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Sistema de MT aumentou desmate ilegal

FSP, Ciência, p. A17-A18
Autor: ANGELO, Claudio; BRITO, Rodrigo Justus de
01 de Jul de 2005

Sistema de MT aumentou desmate ilegal
Estudo mostra que fazendeiros cadastrados no licenciamento por satélite derrubaram mais em 2003-2004

Cláudio Angelo
Editor de Ciência

Um estudo apresentado nesta semana comprova pela primeira vez com números o que ambientalistas e o Ministério Público já vinham afirmando: o sistema de licenciamento ambiental por satélite de Mato Grosso falhou em conter o desmatamento ilegal naquele Estado a partir de 2003, primeiro ano do governo do "rei da soja", Blairo Maggi (PPS).
Pior do que isso: a derrubada de florestas em propriedades rurais cadastradas no sistema no período 2003-2004 foi 50% maior do que nas fazendas que não estavam licenciadas. O desmatamento em reservas legais de propriedades (que, em tese, são áreas de proteção) foi o triplo do observado em unidades de conservação.
Ambos os números sinalizam que o monitoramento não só não inibiu os produtores rurais como pareceu estimulá-los a desmatar.
"Quem entrou no sistema não acredita que vá ser punido. Ele não se sente inibido", disse à Folha André Lima, do ISA (Instituto Socioambiental), que coordenou o estudo, juntamente com Alícia Rolla. A pesquisa, apresentada na última segunda-feira num seminário sobre desmatamento no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), está disponível a partir de hoje no site da ONG (www.socioambiental.org).
O sistema de licenciamento de propriedades rurais de MT, conhecido pela sigla SLAPR, era até 2003 considerado um exemplo para a Amazônia. Montado com recursos internacionais, ele ajudou a reduzir o desmatamento no Estado em 36% em 2001 e 2002. Em 2003, o índice explodiu de 0,7 milhão de hectares para 1,8 milhão, sem que houvesse uma mudança no sistema que justificasse. No período 2003-2004, segundo dados do Inpe, Mato Grosso respondeu por 48% do desflorestamento na Amazônia Legal.
Big Brother
O SLAPR funcionava como uma espécie de "grande irmão": para receber uma licença ambiental, os fazendeiros eram obrigados a apresentar todos os anos à Fema (a recém-extinta Fundação Estadual do Meio Ambiente) uma imagem de satélite de suas propriedades, mostrando a reserva legal e a área a desmatar -até 20% de cada propriedade, no caso das regiões de floresta.
A Fema também possuía uma base de dados com imagens de satélite de todas as fazendas cadastradas, atualizada anualmente. Se alguém desmatasse onde não podia, o crime ambiental aparecia na imagem. Os fiscais já saíam para a vistoria com as multas prontas, o que ao mesmo tempo evitava a corrupção e permitia que um número reduzido deles vistoriasse todo o Estado.
O estudo do ISA faz parte de uma pesquisa maior, encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente, que busca justamente avaliar a eficácia do sistema. Para produzi-lo, Lima e seus colegas tiveram acesso à base de dados da Fema. Foram analisadas 6.116 propriedades, cadastradas no sistema entre 2001 e 2004.
A análise revelou uma explosão do desmatamento em 2003. O corte raso só em reservas legais no período representou 31% de todo o desmatamento em propriedades cadastradas no sistema. Do total de desmate em reserva legal entre agosto de 2003 e agosto de 2004, 48% ocorreu em propriedades licenciadas em 2003.
A análise não levou em conta averbações irregulares de reserva legal, ou seja, a concessão de autorizações para desmate de 50% de propriedades em área de floresta, que contraria a lei federal e é objeto de uma Ação Civil Pública do governo federal contra a Fema.
A análise do ISA constatou ainda que falta transparência no sistema -e a impunidade grassa. "O Ministério Público do Estado não tinha uma ação criminal por desmatamento ilegal até o ano passado", diz Lima. "As multas não são aplicadas, quando são demoram até seis anos para serem pagas e várias multas altas são convertidas em advertências", afirma. Segundo Lima, esta última prática também aconteceu antes do governo Maggi.
Outra conclusão do estudo é que os ativos florestais -ou seja, as áreas passíveis de desmate mas que são mantidas como floresta- estão sumindo em ritmo acelerado: 23% deles viraram cinzas só entre 2003 e 2004. Já o passivo, ou seja, o que foi desmatado acima de 20% das propriedades, cresceu 16,7% em 2003 -equivalente ao o crescimento somado dos três anos prévios.
Se a tendência permanecer, diz Lima, a compensação florestal, mecanismo pelo qual um fazendeiro com passivo compensa seu desmate em excesso pagando seus vizinhos para manter as florestas em pé, estará comprometida em menos de cinco anos. "É recomendável que o Estado adote medidas urgentes para viabilizar a compensação de reservas legais entre propriedades rurais, antes que todo o ativo florestal desapareça", conclui o estudo.O governo de Mato Grosso diz que o sistema funciona, mas que a fiscalização no Estado não conseguiu acompanhar o aumento na produção. O governador Blairo Maggi atribui o salto no desmatamento à elevação do preço dos grãos -em especial a soja- no mercado internacional. Afirma também que o Estado notificou mais de 90% dos produtores rurais que desmataram irregularmente no período 2002-2003.

Ex-diretor da Fema nega irregularidades
Rodrigo Justus, que esteve foragido, diz que ordem de prisão do Ministério Público foi "irresponsável"

Da Redação

O ex-diretor de florestas da Fema, Rodrigo Justus de Brito, diz que vai processar o Ministério Público Federal por ter pedido sua prisão preventiva em junho, na Operação Curupira. Justus, que pedira demissão da Fema em fevereiro, nega que tenha assinado qualquer autorização irregular de desmatamento em Mato Grosso.
Ele esteve foragido até a semana passada, por considerar seu pedido de prisão "ilegal". Em entrevista à Folha, disse que o procurador da República em Mato Grosso, Mário Lúcio de Avelar, é "irresponsável" e que a Fema nunca foi prioridade do governo do Estado. (CLAUDIO ANGELO)

Folha - De quem é a culpa pela explosão do desmatamento em Mato Grosso em 2003 e 2004?
Rodrigo Justus - Mato Grosso é a última porção de terras planas e férteis que existem na área amazônica. Além da questão do avanço de áreas, a pecuária está sendo empurrada para a área da floresta.

Folha - O governo não teve nenhuma responsabilidade?

Justus - O governo diretamente... não houve atitude governamental de estimular o desmatamento, certo?

Folha - Nem de coibir.

Justus -É, agora, a estrutura foi mantida como ela era e ela era insuficiente. Então, são vários fatores: o descrédito na lei, o incentivo do agronegócio, a falta de aparelhamento dos órgãos.

Folha - Mas nada disso explica esse crescimento brutal em 2003. O estudo do ISA mostra que o desmatamento ilegal cresceu mais nas propriedades dentro do SLAPR.

Justus - É o seguinte: toda propriedade é lançada no SLAPR. Existe um total de áreas averbadas de 5 milhões de hectares como reserva legal lançadas na base. E o que aconteceu? Esse sistema começou em 2001 e veio agregando mais propriedades. Quando nós fizemos o mapa de desmatamento de 2003, constatamos que 112 mil hectares de área de reserva legal, desse total de, aproximadamente, 5 milhões averbados, ou seja, 112 mil hectares de reserva legal em 430 propriedades licenciadas, esses cidadãos mesmo tendo licença e mesmo sabendo que a reserva dele estava lá já referenciada na base do satélite, eles desmataram área de reserva legal. Então, houve também um desrespeito pelos que estavam licenciados. O SLAPR é um sistema de monitoramento. Agora, se não tiver atividade de campo...
Folha - E por que não houve fiscalização nos dois primeiros anos do governo Maggi?

Justus - Houve fiscalização, só que está se vivendo a política do leite derramado.

Folha - A Fema foi desmontada?

Justus - Não. Veja: o Estado de Minas Gerais, que é menor do que o Estado de Mato Grosso, tem 900 engenheiros florestais que executam a fiscalização. O Estado do Paraná que é quatro vezes e meio menor do que Mato Grosso tem 600 fiscais e Mato Grosso, que é 13% do país, tem 12 fiscais. Agora tem dez porque eu afastei dois. Então, caberia ao governo, tendo conhecimento de que estava havendo uma corrida para o agronegócio a nível nacional, ter tomado providências. Não tomou.

Por que não?

Justus - Porque não foi prioridade fazer isso. O orçamento da Fema tem sido cortado ano a ano, inclusive, em contrapartidas de projetos e programas internacionais no orçamento de 2005.
O governador foi omisso?

Justus - Eu acho que não houve prioridade na área ambiental. Eu fiquei correndo atrás de recursos internacionais. Eu penso que o governador nunca imaginou que a situação ia chegar onde ela chegou, que a coisa ia ficar desenfreada, que a falta de estrutura do órgão ia deixar isso chegar onde chegou. Faltou carinho, sabe? Nas nossas solicitações. Precisava o órgão ser visto não apenas como uma despesa de governo mas sim vendo o benefício da sociedade para o futuro, a utilização correta.

Folha - Era o sr. quem despachava com o governador?

Justus - Na área técnica era eu. Quando precisava ir a Brasília, ao Inpe, viajar, isso tudo era eu quem fazia. O [secretário] Moacir [Pires] estava lá, ele ia em algumas viagens, quando era alguma coisa mais festiva ele ia, mas eu acabava administrando parte da Fema. Ele nunca se interessou muito em conhecer a realidade da Fema.

Folha - O sr. assinou alguma fraude em licença ambiental?

Justus - Não. Essas denúncias do Ministério Público são totalmente infundadas. No caso da área indígena, havia uma portaria da Funai decretando a interdição de uma área por um período de três anos. Na mesma página da matrícula do imóvel, constava que a Justiça Federal tinha dado uma liminar suspendendo os efeitos da portaria. Então, o Ministério Público Federal usou de má-fé comigo nessa situação e nas outras, razão pela qual eu vou representar o Ministério Público Federal para que ele seja proibido de pedir prisão preventiva das pessoas.

Folha - Por que o sr. fugiu?

Justus - Porque eu não posso aceitar que o Estado de direito seja desrespeitado. O procurador Mário Lúcio de Avelar é um irresponsável e essa é uma das razões pelas quais ele vai ser acionado.

Folha - Qual é sua situação agora?

Justus - Eu passei no processo seletivo para ser funcionário das Nações Unidas. Com essas acusações, eu fui obrigado a pedir demissão. Perdi o emprego por conta dessa irresponsabilidade do procurador. Não vou morrer de fome, mas acabaram comigo.

FSP, 01/07/2005, Ciência, p. A17-A18

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