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Caos e retrocessso

CB, Opinião, p. 17
Autor: MESQUITA, Fernando César
15 de Mai de 2007

Caos e retrocessso

Fernando César Mesquita
Jornalista, é autor do projeto de criação do Ibama e seu primeiro presidente

Em 1988, a repercussão mundial do desmatamento na Amazônia era tão negativa que os bancos multilaterais internacionais suspenderam financiamentos para o Brasil. Fez-se amplo diagnóstico ambiental do país e criou-se o Ibama, com o objetivo, entre outros, de enfrentar a situação. Foram extintas, em conseqüência, as quatro agências governamentais que, com exceção da Sema, fracassaram no cumprimento de suas finalidades no assunto, por conflitos de competência, estruturas duplicadas e corrupção.

Concentrou-se num único órgão a gestão dos recursos naturais renováveis dentro da linha do desenvolvimento sustentável prevista na ECO-72, em Estocolmo. O Congresso aprovou leis, Sarney as regulamentou e decretou a suspensão dos incentivos fiscais para projetos agropecuários na Amazônia. O levantamento do Inpe de 1988 a 1989 mostrou que a destruição da floresta, que havia sido de 17.770 km², caiu para 13.730km² entre 1989 e 1990. E no biênio seguinte ficou em apenas 11.030km².

O Ibama atuou bem, mas hoje carece dos recursos financeiros e de pessoal indispensáveis para trabalhar com mais eficiência.. Outro problema é o aparelhamento político. Retiraram a pesca do seu controle, as ONGs impuseram o discutível Serviço Florestal Brasileiro. Propuseram, ainda, o Instituto Chico Mendes, cuja reserva extrativista que recebe seu nome está abandonada.

Quanto às licenças, até dezembro de 2002, a Diretoria de Licenciamento reunia-se com os empreendedores governamentais para ajustar medidas necessárias à sua concessão às obras prioritárias, no Programa Avança, Brasil, com a responsabilidade de cada parte, e o que deveria ser cumprido nos prazos. Houve melhoria na qualidade dos estudos e se evitou solução de continuidade nos projetos. Em janeiro de 2003, por falta de interlocução, começou o retrocesso emissão das licenças. Os pedidos para reuniões encontraram obstáculos intransponíveis. E a experiência revela que, em muitos casos, a análise realizada pelo Ibama, com a participação dos interessados, levou à melhoria e maior eficiência do empreendimento, sem perda em termos de qualidade do meio ambiente e sem danos para as comunidades que poderiam ser afetadas.

O enfraquecimento do SIsnama implicou também atraso, em função da disputa da titularidade do licenciamento e pelos valores destinados à compensação ambiental. E o arrefecimento do Programa de Modernização do Licenciamento Ambiental Federal (Slaf), que contava com recursos do BID, complicou mais ainda o processo, vez que o Slaf, ao lado da definição de procedimentos e a produção de manuais para o licenciamento por atividade, apoiava a desconcentração das atividades para as Superintendências do Ibama, com a criação e estruturação dos núcleos de licenciamento.

A estratégia permitia maior agilidade na realização de vistorias, com redução de custos, porquanto o deslocamento de técnicos de Brasília só ocorria quando realmente havia necessidade. Ao lado de tudo isso, o Slaf, no âmbito de seu programa de capacitação e treinamento, valorizava o conhecimento das peculiaridades regionais por parte dos técnicos lotados nos estados. Além disso, a falta de experiência, de coordenação e de iniciativa por parte das estruturas de comando resultou na situação de impasse hoje existente quanto às licenças, levando até mesmo ao questionamento de um dos principais instrumentos da política ambiental brasileira - e conquista a nível constitucional - que é a avaliação prévia de impacto e o licenciamento ambiental.

Assim, a criação do novo instituto, desaparecendo algumas funções, como a educação ambiental, será mais uma contribuição ao retardamento das licenças. O processo de licenciamento demanda essas áreas para pareceres e definição do percentual do pagamento da compensação ambiental pelo empreendedor. Com a divisão, ferindo o interesse maior da proteção dos diversos ecossistemas, teremos dois comandos, um do Ibama e outro do novo instituto. Outro fator de conflito certamente diz respeito à utilização dos citados recursos oriundos da compensação ambiental, pois um instituto estaria "trabalhando" para o outro, já que são para uso exclusivo da criação ou manutenção de unidades de conservação de proteção integral.

Desse modo, a efetiva implementação do licenciamento ambiental - e a não invenção de mais um ente burocrático - é essencial à melhoria do processo de controle ambiental e em conseqüência da concessão das licenças. A legislação ambiental não deve ser alterada, porém a regulamentação do art. 23 da Constituição, em andamento no Congresso, é urgente para minimizar as dificuldades a respeito da competência quanto ao licenciamento Todavia, deve-se atentar para a Lei no 10.410/2002, que criou a carreira de especialista em meio ambiente, que, entre outros, é composta pelo cargo de analista ambiental.

É que, conforme o inciso I do art. 1o, o ingresso nos quadros do Ibama far-se-á mediante aprovação em concurso público, tendo como requisito de escolaridade o curso superior completo ou habilitação legal equivalente. Ou seja, independentemente da formação profissional, o analista ambiental estará habilitado a desenvolver as atividades inerentes ao cargo, entre elas, a análise dos estudos ambientais que subsidiam a decisão quanto à concessão das licenças. Em tese, podemos ter um profissional formado, por exemplo, em educação física, analisando os complexos estudos de viabilidade ambiental de uma usina hidrelétrica ou de gasoduto. Em conclusão, o que estão propondo é o caos e o retrocesso em matéria de gestão ambiental.

CB, 15/05/2007, Opinião, p. 17

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