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2022 será chave para metas do país, dizem ambientalistas

Valor Econômico, Especial, p. A10
Autor: CHIARETTI, Daniela
04 de Jan de 2022

2022 será chave para metas do país, dizem ambientalistas

Por Daniela Chiaretti - De São Paulo

04/01/2022 05h00

Em 2022 a Amazônia estará mais ainda sob os holofotes. Será um ano eleitoral e a floresta fará parte do discurso político, apostam ambientalistas. Mas a questão é: será para valer?

Na visão de nove especialistas em florestas e desmatamento, desenvolvimento econômico e legislação, direitos indígenas e escolhas energéticas, geopolítica e política doméstica, 2022 é um ano fundamental para colocar o Brasil na rota da descarbonização e cumprimento dos compromissos climáticos -ou colocar as promessas em risco.

"Para a base governista, será um ano de tudo ou nada. De tentar passar o resto do desmonte que ainda falta"
- Adriana Ramos, sócia do Instituto SocioAmbiental

Não há consenso no quanto o debate eleitoral discutirá a Amazônia e um novo modelo de desenvolvimento para a região. Há quem acredite que a Amazônia estará nos programas eleitorais assim como o combate à pobreza e à fome. Por outro lado, o desmatamento tradicionalmente aumenta em anos eleitorais. O tema não elege políticos na região, como destaca a advogada paraense Brenda Brito.

"2022 é o ano-chave para definir como o Brasil chegará em 2030 em relação às metas climáticas", sintetiza Brenda, pesquisadora-associada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, o Imazon, um dos think-tanks mais prestigiados da Amazônia, com sede em Belém.

Ela explica: "Os políticos eleitos, não só no plano federal, mas também no estadual, são as pessoas que terão a responsabilidade de nos colocar na rota adequada para que possamos cumprir os objetivos climáticos ou nos descontrolar totalmente. Se tivermos governos trágicos do ponto de vista ambiental sendo eleitos novamente, com mandatos que vão de 2023 a 2026, não dará mais tempo depois de se querer retomar uma rota de baixo carbono para 2030."

Perdida a rota para 2030, compromissos de emissão líquida-zero em 2050 se tornam mais distantes. "Por isso 2022 pode ser o ano mais chave da história do ambientalismo brasileiro das últimas décadas", diz Brenda, que é doutora em Ciência do Direito pela Universidade de Stanford.

"Consumidor europeu não quer saber se o produto está ligado a desmate legal ou ilegal. Não faz distinção"
- Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas

Ela se diz cética, contudo, da defesa da Amazônia ganhar as urnas nos Estados da região. "Conservação pode até eleger políticos no Sul e Sudeste, mas nunca elegeu candidatos na Amazônia. Não é uma causa que tenha resultado em uma mudança de configuração das forças políticas que estão na região".

Brenda receia os impactos da campanha eleitoral na floresta. "Temo que, com a campanha, tenhamos um afrouxamento ainda maior de comando e controle inclusive nos Estados. Estaremos vivendo um clima de campanha em que os candidatos irão costurar alianças políticas e sabemos que uma grande força política na região está justamente ligada ao avanço do desmatamento, da pecuária ilegal, do garimpo."

Brenda diz que os candidatos costumam falar que se preocupam com o ambiente. "Mas é uma agenda acessória, não é consistente. Estamos vendo a força da ilegalidade na região. O caso do garimpo é o mais destacado de tanto de dinheiro que circula. Espero estar errada, mas será um ano difícil do ponto de vista do desmatamento."

A economista Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, o iCS, também acredita que a batalha socioambiental será dura no Congresso. "Será um ano com tentativa de muita destruição pelo Congresso, de tentar passar todos os projetos que não conseguiram nos últimos três anos, com muita violência na região e o desmatamento correndo solto."

Há alguns projetos de lei críticos, apontam os ambientalistas, na rota de votação do Congresso - o do licenciamento ambiental, da regularização fundiária e os que ameaçam os direitos de demarcação de terras indígenas e querem abrir os territórios ao garimpo.

É o entendimento de Adriana Ramos, sócia do Instituto SocioAmbiental (ISA) e assessora do programa de política e direito socioambiental. "Para a base governista, será um ano de tudo ou nada. Os primeiros meses serão enlouquecedores com as tentativas de aprovação do resto do desmonte que não fizeram ainda. Com a baixa popularidade do presidente, os parlamentares sabem que eles próprios poderão estar fora do poder em 2023. Tentarão, o quanto puderem, avançar sobre os direitos dos povos indígenas e os direitos das comunidades tradicionais".

Marcello Brito, que até há poucos dias era cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e presidente da Associação Brasileira do Agronegócio, a Abag, lembra que hoje um em cada dois brasileiros vive situação de insegurança alimentar e 10% da população passa fome extrema, além de 15 milhões de desempregados. "Não vamos conseguir melhorar isso em ano eleitoral. Não há possibilidade de um pacto político", diz ele.

"O Congresso não está preocupado com a questão social - estão discutindo a caça. Do ponto de vista ambiental, durante três anos o governo foi inoperante e o desmatamento é uma realidade", diz Brito. Ele cita os avanços feitos pelo Serviço Florestal Brasileiro, mas "ainda é pouco para o que precisamos para dar 'compliance' ao sistema agroambiental. Vamos continuar no campo da intenção e não da ação."

Para Adriana, que atua com políticas públicas socioambientais há 25 anos, "a não-política ambiental do governo federal irá continuar do mesmo jeito. A situação só não é pior porque o Brasil é mais do que só o governo, o que ficou evidente na COP 26", diz, lembrando a forte presença da sociedade civil brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Glasgow, em novembro. "Na COP 26 a sociedade civil teve um esforço de mobilização muito grande, inclusive parte do setor privado, para impedir que o desmonte fosse avante da forma como o governo esperava", diz ela.

Sua previsão para 2022 é ruim: "Se o governo não foi capaz de segurar o desmatamento por três anos, depois de ter feito a ode do direito a desmatar, o que pode mudar?", questiona. "Vai ser um ano ruim para a agenda socioambiental como têm sido os últimos três anos", prevê.

O impacto deve ser sentido na relação do país com o exterior. "Na questão ambiental, principalmente em relação à credibilidade do país lá fora, vale o mesmo em relação à pandemia - ninguém está bem até que todos estejam bem. Não há empresa que possa exportar seus produtos, comprovando a rastreabilidade, que não vá ser impactada pelo fato de o país ter retomado níveis de desmatamento inaceitáveis", segue a ambientalista.

"Será mais um ano em que iremos perder. O Brasil não irá apresentar nenhum plano consistente que justifique a confiança internacional para ter investimentos. Anos de eleição, historicamente, são anos em que o desmatamento aumenta, não diminui", segue Adriana Ramos.

Para Roberto Waack, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e à frente da Concertação pela Amazônia, dois temas estarão no cenário este ano - a fome e a Amazônia. "A questão da segurança alimentar é um ponto fortíssimo. Vejo uma oportunidade para que finalmente a discussão ambiental se conecte à social, como nunca aconteceu. Acho isso muito bom e espero que esta relação amadureça", diz.

Waack, que também está no conselho da Marfrig, diz que o maior desafio da sigla ESG não é o E (ambiente, em inglês) nem a governança. "O maior problema está no campo social, na dificuldade de incluir. As empresas estão conseguindo rastrear suas cadeias de produção, têm boas métricas e práticas de governança, mas têm dificuldades com a inclusão", diz o executivo. "Uma das formas mais eficientes de limpar a cadeia de produção é excluir os que têm problemas. O processo de boicote é muito sério no campo social".

Brito, que presidiu a ABAG, lembra que, "ao contrário do Brasil, o mundo está crescendo, comprando mais e vai exigir cada vez mais. O cenário é claro: as pressões continuarão subindo", descreve. Ele acredita que o mundo continuará com alta demanda de commodities e oferta desequilibrada por cerca de dois anos, e o agronegócio seguirá vendendo bem. "Mas depois, quando for preciso atuar como vendedor, aí vamos ver", diz.

O engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas e coordenador da iniciativa Seeg (o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima), lembra a legislação que está sendo aprovada na União Europeia e também no Reino Unido. "A questão fundamental na UE é que não importará a eles se o desmatamento será legal ou ilegal. A linha de corte será 2020. Ou seja, qualquer desmatamento a partir de 2021. O que significa que se desmatarem agora, não entrarão no mercado europeu", destaca. "Não se faz distinção: o que é ruim é o desmatamento. Ponto. O consumidor europeu não quer saber se o produto está relacionado a desmatamento legal ou ilegal".

A bioeconomia como modelo de desenvolvimento para a Amazônia tem potencial de crescer este ano e nos próximos. O gargalo, aponta o engenheiro mecânico André Luis Ferreira, é que a infraestrutura na região vem sendo pensada para o modelo de exportação de commodities e não para os produtos da floresta. "Este é um problema pouco discutido. O que se tem hoje de infraestrutura na Amazônia foi desenhada para commodities. É preciso ter uma logística voltada à bioeconomia, para levar os produtos agroflorestais e ter acesso à energia elétrica nestas regiões", diz.

Ferreira, que é diretor presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), esclarece: "Falar em bioeconomia na Amazônia é falar em ter um modelo de desenvolvimento que mantenha a floresta em pé. Mas isso significa apostar na economia baseada nas cadeias produtivas agroflorestais. É preciso aterrissar este debate na Amazônia".

Ele acredita que este ano a agenda da pobreza, da economia e da Amazônia irá chegar aos candidatos no debate eleitoral. "Acredito que, desta vez, não tem escapatória", diz Ferreira, que também é professor do curso de especialização em gerenciamento ambiental da Esalq/USP.

"Até no último dia do ano más notícias ambientais", tuitou Tasso Azevedo em 31 de dezembro referindo-se aos dados do Prodes Cerrado. Os números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram um desmatamento de 8.531 km2 no Cerrado em 2021, crescimento de 8% em relação ao período anterior. "Somados aos 13,2 mil km2 na Amazônia, perdemos quase meio Estado do Rio de Janeiro - 21,7 mil km2 -, sem contar a Caatinga, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica", seguiu. "Desde 2018, o crescimento do desmatamento na Amazônia e Cerrado já atingiu 54%. Trágico", postou.

O cenário ambiental do Brasil em 2022 emerge dos ecos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente que ocorreu em novembro em Glasgow, a COP 26. Se por um lado a diplomacia ganhou pontos e credibilidade, de outro, o fato de o governo ter ocultado os dados impressionantes do desmatamento da Amazônia entre 1o de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021 - a maior área desde 2006-, fizeram com que fatos e números desmontassem a estratégia de marketing.

"O Brasil irá controlar o desmatamento por bem ou por mal", disse João Paulo Capobianco, ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente durante a gestão de Marina Silva, em entrevista recente ao Valor. "Por bem é assumir que esta é uma decisão autônoma e soberana do país - o desmatamento todo, não só o ilegal- e implementar ações para controlar. Outra coisa é ser obrigado a fazer pelas barreiras que vão começar a surgir. A União Europeia está discutindo uma lei que irá barrar produtos de quem têm desmatamento na cadeia, os Estados Unidos estão com uma lei em discussão, o Reino Unido tem outra. A China sinalizou assim na declaração-conjunta com os EUA na COP. Isso terá um impacto brutal sobre o Brasil. Esta porteira vai fechar", disse o biólogo que estava no MMA quando o Brasil reduziu drasticamente o desmatamento, tornando-se referência mundial na redução de gases-estufa.

Foi consequência de um plano de prevenção e controle consistente e agressivo, com cronograma e metas, aumento das terras protegidas e todo o governo à época envolvido com a iniciativa. "O elemento fundamental que explica o controle do desmatamento ou do garimpo, ou a redução de invasão de terras indígenas, é a percepção de risco. Como a sociedade local percebe o risco. Hoje isso não existe mais", disse Capobianco na entrevista.

Para ele, a questão socioambiental não será um tema relevante em 2022, na campanha eleitoral. "Veja o que estamos vivendo. Quando se olha a agenda no Congresso, o que já passou na Câmara e está prestes a passar no Senado, os projetos de lei que estão avançando rapidamente, é um volume de retrocesso. Dizemos que são bombas de emissão de gases-estufa que estão sendo montadas todos os dias e não há reação. É inacreditável."

A economista Ana Toni, contudo, tem outra visão. "É preciso dobrar o fôlego da resistência em ano eleitoral. Mas tenho certeza que o tema ambiental e a Amazônia serão grandes questões no debate eleitoral. Acho que será um debate com muitas ideias, boas e ruins. Mas um debate brasileiro, que trará um pouco da discussão de quem somos nós, o que eu tenho chamado de soberania verde. É uma questão de identidade nacional", diz ela.

Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Faculdade Getulio Vargas e pesquisador-sênior da Universidade de São Paulo dá o panorama internacional em que o Brasil se insere em 2022. "O que o mundo espera do Brasil é a mudança de governo. Nos bastidores ninguém acredita que o governo Bolsonaro irá mudar e não esperam mais nada desta gestão", diz ele.

Os compromissos ESG que as empresas vêm assumindo cada vez mais distanciam a classe empresarial do governo Bolsonaro, em sua análise. "É uma tendência das grandes empresas, mas não de todos. O setor de serviços têm se inclinado fortemente para a descarbonização, principalmente os bancos, mas o agronegócio está dividido", diz Viola.

Entre os grandes frigoríficos há uma corrida competitiva interna entre as empresas pela busca de rastrear a cadeia, fugir de qualquer rastro de desmatamento e incluir carbono na equação. O compromisso que tomou força na COP 26, em Glasgow, de cortar em 30% as emissões de metano até 2030, tem preocupado a direção das grandes exportadoras de carne. A pressão dos consumidores e também dos acionistas é forte e a questão ambiental chegou ao balanço destes grupos. O jogo mudou e virou uma corrida empresarial para cumprir o que vem pela frente", reconhece Waack.

No cenário mundial, Viola vê mais consistência na descarbonização europeia do que a de outras regiões do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Ele enumera: "O novo governo alemão é o mais avançado em termos de descarbonização econômica, em apostar no hidrogênio verde e também em querer mais melhorias tecnológicas para a proteção do clima", diz ele. "Na Suécia o preço da tonelada de carbono bate em US$ 140. São US$ 70 a tonelada e outros US$ 70 de impostos. Este é quase o preço que os analistas dizem que deve ser o preço do carbono para que se possa realmente descarbonizar as economias", cita.

Na análise de Viola, os Estados Unidos neste momento do governo Biden passam por uma fase de estagnação. "Claro que os EUA podem ter muitas iniciativas na política externa, mas o sinal que o país dá neste momento é negativo. O sinal é que as promessas de políticas de descarbonização consistentes não estão sendo cumpridas pela dificuldade de aprová-las diante da oposição republicana e de dois senadores democratas", explica.

A China, na sua leitura, faz um caminho ambivalente - fecha termelétricas a carvão mais antigas, mas segue abrindo novas. São usinas que têm prazo de validade de 40 a 50 anos. "Este movimento faz diferença em termos de qualidade do ar, que é importante para os chineses, mas em termos de emissões de gases-estufa, não muda muito", diz ele. "Neste momento, a Europa tende a ficar novamente sozinha em relação à China e aos Estados Unidos, que estão muito mais vagarosos neste tema".

A reportagem procurou o Ministério do Meio Ambiente mas não teve retorno até o fechamento desta edição.

Valor Econômico, 04/01/2021, Especial, p. A10.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/01/04/2022-sera-chave-para-…

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