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Seis provas do aquecimento global

Veja, Clima, p. 118-123
21 de Set de 2005

Seis provas do aquecimento global
Efeitos da mudança climática já podem ser percebidos em catástrofes que afetam o planeta

Diogo Schelp

Três perguntas costumam acompanhar a discussão em torno do aquecimento global. A primeira questiona se o fenômeno é real. A segunda tenta descobrir se os efeitos das mudanças no clima da Terra são iminentes. E a terceira diz respeito ao que pode ser feito para impedir que o problema se agrave. Os 141 países que assinaram o Tratado de Kioto, em vigor desde o início do ano, concluíram que a resposta às duas primeiras perguntas é sim e que a terceira pode começar a ser resolvida com a redução da emissão dos poluentes responsáveis pelo efeito estufa, medida à qual aderiram. O presidente George W. Bush, dos Estados Unidos, responsáveis por 36% das emissões mundiais, recusou-se a assinar o tratado porque acha que o aquecimento global não é uma questão urgente e que os custos econômicos para revertê-lo seriam excessivos. Os indícios de que Bush está errado são cada vez mais fortes. Os efeitos da mudança climática já não podem ser ignorados.
A Europa viveu nos últimos cinco anos seus verões mais quentes desde que as temperaturas começaram a ser medidas. Em 2003, mais de 20 000 pessoas, a maioria idosos, morreram devido ao calor. Em razão da mudança na dinâmica dos ventos na Europa, causada pelo aquecimento das águas do Atlântico, o volume de chuvas na Península Ibérica caiu 20% nos últimos 100 anos. As ondas de calor na Europa contribuíram para tornar a região ainda mais seca e vulnerável a incêndios, como o que devastou 240 000 hectares de florestas em Portugal, neste ano. Fenômeno inverso ocorreu no norte do continente. O aquecimento da água aumentou entre 10% e 40% o volume de chuvas na região. Há indícios de que as enchentes ocorridas no sul da Alemanha e na Suíça, em agosto, foram causadas por um processo semelhante, só que no Mediterrâneo. No ano passado, várias praias italianas foram infestadas por algas tóxicas e tiveram de ser interditadas para evitar o envenenamento de banhistas. Essas espécies marinhas são originárias dos trópicos e proliferaram na região graças ao aquecimento da água do Mediterrâneo. A mudança na temperatura dos mares também é responsável pelo aumento na intensidade dos ventos e das chuvas provocados por furacões. Estima-se que tenham ficado 50% mais fortes nos últimos trinta anos. Até onde se pode determinar, o mundo está agora mais quente do que em qualquer momento nos últimos 2000 anos.

É difícil atribuir uma única causa para esses fenômenos climáticos. Estudos científicos concordam que, em maior ou menor grau, eles são influenciados pelo aquecimento global, acelerado pela ação do homem. O aumento e o diminuição da temperatura fazem parte do ciclo natural do planeta - mas o que está ocorrendo agora é diferente. Nos últimos 120 anos, a temperatura média anual da superfície terrestre aumentou 1oC. Pode parecer pouco se comparado às oscilações diárias de temperatura num dia de verão, mas, em termos climáticos globais, mudanças desse tipo têm enormes conseqüências. As geleiras que cobriram a maior parte do Hemisfério Norte durante a última era glacial, que terminou 12.000 anos atrás, foram formadas por uma queda de apenas 2oC na temperatura média do planeta. Ao contribuir para acelerar o aquecimento, o homem está mexendo com algo que está além da capacidade de controle da mais avançada tecnologia. Pelos padrões de tempo da natureza, o Homo sapiens é apenas um piscar de olhos - não mais do que 0,005% do total da idade do planeta. Nosso sucesso como espécie ocorreu na janela geológica entre o fim da última era glacial e hoje, marcada por temperaturas amenas. Uma pequena variação pode ser letal para nosso estilo de vida.
Desde a Revolução Industrial, os escapamentos dos carros, as termelétricas, a transformação de florestas em pastos e outros fatores relacionados à atividade humana aumentaram em 30% o nível de gás carbônico na atmosfera. Junto com outros gases poluidores, o dióxido de carbono forma uma camada na atmosfera que, como o telhado de vidro de uma estufa, permite que os raios solares cheguem à superfície terrestre, mas dificulta a dissipação do calor para o espaço. Esse processo, chamado de efeito estufa, acaba deixando o planeta mais quente. "Historicamente, a concentração de gás carbônico na atmosfera variou bastante devido a processos naturais, como a decomposição de material orgânico e a erupção de vulcões", diz o geofísico Paulo Eduardo Artaxo Netto, da Universidade de São Paulo. "Mas a última vez que o nível esteve tão alto quanto hoje foi há 3,5 milhões de anos." O efeito mais dramático dessa poluição é o fato de que todas as grandes coberturas de gelo da Terra estão derretendo - na maioria dos casos, para sempre. As geleiras encontradas no topo das montanhas e nos pólos ajudam a manter o equilíbrio climático da Terra, porque refletem os raios solares e resfriam o ar à sua volta. À medida que os glaciares desaparecem, as rochas que estão por baixo vêm à tona, absorvendo mais calor e desencadeando um efeito dominó que aumenta ainda mais o aquecimento global.

O gelo do Ártico, onde a temperatura aumentou mais do que a média mundial, é o mais afetado. Cerca de 40% de seu volume sumiu nos últimos cinqüenta anos, e a previsão é que até 2080 deixará de existir no verão. Não é preciso viver no Pólo Norte para perceber as conseqüências disso. O derretimento das calotas polares é uma das duas principais causas da elevação do nível da água dos oceanos em 25 centímetros, suficiente para fazer o mar avançar em até 100 metros nas áreas litorâneas mais baixas. A outra causa para a elevação do nível dos mares é o aumento da temperatura média dos oceanos em meio grau nos últimos sessenta anos - quanto mais quente, mais a água se expande e mais espaço ocupa. "Esse é o maior risco da interferência humana no clima: a natureza é imprevisível e podem ocorrer fenômenos que os cientistas jamais imaginavam", disse a VEJA o geofísico americano Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos.
Entre as surpresas estão certos fenômenos climáticos registrados no Brasil. No ano passado, o furacão Catarina, que passou por Santa Catarina, chamou atenção por ser um acontecimento inédito na região. "Se outro furacão atingir o Brasil nos próximos dez anos, será um indício de que se trata, realmente, de um efeito do aquecimento global", diz Carlos Nobre, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em São José dos Campos. Há duas maneiras de reagir às mudanças climáticas no planeta. A primeira é reduzir drasticamente a emissão de gases poluentes. Esse objetivo está em parte contemplado no Tratado de Kioto, pelo qual os países signatários se comprometem a voltar aos níveis de poluição anteriores a 1990. A segunda medida é procurar adaptar-se da melhor maneira possível às transformações que o mundo viverá nas próximas décadas. Essas mudanças são inevitáveis, mesmo que se consiga diminuir a participação humana no efeito estufa, porque um terço do aquecimento tem causas naturais. "Cada população terá de se preparar para um tipo diferente de desequilíbrio climático, como enchentes, furacões ou secas, e isso terá um custo alto", disse a VEJA o economista australiano Warwick McKibbin, da Universidade Nacional Australiana, em Canberra. Assim, se a elevação do nível dos oceanos for de quase 1 metro como estimado até o fim do século, a cidade do Recife, em Pernambuco, terá de construir diques para não ser inundada pelo mar.

Veja, 21/09/2005, Clima, p. 118-123

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