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Sem força no Congresso, governo assiste nova 'boiada' em regras ambientais

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
07 de Mai de 2024

Sem força no Congresso, governo assiste nova 'boiada' em regras ambientais
Flexibilização das regras de proteção da biodiversidade estão sendo patrocinadas por parlamentares

Murillo Camarotto

07/05/2024

As dificuldades da articulação política do governo - que já sacrificaram a chamada pauta de "costumes" - também ameaçam a agenda ambiental. Parlamentares dedicados ao debate das mudanças climáticas e ambientalistas estão preocupados com mudanças na legislação que, na prática, podem materializar uma nova versão da "boiada" defendida por Ricardo Salles, ministro do meio ambiente do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Diferentemente do que aconteceu no governo anterior, desta vez a flexibilização das regras de proteção da biodiversidade estão sendo patrocinadas diretamente pelo Congresso Nacional. Sem força para impor sua agenda, o Palácio do Planalto se vê obrigado a "escolher as brigas", como admitiu um auxiliar direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao mencionar a prioridade dada à pauta econômica no toma lá-dá cá com o parlamento.

Além disso, pesam contra a agenda ambiental os movimentos grevistas de servidores do Ibama e do ICMBio, que desde o início do ano trabalham em operação-padrão, com redução importante nas atividades de fiscalização e licenciamento. A política indigenista também não vive o seu melhor momento, com lideranças manifestando publicamente a insatisfação com o empenho do governo em atender suas principais reivindicações.

Ex-presidente do Ibama e especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo lista um punhado projetos de lei em tramitação no Congresso que podem representar retrocessos na política ambiental. O PL 364/19, por exemplo, flexibiliza as regras de proteção de todas as formações não florestais, deixando mais vulneráveis biomas como a Mata Atlântica, Pantanal, Pampas e uma parte do Cerrado.

O texto foi aprovado em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e depende da análise de um recurso para ser votado em plenário, caso contrário seguirá direto para apreciação do Senado. "Na forma como passou, significa um retrocesso histórico nas normas. Um trator da maldade, uma tragédia do ponto de vista da proteção", avalia Araújo.

Ela também citou o PL 10.273/18, igualmente aprovado pela CCJ, que limita as regras para cobrança da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental. Aplicada desde 2000, a TCFA incide sobre o poder de polícia do Ibama, ou seja, pode ser cobrada em empreendimentos fiscalizados pelo órgão. Pelas mudanças propostas e aprovadas na comissão, a taxa passaria a incidir apenas sobre os projetos licenciados pelo Ibama, o que representaria uma queda vertiginosa da arrecadação.

"Se (a taxa) for implodida, o governo terá que arrumar outro recurso para cobrir o orçamento do Ibama. A gente não viu muita movimentação do Executivo para barrar. A assessoria parlamentar do MMA (Ministério do Meio Ambiente) até circula no Congresso, mas um assunto como este tem que ter manifestação mais forte da Presidência da República. Quando você enfraquece o recurso do Ibama, você esvazia a própria autarquia", diz a especialista do Observatório do Clima.

Ao Valor, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, lembrou que a arrecadação da TCFA é compartilhada com os órgãos ambientais estaduais e municipais. "Do jeito que está (o texto), ele tira R$ 600 milhões dos órgãos locais e R$ 400 milhões do Ibama. Para nós é algo de grande preocupação", afirmou ele, ao lamentar o fato de o governo não ter maioria para conduzir a agenda ambiental no Congresso.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Frente Ambientalista, reconhece as dificuldades políticas. "A base governista é muito concentrada no Centrão e o Centrão é muito concentrado no agronegócio. Então, acaba prevalecendo essa visão curta, que prioriza resultados de curto prazo e não pensa de forma estratégica sobre a oportunidade que o Brasil tem de liderar globalmente um agronegócio sustentável", disse o parlamentar.

Um auxiliar próximo de Lula admite que a negociação com o Congresso falha gravemente ao deixar a pauta ambiental em segundo plano. A seu ver, as tratativas sobre emendas parlamentares, por exemplo, deveriam considerar os projetos nocivos ao meio ambiente. "Mudanças de legislação são muito sensíveis e podem trazer prejuízos terríveis no futuro", disse a mesma fonte.

O governo também já conta com uma no PL 2.159/21, já aprovado pela Câmara, que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental, abrindo espaço para a concessão "automática" de licenças. "Este projeto é o mais sensível. Dissemina o licenciamento autodeclaratório, por adesão e compromisso, em que nem mesmo o relatório de caracterização do empreendimento precisa ser conferido", explica Suely Araújo.

Ela ressalta, entretanto, que nem tudo é culpa do Congresso. Além de maior vigor na defesa dos projetos da pauta ambiental, Araújo diz que o governo deveria ser mais ágil para resolver o impasse que os servidores do Ibama e do ICMBio. A seu ver, os efeitos da operação-padrão na fiscalização poderão ser notados em um futuro próximo, por exemplo, em dados de desmatamento.

Agostinho não acredita nessa possibilidade. Segundo o presidente do Ibama, as operações mais afetadas pela mobilização foram de licenciamento ambiental e análise de importações de veículos. Ele reconhece, contudo, que é impossível não haver impacto sobre a fiscalização. O presidente do ICMBio, Mauro Pires, também minimizou as possíveis consequências do movimento, mas disse esperar que um acordo entre governo e servidores seja anunciado esta semana.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2024/05/07/dificuldade-de-arti…

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