas: os índios Cambebas. Foram os primeiros a extrair o látex e dar origem a "bola que quica".

Essa não foi a única contribuição do estado à modalide. Em 348 anos de ''vida", completados nesta terça-feira, a cidade de Manaus proporcinou ao cenário futebolístico muitas histórias. A maioria segue reservada ao passado, outras, graças a pesquisadores "malucos'', como os próprios se autodenominam, nem tanto: o time formado apenas por negros, o primeiro Vasco destinado ao futebol, o "inventor" da bicicleta no Brasil, o ex-goleiro de Flamengo e seleção brasileira... Fatos que poucos sabem. Fatos que, a partir de agora, o GloboEsporte.com revela aos fãs.

Os índios cambebas e a "bola que quica"

O século era 18. O futebol não existia oficialmente, pelo menos não com a regra inglesa atual, mas, segundo relatos, um esporte precursor da modalidade já era praticado em uma comunidade indígena no Amazonas. Era uma espécie de futebol ancestral, que foi fundamental para a forma em que o jogo é adotado desde o século 19.

A história é a seguinte: por volta de 1743, um naturalista francês, Charles Marie de la Condamine, realizou uma expedição no Rio Amazonas. Ele cita, em suas anotações, que quando parou na aldeia de Tefé (atual município de Tefé), observou um grupo de índios cambebas praticando um jogo. Eles chutavam uma bola feita de borracha, que quicava, algo que, na época, era surpreendente, visto que era uma espécie de confronto a lei da gravidade.

Nos documentos, há muitas semelhanças daquele jogo com o futebol moderno: em cada extremo, por exemplo, havia duas varas fincadas na areia, como traves; a finalidade era passar a bola por entre as varas. Admirado, ele buscou informações sobre o material necessário para produzir aquela bola que quica. Os índios levaram ele na seringueira e apontaram o uso do látex. Por isso o futebol virou o que é hoje. Porque, antes dessa pesquisa, a bola não quicava. Segundo Gaspar, pode-se dizer que as raízes do futebol brotaram no Amazonas.

Amado Benigno: a quase convocação à Copa de 1930

Essa informação provavelmente nem os mais fanáticos flamenguistas sabem. Entre os anos de 1925 e 1934, na época amadora do futebol carioca, um goleiro de Lábrea, interior do Amazonas, era considerado o melhor do país. Foi titular do Flamengo e bicampeão carioca e duas vezes campeão brasileiro pela seleção carioca. Porém, perdeu a chance de defender a seleção brasileira na Copa de 1930, no Uruguai.

Nascido em 1905, filho de um cornoel, o amazonense atuou no rubro-negro carioca por nove anos. Defendeu a Amarelinha em uma oportunidade, em 1929, quando foi titular em um amistoso contra o Uruguai, numa vitória brasileira por 4 a 2. Estava cotado para ser o goleiro titular do time Canarinho em 1930, porém, no dia da apresentação, resolveu jogar um amistoso pelo Flamengo em Belo Horizonte e não avisou a CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antigo nome da CBF). Foi cortado, e levaram o Joel, titular daquela Copa, em seu lugar.

Club Vasco da Gama, o pioneiro no futebol

No dia 21 de agosto de 1898 era fundado o Clube de Regatas Vasco da Gama, especialmente voltado para o esporte marítimo, tradicional na época. O Cruz-Maltino, no entanto, criou o departamento de futebol somente no final de 1915. Só atuou na modalidade em 1916, quando estreou na terceira divisão do Campeonato Carioca.

O primeiro Vasco que praticou o futebol, portanto, surgiu em Manaus. Antes mesmo do Vasco original. O homônio da equipe do Rio de Janeiro foi fundado no dia 11 de outubro de 1913, três anos antes do xará famoso entrar em campo pela primeira vez. Ainda disputou as Séries A e B dos estaduais - com dois times - em 1914 e 1915. Depois, foi extinto.

Fundado pela colônia portuguesa, o primeiro jogo foi contra o Manaós Sporting. Em 1915, fez uma fusão com outro clube português, chamado de 11 português. Ambos deram origem a União Esportiva Portuguesa, campeão amazonense em 1934 e 1935.

Marcolino Lopes: o "inventor" da espanholita

A história diz que Leônidas da Silva, na década de 30, foi o primeiro a marcar gols de bicicleta no futebol. Segundo pesquisas de Gaspar, essa informação é incorreta. O historiador conta que o amazonense Marcolino Lopes praticava essa jogada desde 1915, quando atuava pelo infantil do Nacional-AM. Gaspar conta que, na verdade, Leônidas apenas foi o responsável por popularizar a bicicleta.

O ex-jogador do Naça, Independência e Libertador nasceu em 1904 e morreu em 1998. Em entrevistas cedidas durante a vida, ele afirmava que já aplicava a "espanholita", como o lance era chamado antigamente, bem antes de Leônidas. Naquela época o futebol amazonense tinha ainda menos destaque, mas as jogadas ficaram na lembrança das pessoas que assistiram e foram passadas de geração para geração.

Euterpe e o combate ao racismo

Em 1923, o Vasco da Gama foi campeão carioca pela primeira vez com um elenco recheado de negros e pobres, algo inovador naquela época. O Bangu-RJ e a Ponte Preta, por exemplo, também eram fortes combatentes ao racismo. Um clube em especial, porém, chamou atenção por essas mesmas características: o Euterpe. Isolado no Norte do país, o diferencial da equipe é que apenas pessoas negras podiam representar aquela camisa.

Fundado por um carteiro negro, Benedito Peixoto, no dia 7 de agosto de 1919, o Euterpe Football Club vestia cores verde e branco e aceitava apenas sócios negros. Sem expressão dentro das quatro linhas, possuía mais destaques pelas festas que organizava na sede do que pelo futebol. Disputou os Campeonatos Amazonense de 1920, 1921, 1922, 1923 e 1927. Há notícias até 1930, depois, o clube desapareceu.

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