VOLTAR

Fazenda muda práticas para evitar colapso da bacia do rio Araguaia

Valor Econômico - https://valor.globo.com/
05 de Jun de 2024

Fazenda muda práticas para evitar colapso da bacia do rio Araguaia
Recurso privado banca plantio de mudas, cercas em nascentes e conservação do solo

Sérgio Adeodato

05/06/2024

Na provocação do filho após palestra de educação ambiental na escola, o produtor rural Marcelo Lopes até relutou, adiou a ideia o quanto pôde, mas acabou rendido e cortou o bananal que havia na nascente da propriedade, localizada no assentamento Vale do Araguaia, no município de Baliza (GO). "Fiz com dor no coração porque iria perder renda, mas percebi que os tempos mudaram; desmatar e ocupar área cada vez maior, como pregava meu avô, já não vale para as novas gerações", conta. A razão é simples: fontes hídricas, antes vigorosas em suas terras, secaram.

A escassez reflete a situação de risco nas bacias contribuintes do Araguaia, rio que divisa os Estados de Goiás com o Mato Grosso e de Tocantins com Mato Grosso e Pará, região com forte presença do agronegócio. Hoje, projetos com produtores de Goiás buscam conciliar a agropecuária com a conservação do Cerrado, bioma que foi o mais desmatado em 2023, com 1,11 milhão de hectares derrubados, ultrapassando pela primeira vez a Amazônia. Segundo o MapBiomas, a área desmatada em todo o Cerrado cresceu 67% no ano passado.

Mas Lopes, com 70 cabeças de gado para leite, obteve apoio para plantar árvores, cercar nascentes e protegê-las do pisoteamento dos animais. Onze dos 45 hectares da propriedade foram isolados para fins de produção de água, junto às lavouras de milho, arroz e capiaçu, uma variedade de capim destinado à alimentação do rebanho. "Quando veio a estação seca, a água continuou correndo e os vizinhos começaram a imitar", afirma o produtor, também beneficiado por técnicas de recuperação do solo e melhor produção em menor área. Como vitrine de soluções, diz Lopes, uma iniciativa puxa outra e a presença de seriemas, antas e cotias "mostra que ainda dá tempo de consertar os estragos".

"Penso muito nos meus netos", diz o pequeno produtor Joselito Ramos, que também recebeu apoio para consorciar produção e preservação, emocionado ao mostrar os resultados dos plantios de mudas para garantir água em seu sítio em Santa Rita do Araguaia (GO). "Se não cuidar, vai secar", diz. Na área, a família possui café, eucalipto e vacas para produzir leite, além da roça de mandioca e um pomar de variadas espécies.

Com a escassez hídrica e a perda econômica, o resultado pode ser o êxodo rural"
- Douglas Santos
As ações de preservação que vêm sendo realizadas junto a produtores goianos unem poder público, empresas e ONGs no programa Juntos pelo Araguaia, abrangendo mil hectares até o momento. "A virada de chave é muito mais do que plantar árvores", diz Andréa Vulcanis, secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás, ao reforçar a necessidade de criar confiança e engajamento do produtor rural. A meta é restaurar mais 9 mil ha, ao custo de R$ 900 milhões, oriundos de doações de empresas, conversão de multas ambientais e acordos para compensação de impactos. Foram mapeados 2,5 milhões de ha de áreas prioritárias.

"Buscamos um diálogo construtivo em que a agenda da água tem grande poder de mobilização", afirma Luiz Cláudio de Oliveira, presidente do Instituto Espinhaço, idealizador do programa. A iniciativa tem o diferencial de restauração em grande escala, a partir da experiência em outras regiões do bioma. A ONG, sediada em Minas Gerais, atua em 5 mil propriedades rurais no país, com R$ 3 bilhões de projetos em carteira e plano de chegar a R$ 5 bilhões até 2030. Por meio do instituto foram plantadas até agora 140 mil mudas na bacia do Araguaia (685 ha). O programa ainda fez cercamento de nascentes e proveu assistência técnica e insumos. A mudança de cultura é essencial. "Não adianta plantar 1 hectare de mata e destruir outros três", ressalva Oliveira.

A proteção dos recursos hídricos garante a atividade rural, evitando especialmente que os pequenos agricultores precisem abandonar suas terras por falta de água. "Com a escassez hídrica e a perda econômica, o resultado pode ser o êxodo rural", adverte Douglas Santos, biólogo da Saneago, companhia de saneamento de Goiás. Muitos poços perfurados, lamenta, estão secos. Recuperar a produção hídrica ainda garante o abastecimento das cidades.

A água que jorra na cascata da piscina da produtora Maria Divina Garcia é vista como tesouro junto às 600 cabeças de gado que cria em Bom Jardim de Goiás. A área recebeu 4 mil mudas, além da melhoria do pasto, onde foram instaladas praças de alimentação com bebedouros e ração para o gado, longe das nascentes. Cinco delas foram recuperadas com apoio da mineradora Anglo American e nutrem o ribeirão que abastece a cidade, em situação de crise hídrica. "Água é vida para qualquer segmento; não pensamos só em nós", diz a pecuarista, estimulada pelos filhos a modernizar a fazenda.

Prefeito de Santa Rita do Araguaia, o pecuarista Carlos Tadeu Rocha Vieira recuperou três das oito nascentes na propriedade onde cria 800 cabeças de gado e fez a conservação do solo para evitar erosão, apoiado por recursos da empresa de energia State Grid, participante do Juntos pelo Araguaia. "As ações são estratégicas porque estamos na região onde o rio nasce", afirma o prefeito. "Mesmo os pequenos riachos importam", diz. "Para haver captura de carbono e reduzir o aquecimento global, a planta precisa primeiro de água".

https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/meio-ambiente/noticia/202…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.