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Em resposta ao STF, gestão de Eduardo Leite defende construção de barragens em Áreas de Preservação Permanente

O Globo - https://oglobo.globo.com/
05 de Jun de 2024

Em resposta ao STF, gestão de Eduardo Leite defende construção de barragens em Áreas de Preservação Permanente
Procuradoria-Geral do Estado afirma que lei estadual que autoriza obras nos espaços protegidos atende demandas locais e é constitucional

Lucas Altino e Luis Felipe Azevedo

05/06/2024

Questionados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma lei estadual, sancionada em abril, que autoriza a construção de barragens para irrigação de plantações e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APPs), o governo do Rio Grande do Sul e a Assembleia Legislativa do estado defenderam a constitucionalidade da legislação. Após as enchentes que devastaram as cidades gaúchas, a lei foi contestada pelo Partido Verde (PV), fazendo com que o ministro Edson Fachin pedisse respostas em até dez dias. A cobrança ocorre no mesmo momento em que mudanças no Código Ambiental do Rio Grande do Sul também são alvo de críticas de ambientalistas por flexibilizar parâmetros de proteção e aumentar a permissão para ocupação de campos e solos em áreas de alagamento.

A Procuradoria-Geral do Estado argumentou ao Supremo que não há cabimento na ação do PV, ressaltando que a lei é constitucional, pois a "própria Constituição Federal assegura ao Estado competência legislativa para suplementar as normas gerais editadas pela União".

"A lei atende a particularidades locais do Estado do Rio Grande do Sul, há anos penalizado com recorrentes secas e estiagens que ameaçam a segurança alimentar no Estado e comprometem severamente o desenvolvimento econômico do setor agrícola", diz trecho da nota da PGE-RS enviada ao GLOBO. O órgão destaca ainda que "a construção de barragens para irrigação somente pode ser feita após aprovação pelo órgão ambiental competente, segundo normas e diretrizes ambientais".

A Assembleia do Rio Grande do Sul informou, em nota, que o projeto "cumpriu todos os trâmites legais dentro do Legislativo" e argumenta que a Casa gaúcha "cumpre sua obrigação constitucional ao resguardar a decisão soberana de seus parlamentares".

A lei que autoriza a construção de barragens em APPs foi celebrada pela Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul). Supostas ligações entre a federação e o governo vêm sendo criticadas por ambientalistas. No ano passado, o ex-dirigente da Farsul, Marcelo Camardelli, foi nomeado secretário adjunto e presidente do Conselho Estadual de Meio Ambiente. A nomeação foi repudiada pela Coalizão do Pampa, formada por 19 associações e grupos socioambientais e pela Associação de Servidores da Secretaria do Meio Ambiente (Assema). A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do estado afirma que a indicação de Camardelli para assumir a cadeira "se deu pela sua expertise em gestão e reconhecida atuação de mais de dez anos na área ambiental".

Em setembro de 2023, após as enchentes que castigaram o Vale do Taquari, a Assema oficiou o governo cobrando medidas urgentes, como validação de Cadastros Ambientais Rurais (CARs), avanço da Política Estadual de Gestão de Riscos de Desastres e criação de mais programas de recuperação de APPs. Após a tragédia atual, a Assema se manifestou novamente, relembrando o ofício ignorado do ano passado e dizendo que a atual secretaria "prioriza o favorecimento de setores econômicos em detrimento do interesse público".

Ambientalistas também criticam as alterações feitas no Código Ambiental do Rio Grande do Sul, cujo texto original era de 2000. A atualização do documento foi uma das principais agendas, em 2019, da então recente gestão do governador Eduardo Leite (PSDB), que defendia a necessidade de atualizá-lo com base nas diretrizes federais.

Tramitação a jato
O projeto de lei foi apresentado em setembro daquele ano e aprovado 75 dias depois, com mudanças em 480 normas. O trâmite acelerado motivou protestos, e ambientalistas criticam que não houve o devido debate. Já produtores rurais celebraram a flexibilização para ocupação do solo, o que chamaram de "modernização" e "desburocratização" do código. Uma das principais expectativas era a redução no tempo para emissão de licença ambiental, de 160 para 90 dias.

Apesar de as mudanças serem recentes, especialistas afirmam que elas contribuíram para o agravamento dos impactos com as enchentes.

As mudanças foram criticadas por um grupo de analistas ambientais da própria Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Na época, uma Nota Técnica dizia que a nova lei mostrava "comprometimento com facilitações e descompromisso com os valores ambientais". Entre mudanças, chamaram a atenção de especialistas as alterações, ou até eliminação, dos conceitos de áreas alagadiças, APPs e várzea, o que abriria possibilidade para ocupação de áreas de risco de inundação, em terrenos próximos a corpos d'água.

O novo código também mudou as definições dos termos de nascentes e ciclo hidrológico, além de retirar as previsões de Comitês de Bacia, que realizam planos de ações para bacias hidrográficas, e excluir regras de convênios com universidades para atividades de preservação ambiental .

A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura afirma que a "chuva em abundância extraordinária" potencializou o risco de áreas mais suscetíveis a desastres naturais. A pasta destaca que catástrofes climáticas "são uma realidade mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas em todo o planeta, sendo assim, não podem ser atribuídas à atualização da lei". (leia a íntegra da nota ao fim da matéria).

"A construção da atualização do Código Ambiental do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, sancionado em 2020, teve como base amplas discussões que envolveram sociedade e instituições como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). As alterações legais promovidas não enfraqueceram a proteção ambiental, pelo contrário", diz a secretaria.

Autolicenciamento
Outra polêmica foi a criação da Licença por Adesão de Compromisso (LAC), um autolicenciamento ambiental que passou a ser permitido a algumas atividades específicas, como silvicultura de exóticas (pínus e eucaliptos), aterro de resíduos da construção civil e açude para irrigação. O autolicenciamento foi o principal argumento da Ação Direta de Inconstitucionalidade feita pelo Ministério Público-RS, mas que não foi julgada até hoje.

Engenheiro sanitarista e ambiental do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da UFRGS, Vicente Lutz explica que diversos dispositivos do código dialogam entre si até resultar no desmonte. Para ele, o novo arcabouço legal, que facilita ocupações, teria contribuído para agravamento das recentes enxurradas.

- É um jogo de flexibilização em conjunto. Ao mesmo tempo, por exemplo, que se retirou o conceito de várzea (a beira do rio onde se proíbe construção), se permitiu parcelamento do solo de áreas sujeitas à inundação se o empreendedor pagar pela drenagem. Mas a água drenada vai para onde? - questiona Lutz. - Somando essas duas medidas, aumenta-se a área de ocupação. É o que vemos no Vale do Taquari, onde houve construção de lojas e condomínios na beira do (rio) Taquari. O mesmo aconteceu no Rio Guaíba.

As principais alterações no Código Ambiental
Em janeiro de 2020, o governo do Rio Grande do Sul sancionou o novo Código Ambiental do estado, com 480 normas alteradas em relação ao código anterior, de 2000. Enquanto produtores rurais elogiaram a redução da burocracia, ambientalistas criticaram a flexibilização de parâmetros de proteção. O Ministério Público questionou a lei na Justiça. Veja as principais alterações:

Áreas de ocupação: eliminou o conceito de várzea e alterou definições de áreas alagadiças e APP, que protegiam construções nas beiras de rios. Para especialistas, a falta de clareza gera insegurança jurídica e abre possibilidade de ocupações.
Parcelamento de solo: flexibilizou o parcelamento em áreas de inundação desde que o empreendedor garanta e pague a drenagem para o escoamento da água.
Fim de comitês: o texto não menciona os comitês de bacia hidrográfica, que são responsáveis por discutir e elaborar planos de ação para as bacias, o que inclui planejamento de ocupação, recuperação ambiental e mitigação de impactos.
Convênios com a academia: retira as regras que existiam para convênios com universidades para preservação ambiental; faz apenas menções genéricas.
Exclusão de reservas: retira artigo que definia Reservas da Biosfera como área de uso especial, o que pode fragilizar a proteção de parques como os cânions do Sul, que são grandes reservas geológicas e de biodiversidade.
Autolicenciamento: criou o autolicenciamento para atividades como cultivo de espécies exóticas (pínus e eucaliptos); aterro de resíduos da construção civil; fabricação de material plástico; e açude para irrigação.
Leia a íntegra da nota da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura

"A chuva em abundância extraordinária definiu novos cursos para os rios, potencializou o risco de áreas mais suscetíveis a desastres naturais e, mais uma vez, nos mostrou que a natureza é soberana. As catástrofes climáticas são uma realidade mundial, com ocorrências mais frequentes e intensas em todo o planeta, sendo assim, não podem ser atribuídas à atualização da lei.

Todavia, a adaptação é a emergência e tem sido tratada como tal. Esta adaptação traz ações imediatas, como planos de contingência vigentes, melhorias no sistema de previsão e alertas, capacitação das equipes de Defesa civil; e as de médio e longo prazo, como realocações de bairros inteiros, revisão de planos diretores, obras de contenção e minimização do impacto.

A construção da atualização do Código Ambiental do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, sancionado em 2020, teve como base amplas discussões que envolveram sociedade e instituições como a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). As alterações legais promovidas não enfraqueceram a proteção ambiental, pelo contrário.

A atualização alinhou a lei estadual à federal, como o Código Florestal (A Lei 12.651, de 25 de Maio de 2012). A modernização acompanhou as transformações da sociedade, tornando a legislação aplicável, priorizando a proteção ambiental, a segurança jurídica e o desenvolvimento responsável.

Sobre os questionamentos levantados, seguem os esclarecimentos:

Unesco: as áreas reconhecidas pela Unesco como Reservas da Biosfera não foram retiradas do Código Ambiental. O que houve foi o alinhamento de conceito com a legislação federal. O Código atual propôs melhor detalhar a Reserva da Biosfera Mata Atlântica e também prover melhores condições de proteção ao bioma Pampa, ao reconhecê-lo na lei, o que não ocorria no código anterior.

Licenciamento Ambiental por Compromisso: as críticas que são feitas à Licença Ambiental por Compromisso (LAC) desconsideram que esse mecanismo abrange apenas 49 atividades - sugeridas pelo órgão licenciador do estado. Essas 49 atividades estão inseridas nas mais de 500 atividades licenciadas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental. Desde que o mecanismo foi regulamentado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, em 2021, foram concedidos mais de 20 mil documentos licenciatórios, sendo apenas cerca de 150 via LAC, uma parte ínfima e apenas para atividades de baixo risco. Cerca de 90% delas, renovações. Não há autolicenciamento, visto que o órgão ambiental segue emitindo as licenças e os empreendimentos são passíveis de fiscalização.

Apoio financeiro: está errada a afirmação da supressão de todos os mecanismos de apoio financeiro do Estado, até mesmo para as pesquisas e centros de pesquisas, manutenção de ecossistemas, racionalização do aproveitamento da água e energia. Na verdade, foi mantido capítulo específico para estímulos e incentivos à proteção ambiental, vide Arts. 20 a 23. O conteúdo essencial da redação foi mantido e, ademais, fortalecido ao se prever a modalidade de fomento através do pagamento por serviços ambientais que inexistia no código antigo. Além disso, os fundos estaduais foram mantidos e os estímulos e incentivos, inclusive, passaram a ser reconhecidos como instrumentos da Política Estadual do Meio Ambiente, reconhecendo o seu papel prioritário. Ou seja, não há qualquer retrocesso com a nova legislação, muito antes pelo contrário.

APPs: em relação à legislação que abre possibilidade de construção de barragens em áreas de preservação permanente, as críticas desconsideram que essa possibilidade já tinha previsão na lei federal para atividades consideradas de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, como geração de energia e saneamento. A autorização sancionada no Estado visa à produção de alimentos, também considerada atividade essencial. Importante esclarecer que essa hipótese é prevista como a última a ser considerada quando, comprovadamente pelo empreendedor, não existir outra alternativa viável ee ainda que essa alternativa não elimina a obrigatoriedade dos controles de licenciamento pelo órgão ambiental, bem como a compensação ambiental. Lembrando que o projeto de lei no Estado é de iniciativa do legislativo e, para ser implementado, precisa de regulamentação.

A revogação do conceito de várzea ou da previsão dos Comitês de Bacias no Código Estadual de Meio Ambiente não pode, de forma alguma, configurar a flexibilização da lei estadual, visto que os mesmos já têm previsão em lei estadual ou federal, como segue:

Várzea: para identificar o conceito de Várzea deverá ser considerado o previsto na Lei Federal 12651/12, art. 3o, "XXI - várzea de inundação ou planície de inundação: áreas marginais a cursos d'água sujeitas a enchentes e inundações periódicas;" "XXII - faixa de passagem de inundação: área de várzea ou planície de inundação adjacente a cursos d'água que permite o escoamento da enchente".

Ocupação: com relação á análise de especialistas, que afirmam que a combinação desses dispositivos resultou no aumento da ocupação de áreas de várzea e de APPs, o que contribui para assoreamento, impermeabilização e prejudica a drenagem da malha urbana, se faz necessário avaliar os estudos citados e os números das pesquisas levadas em conta para podermos emitir alguma manifestação.

Comitês de Bacias: O artigo que tratava dos Comitês de Bacias no Código Ambiental foi revogado tendo em vista que há legislação estadual específica (LEI 10.350/94), a qual já traz a institucionalização dessas estruturas. O que foi alterado no Código Ambiental com relação aos comitês foi a previsibilidade da gestão dos recursos hídricos entre oferta e demanda.

Tramitação código: não é verídica a informação de que o debate sobre o tema teria durado 75 dias. A discussão sobre o código teve início em 2016, contou com a participação da sociedade por meio de consultas públicas, colaboração de órgãos ambientais e de controle, e contou com a aprovação da Assembleia Legislativa, representante do povo.

Agrotóxico: o Projeto de Lei 260/2020, que alterou a redação da Lei 7.747, de 1982, a qual dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas em nível estadual, apenas deixou de exigir que produtos agrotóxicos importados tenham seu uso autorizado no país de origem. A lei estadual passou a ficar alinhada à lei federal.

Secretário adjunto: a indicação de Marcelo Camardelli para assumir a cadeira de secretário adjunto da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura se deu pela sua expertise em gestão e reconhecida atuação de mais de dez anos na área ambiental. Desde 2016, desempenha forte representação junto ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), fórum em que recebeu destaque, além disso, coordenou a Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul. Camardelli possui uma conduta ilibada, currículo consistente e vem sendo incansável em sua gestão durante a maior tragédia climática do Estado, ao lado da secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann.

Importante ressaltar que não há antagonismo entre as pautas do meio ambiente e da agropecuária. O governo do Estado acredita que os dois temas precisam e devem andar juntos, aliando as melhores práticas no campo para garantir as reduções das emissões de gases de efeito estufa para ao atingimento da meta de neutralidade de carbono até 2050. Dessa forma, diversas pautas e projetos conectam as duas áreas, com foco na adaptação e mitigação, entre elas:

Plano ABC+: Promoção de práticas agrícolas sustentáveis para adaptação às mudanças climáticas na agropecuária;
Descarbonização das Cadeias Produtivas: Análise de impacto e roteiro para descarbonização, incluindo avaliação de emissões de carbono, adoção de fontes de energia limpa, promoção de práticas sustentáveis, e melhorias na eficiência energética;
Convênio com FAPERGS para fomento à pesquisa científica para medição de Gases de Efeito Estufa nos Campos e Florestas do RS;
Implementação de ações como a transição energética, promoção de práticas agrícolas sustentáveis e controle de emissões industriais;
Programa Supera Estiagem, lançado para enfrentar a estiagem, inclui projetos de irrigação, construção de microaçudes e cisternas, perfuração de poços tubulares e estabelecimento de sistemas de adução e distribuição de água.
Subvenção para projetos de irrigação, com a implementação em duas etapas com aumento significativo do valor da subvenção para aprimorar e expandir práticas de irrigação.
Sistema de Monitoramento e Alertas Agroclimáticos do RS (Simagro-RS), no monitoramento climático com novas estações meteorológicas e desenvolvimento de um sistema operacional de previsão híbrida via inteligência artificial.
Manejo e Conservação do Solo, com atendimento contínuo a 8.500 produtores, estabelecimento de 27 Unidades de Referência Tecnológica (URT), e capacitação de 550 técnicos da EMATER em conservação do solo e água."

https://oglobo.globo.com/brasil/sos-rio-grande-do-sul/noticia/2024/06/0…

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