CTI- http://www.trabalhoindigenista.org.br
Autor: Rafael Nakamura
16 de Set de 2016
Celebrando seus dez anos de existência, nesta quinta-feira (15), a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) encerrou sua VII Assembleia Geral, que contou com a presença de cerca de 200 lideranças Guarani dos estados do sul e sudeste do Brasil. Durante quatro dias, reunidos na Terra Indígena (TI) Tenonde Porã, zona sul do município de São Paulo, as lideranças reforçaram as demandas pelo reconhecimento de seus direitos territoriais, além de discutir os principais problemas que afetam as aldeias espalhadas pelo território tradicional Guarani. Na ocasião, a CGY elegeu os membros de sua coordenação, responsáveis por representar o povo Guarani em suas demandas frente ao Estado brasileiro nos próximos três anos.
Em sua VII edição, a Assembleia Geral da CGY reforçou as demandas históricas de reconhecimento dos direitos territoriais do povo Guarani. O documento destinado à Fundação Nacional do Índio (Funai) reitera a exigência da imediata aprovação do Relatório de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Pindoty-Araça-Mirim, no Vale do Ribeira (SP), já analisado com parecer de aprovação. A carta das lideranças trata da urgência na análise dos processos de identificação já iniciados, além de exigir o início da desintrusão e demarcação física da Terra Indígena Tenonde Porã. A CGY formaliza ainda o repudio em relação à determinação atual da Funai, no sentido de não abrir novos Grupos Técnicos para Identificação das terras tradicionais Guarani e alerta para a situação de vulnerabilidade das comunidades que vivem em áreas com risco de reintegração de posse, tais como Paranapuã (SP) e Kuaray Haxa ainda não identificadas.
No primeiro dia de Assembleia foram apresentadas as delegações vindas dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de um grupo Guarani que vive nas aldeias da província de Misiones na Argentina. Na parte da tarde uma mesa de análise de conjuntura teve a colaboração do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Procuradora Regional da República da 3ª Região, Maria Luiza Grabner.
A análise passou pela situação enfrentada pelo movimento indígena nacional no Congresso Nacional com as proposições que ameaçam constantemente os direitos garantidos pela constituição, tais como a PEC 215, que pretende transferir do executivo para o legislativo a responsabilidade na homologação dos processos de demarcação de terra. Tratou ainda das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal que anularam os processos de demarcação das TIs Guyraroka (MS), Limão Verde (MS) e Porquinhos (MA) utilizando a tese do marco temporal de 1988, segundo a qual o direito ao território tradicional estaria condicionado à presença das comunidades indígenas no ano de promulgação da Constituição. Outro tema foi a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e do Incra que, após três prorrogações, foi finalizada em agosto deste ano, sem relatório final, e novamente criada com a mesma finalidade. A CPI foi constituída majoritariamente por membros da bancada ruralista do congresso e na análise das lideranças Guarani tem sido utilizada para criminalizar a ocupação tradicional dos povos indígenas e o trabalho dos antropólogos que prestam serviço para a Funai e atuam nos estudos de identificação e delimitação das Terras Indígenas.
"Todo esse cenário com o novo governo, a articulação da bancada ruralista para aprovar a PEC 215, a CPI da Funai e do Incra, podem agravar os problemas em relação aos nossos territórios e os ataques aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição", diz Marcos Tupã, coordenador Tenondé da CGY, morador da aldeia Boa Vista no litoral de São Paulo.
O segundo dia do encontro, terça-feira (13), contou com a presença de Walter Coutinho, diretor do Departamento de Proteção Territorial (DPT) da Funai, responsável por analisar e encaminhar os estudos de identificação e delimitação de TIs para aprovação da presidência do órgão indigenista. Lideranças de todas as regiões de atuação da CGY cobraram celeridade no encaminhamento dos processos de reconhecimento territorial relatando as dificuldades pelas quais passam as comunidades sem território garantido.
Mapa digital e HQ Xondaro
A reunião de mais de 200 lideranças de diversos estados também foi aproveitada para a apresentação do trabalho de outras organizações em parceria com a CGY. Em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo e com a Editora Elefante, na noite de terça-feira (13) a assembleia da CGY recebeu o pré-lançamento da história em quadrinhos Xondaro. De autoria de Vitor Flynn, a HQ parte da luta das comunidades do município de São Paulo para contar um pouco da história de resistência do povo Guarani e das suas formas atuais de atuar politicamente.
Na noite de quarta-feira, os presentes foram apresentados ao Mapa Digital das Terras Guarani, plataforma colaborativa que localiza geograficamente e reúne informações sobre as aldeias atuais e antigas ocupações em todo o território Guarani. A iniciativa do Centro de Trabalho Indigenista, em parceria com o Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e com a CGY, é um instrumento para os Guarani no conflituoso processo de regularização de suas terras.
Conquistas nos 10 anos de existência da CGY
Há cerca de 20 anos atrás os Guarani já realizavam grandes reuniões de articulação com representantes de todos os estados das regiões sul e sudeste. Os movimentos de articulação resultaram na criação da Comissão de Terras Guarani, embrião da CGY. Em novembro de 2006, em assembleia realizada na aldeia Peguaoty, município de Sete Barras no Vale do Ribeira, foi criada a Comissão Guarani Yvyrupa CGY. A organização autônoma de todo o povo Guarani se tornou um importante interlocutor no movimento indígena nacional e passou a ocupar espaços políticos tendo como foco o reconhecimento de seus direitos territoriais. Em março de 2007, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF sedia evento em Brasília formalizando o início das atividades da CGY perante instituições públicas e da sociedade civil, no qual as lideranças Guarani apresentam suas reivindicações e propostas políticas.
Desde então, a CGY atuou sistematicamente cobrando a Funai em seu papel de garantir os direitos dos povos indígenas e obtendo diversas conquistas e avanços nos processos de demarcação das terras Guarani. A partir de 2007, no estado do Rio Grande do Sul foram constituídos os Grupos de Trabalho de identificação das TIs Lami, Estiva, Rio Capivari, Granja Vargas, Itapuã, Morro da Formiga e Morro do Coco e publicada pelo Ministério da Justiça a Portaria Declaratória da TI Mato Preto.
Em Santa Catarina foram identificadas as TIs Tarumã, Pindoty e Piraí, além da publicação da Portaria Declaratória da TI Morro dos Cavalos, que desde 2008 aguarda a homologação da Presidência da República. Apesar dos avanços, todos os processos foram judicializados em processos movidos por particulares e pelo estado de Santa Catarina.
Foram aprovados os relatórios de identificação e delimitação das TIs Cerco Grande e Sambaqui no Paraná e aguarda aprovação os estudos já realizados na TI Araçaí. Além destas foi constituído o GT da TI Guasu Guavira que faz os estudos de identificação do território Guarani no oeste do estado.
No estado de São Paulo foram retomados os procedimentos de identificação e delimitação paralisados da TI Piaçaguera, recentemente homologada pela Presidência da República; TIs Ribeirão Silveira, Tenonde Porã e Jaraguá, que já foram declaradas pelo Ministério da Justiça; e TI Boa Vista que teve os estudos de identificação e delimitação publicados pela Funai. Além destas, avançaram os processos das TIs Itaporanga e Barão de Antonina com a criação dos GTs de identificação. No Vale do Ribeira foram aprovados os estudos de cinco TIs - Pacurity,Peguaoty, Amba Porã, Ka'aguy Mirim e Djaikoaty - a última TI na região com estudos já realizados, Pindoty-Araça-Mirim, aguarda a publicação dos estudos pela Funai. Tapyi, Ka'aguy Ovy, Subauma, são outras TIs da região com estudos ainda em análise.
No Rio de Janeiro, foram realizados estudos para identificação de áreas de uso e ocupação tradicional nas TIs Parati Mirim, Araponga e Rio Pequeno.
A continuidade da luta
Além da luta por reconhecimento de suas terras, a CGY segue como principal fórum de articulação das demandas de saúde e educação apresentadas pelas comunidades nas aldeias espalhadas pelo território Guarani. A VII Assembleia da CGY serviu também para que as lideranças compartilhassem a situação de suas regiões e elaborassem documentos que apresentam suas exigências para os órgãos competentes do Estado brasileiro.
Em carta aberta tirada em assembleia, os Guarani se posicionam contra a ameaça de retrocessos representada pelo governo de Michel Temer e por sua base aliada, constituída em grande parte por parlamentares ruralistas. A CGY cita ainda a preocupação com o novo Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que tem como uma de suas funções supervisionar a atuação da Funai. "O novo Ministro da Justiça, escolhido pelo presidente golpista Temer, ficou conhecido no estado de São Paulo, onde foi secretário de segurança pública, por usar a polícia de forma brutal contra as manifestações que buscavam garantir os direitos dos mais pobres. E é esse Ministro tão violento que hoje é chefe da Funai", diz trecho da carta.
Das 153 terras ocupadas atualmente pelo povo Guarani, apenas 17 estão plenamente regularizadas para seu uso exclusivo. Muitas das terras que avançaram em seus processos de demarcação são questionadas na justiça, tornando incerto o futuro das comunidades que já vivem situações de vulnerabilidade e descaso do poder público.
No encerramento da VII Assembleia Geral da CGY os xeramõi [anciãos] revezaram as falas com os mais jovens que cada vez mais participam da política nas aldeias e fora delas. "Nossa geração já nasceu com a presença dos juruá [não-indígenas] e nas escolas aprendemos que o Brasil foi descoberto pelos portugueses, mas nós sempre vivemos aqui. Nhanderu criou a Yvyrupa, que é o território para todos os seres humanos e para nós não existem fronteiras, no conceito Guarani a Yvyrupa é uma só. O juruá não entende, ele se apropriou dessa terra, vendeu todos os espaços e com o tal desenvolvimento das barragens, ferrovias, rodovias, continua destruindo tudo. Nós esperamos que os governos possam, pelo menos, reconhecer e respeitar o modo de vida tradicional Guarani", diz o Coordenador Tenondé da CGY, Marcos Tupã. A força espiritual e a união das comunidades ficaram claras para os que estiveram presentes neste encontro do povo Guarani que, apesar dos 516 anos de golpes, segue lutando.
http://www.trabalhoindigenista.org.br/noticia/vii-assembleia-da-cgy-rea…
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.