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Sob a ameaça do lixo

CB, Brasil, p. 15
28 de Set de 2004

Sob a ameaça do lixo

Em 60% das cidades de pequeno e médio porte do país, resíduos vão parar nos aterros sanitários sem nenhum tratamento. O descaso, que também atinge capitais, tornou-se um problema de saúde pública
O Ministério das Cidades traçou um raio-x do que o brasileiro anda jogando no lixo. O levantamento, que leva o nome pomposo de Diagnóstico da Gestão e Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, foi feito por amostragem em 108 dos 5.560 municípios do país, o correspondente a 31,6% da população brasileira. Segundo o relatório, na maioria das cidades de médio e pequeno porte, os resíduos vão parar nos lixões sem nenhum tratamento.
Com a pesquisa, o governo fez uma análise da qualidade dos serviços de coleta e processamento de lixo oferecidos pelos municípios convidados a participar do diagnóstico. As informações tratam da quantidade de lixo coletado, número de coletas feitas por semana, áreas de varrição e capina, peso dos resíduos de hospitais, se há aterro sanitário, entre outros dados.
Segundo o diretor da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Marcos Montenegro, o problema mais sério no serviço público de saneamento básico nos municípios estudados é a capacitação de recursos humanos. Quem entende do assunto geralmente está nas grandes cidades, observa. Mas nem de longe isso significa que as metrópoles estejam livres do problema. Em períodos chuvosos é comum o lixo entupir o sistema de drenagem de águas pluviais e agravar o problema das enchentes. O quadro demonstra que o serviço de limpeza nas grandes capitais também está aquém da demanda.
Lençóis freáticos
Outro fator relevante apontado no diagnóstico é o risco de contaminação da água dos lençóis freáticos por causa do armazenamento irregular de resíduos nos lixões. Dos 108 municípios participantes da pesquisa, só 22 têm aterro sanitário dentro das normas técnicas, ressalta Montenegro. O resultado de todo esse descaso com o lixo tornou-se uma ameaça para o meio ambiente. A situação dos mananciais no país, por exemplo, é mais vulnerável do que se imagina.
De acordo com o coordenador técnico da área de desenvolvimento urbano e meio ambiente do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), Victor Zular Zveibil, os lixões de 60% das cidades brasileiras estão a céu aberto, sem nenhum controle ambiental. Alguns desses depósitos têm resíduos de alto risco para o meio ambiente, como pneus, lixo hospitalar e material com peças radioativas. Existem municípios com mais de um lixão em condições de risco. É um problema de saúde pública, adverte.
Segundo o mais recente censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2000, 63,3% dos municípios brasileiros com população de até 15 mil habitantes gera 13.967 toneladas/dia de resíduos. O montante representa 9,37% do total do país, dos quais 70,44% estão em lixões sem tratamento.
Aterro de qualidade
Zveibil afirma que, apesar de poucos, existem aterros com qualidade internacional no Brasil. Um em Nova Iguaçu, no Rio, e o de Bandeirantes, em São Paulo, aponta. A preocupação com o que é coletado e a política pública nacional para resíduos sólidos no país são recentes. Tem cerca de cinco anos. O coordenador do Ibam acredita que a mobilização maior surgiu depois da criação do Fórum Nacional Lixo e Cidadania, em 1998. Em reciclagem no Brasil, hoje, o catador é a solução, mas a área precisa de regulamentação para gerar recursos e capacitar os municípios.
A secretária-executiva do Fórum Nacional Lixo e Cidadania, Peia Magalhães, afirma que além de financiamento e capacitação, os municípios precisam de projetos que tenham solução social. O problema envolve inclusão social dos catadores e desenvolvimento do país, argumenta. O Fórum é uma articulação de organizações governamentais e não-governamentais que trabalham para a erradicação do trabalho infantil no lixo.
Falta consciência
A iniciativa dos brasileiros com relação à reciclagem ainda é pequena. O coordenador técnico do Ibam diz que o consumidor no Brasil está longe de ter a consciência sobre o assunto como os consumidores dos países desenvolvidos. Na Europa as pessoas evitam levar embalagem para casa porque elas pagam taxa pelo lixo doméstico, observa. Zveibil afirma que este ano a prefeitura de São Paulo implantou cobrança parecida para reduzir o lixo produzido na capital paulista e aumentar a reciclagem, mas houve muita resistência da população.
O diretor do Programa de Gerenciamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Paulo Muçouçah, diz que, em termos de leis ambientais, o Brasil está atrasado até mesmo em relação a países em desenvolvimento. Chile e algumas nações asiáticas têm legislação mais evoluída. Segundo Muçouçah, a resistência maior é de indústrias que não querem assumir o ônus do destino final e do tratamento para os resíduos gerados por elas. Cada setor, público, privado e o próprio consumidor tem sua parcela de responsabilidade.
O documento que trata da situação institucional do setor foi elaborado a partir de dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, de 2002, e faz parte do Sistema Nacional de Informação Sobre Saneamento (SNIS) do Ministério das Cidades. Os resultados serão apresentados pelo ministro Olívio Dutra em 4 de novembro.

Limpeza Geral
De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), os resíduos sólidos são classificados em três categorias
Classe I :Os perigosos, como lixo radioativo (podem ser tóxicos, explosivos, inflamáveis)
Classe II :Não inertes, como o papel (apresentam combustibilidade, biodegradabilidade, ou solubilidade em água)
Classe III
Inertes, como o plástico (que não se decompõem prontamente)

Atraso na legislação
A regulamentação da política nacional de saneamento ambiental no que diz respeito ao controle mais rígido dos resíduos sólidos está lenta. A legislação brasileira sobre o assunto não avança. Desde 1996 que se tenta implantar um projeto de lei mais abrangente, diz o diretor do Programa de Gerenciamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Paulo Muçouçah. Atualmente, 74 projetos de lei tramitam na Câmara dos Deputados, mas há resistência de diversos setores.
De acordo com Muçouçah, o Congresso Nacional tenta uma confluência entre os projetos. Para isso, no final de 2003 foi criada uma comissão especial para produzir um substitutivo dos 74 projetos, mas a comissão ainda não está instalada. Na regulamentação dos resíduos sólidos precisam estar claros os princípios, as hierarquias e as responsabilidade sobre o assunto.
Muçouçah ressalta que, mesmo lentamente, há avanços na tentativa de controle dos resíduos. Na concessão de empréstimos a prefeituras e no financiamento direto por parte de bancos oficiais, começa a surgir a exigência de propostas ambientais para a concessão do crédito. A Caixa Econômica Federal está discutindo critérios ambientais para financiamentos a municípios e empresas. Há sugestão de os projetos de conjuntos habitacionais, por exemplo, utilizarem energia solar nas casas.
Em agosto, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) promoveu, em Brasília, um seminário para discutir proposta interministerial para a política nacional de resíduos sólidos. O encontro reuniu representantes dos governos federal, estaduais e municipais, de indústrias e da sociedade civil.
Em 7 de outubro, em Porto Alegre, ocorrerá o seminárioBrasil, a mudança de paradigma, classificação e ensaio dos resíduos sólidos. O evento é para a capacitação de gestores na área de saneamento e resíduos sólidos, conforme os critérios da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam) também oferece curso para a prática da gestão de serviços de limpeza urbana e da destinação adequada de resíduos. O programa de educação a distância em gestão integrada de resíduos sólidos é de cinco meses, equivalente a 300 horas de estudo e pode ser feito pela internet ou por meio de material impresso, via Correios. (HB)

CB, 28/09/2004, Brasil, p. 15

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