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Segundo laudo, Trecho Norte do Rodoanel desrespeita Plano Diretor

OESP, Metrópole, p. C1, C3
02 de Abr de 2011

Segundo laudo, Trecho Norte do Rodoanel desrespeita Plano Diretor
Irregularidade está em laudo encomendado por moradores de condomínio da zona norte, traçado invade cerca de 1 quilômetro de área protegida

Paulo Saldaña

O projeto do Trecho Norte do Rodoanel, o último e mais polêmico do anel viário, está em desacordo com a área de proteção ambiental do Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo. Parte do traçado, de cerca de 1 quilômetro, invade a área protegida no plano, que traça as diretrizes urbanísticas e de crescimento da capital paulista. Mas a Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa) nega irregularidades.
A irregularidade consta em laudo independente encomendado por moradores de um condomínio da zona norte. O traçado atual leva em conta os limites do Parque Estadual da Cantareira. Mas não é só o parque que é protegido. O mapa do plano regional estratégico da Subprefeitura Santana-Tucuruvi, disponível na internet, deixa claro a abrangência das restrições ambientais - dentro das quais está parte da pista e a entrada de um túnel.
O Trecho Norte terá 44 km e deve custar R$ 5,8 bilhões. O traçado já foi sugerido pelo governo - que anunciou o início das obras para este ano -, mas o final será decidido apenas na liberação da licença prévia.
Segundo o laudo, há "incompatibilidade entre o projeto e as plantas de zoneamento da cidade". "Usaram um limite que não bate. Com a sobreposição do projeto com a realidade, os limites demonstram até uma pedreira dentro do parque", diz a perita judicial Paola Grell Dias, uma das responsáveis pelo estudo.
Os planos diretores estratégicos da cidade e regionais das subprefeituras são aprovados por lei e sua consulta é obrigatória. Está prevista, até mesmo, nos parâmetros que referenciaram o estudo e o relatório de impacto ambiental do Rodoanel. "O Plano Diretor tem de ser obedecido. Não importa se é uma intervenção estadual, municipal ou federal", explica Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. "Não é uma referência genérica, é lei." A Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente informou que está preparando um parecer sobre o assunto, que será encaminhado ao Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) - órgão que faz o licenciamento.
O ambientalista Carlos Bocuhy, integrante do Conselho Nacional de Meio Ambiente, diz que o respeito às diretrizes municipais é o mínimo que deve ser feito. "Os Planos Diretores já trazem diretrizes. Toda a área é muito sensível, é a transição do parque, com espécies ameaçadas."
Nos limites. A Dersa informou que recebeu o estudo e que ele permanece em análise pela empresa e pela Companhia Ambiental de São Paulo (Cetesb). Em nota, a empresa afirma que considerou o Plano Diretor e diz que o traçado proposto está fora dos limites do Parque.

Nova audiência faz moradores marcarem protesto
Ato está previsto para a Av. Paulista no dia 14, mesma data em que a Assembleia Legislativa vai discutir o traçado do Trecho Norte

Paulo Saldaña

Moradores e entidades civis descontentes com o traçado apresentado pelo governo do Estado para o Trecho Norte preparam manifestação na Avenida Paulista. O ato, marcado para o dia 14, às 12h, na frente do vão livre do Masp, ocorre horas antes de audiência pública marcada para a Assembleia Legislativa.
"Queremos reunir todos as atingidos direta e indiretamente pela obra, que é na verdade a cidade toda. A região é o cinturão verde de São Paulo", afirma a bióloga Daniele Marques, presidente da Associação Cultural e Ambiental Chico Mendes, que está envolvida nos debates. Os manifestantes devem marchar da Paulista até a Assembleia, no Parque do Ibirapuera. "Não é só pelo fato de ter dinheiro público. O projeto deve ser debatido de forma aberta."
A consultora em vinhos Sonia Denicol, de 47 anos, acredita na mobilização para tentar convencer o governo do Estado sobre os impactos. Sonia reside no Jardim Itatinga, condomínio de luxo cujas casas - como a de Sonia - ficarão a menos de 70 metros das torres de sustentação da pista. "Não estou simplesmente pleiteando a preservação da minha casa. Estou preocupada com essa mata que vai embora e com os riscos futuros com a poluição sonora e do ar," diz ela, que mora há sete anos no local. "A gente não é contra o Rodoanel, mas contra a proposta de traçado."
Ação judicial. Os moradores do condomínio encomendaram o laudo independente que critica o traçado, além de terem contratado um advogado para representá-los. O defensor Carlos Eduardo de Castro Souza já prevê uma "chuva" de ações judiciais, caso o governo insista em levar adiante esse projeto.
Souza estranha a postura do poder público. "Ninguém tem se manifestado abertamente desde a última audiência pública, em janeiro. Ainda temos esperança de mudança nos planos."
O laudo foi entregue também na Câmara Municipal de São Paulo e três audiências públicas serão realizadas. A primeira ocorre no dia 27, às 10 horas.
Impactos. Além de tratar da incompatibilidade entre a posição das pistas e o limite do Plano Diretor de São Paulo, o estudo aponta riscos de adensamento urbano, o que atingiria a área verde - a Dersa afirma não ter identificado nada no estudo de impacto -, problemas com qualidade do ar e poluição sonora. O documento cita ainda o Clube de Campo da Sabesp e a Vila Histórica Cantareira, área considerada marco zero do parque.
A gestora de projetos Izini Ferraz, de 34 anos, é uma das moradoras da região que demonstram preocupações especiais com essa área. "A gente tem preocupação com moradias e também com os bens coletivos. Estamos buscando de alguma forma apontar para a Dersa onde estão os grandes gargalos do projeto", diz ela, que coordena a Rede de Cooperação da Cantareira. "Não foi feito um estudo de levantamento dos ciclos históricos da Cantareira. E ainda tem as nascentes, a fauna e a flora."
A aposentada Rita Ayres, de 70 anos, que mora em área atingida pela obra, também reclama. "Precisamos de outras coisas aqui. É muito dinheiro para uma única obra."

CRONOLOGIA

2002

Em Estudo de Impacto Ambiental, Dersa prevê Rodoanel cortando a Serra da Cantareira por meio de túneis e viadutos.
Janeiro de 2003
Sabesp e Instituto Florestal dão pareceres desfavoráveis a traçado dos Trechos Norte e Sul e Dersa revê projeto.
Abril de 2003
Governador Geraldo Alckmin decide que Rodoanel não vai mais passar pela Serra da Cantareira.
Dezembro de 2009
Governo estadual lança edital para elaboração do projeto da obra, com sugestão de traçado à beira da reserva florestal.

Impactos sociais da obra estão em segundo plano

Euler Sandeville

Não há alternativas para que uma obra como a do Rodoanel não cause impactos. Porém, a avaliação não pode ser considerada só na faixa imediata de implementação. Haverá dano ambiental, transformação na estruturação da cidade e alterações no valor e uso do solo. Os estudos precisam se dar em uma perspectiva integrada de planejamento urbano, e não apenas setorial. Esse conjunto de impactos não é visto na sua totalidade. Os estudos não podem se referir apenas à obra, devem prever também a compensação de sua operação futura e a manutenção das compensações realizadas.
As questões sociais têm discussão menos ampla do que o necessário. Chama a atenção que uma obra desse porte e com esse grau de alteração na estrutura urbana e ambiental da metrópole priorize o transporte rodoviário, deixando o transporte público totalmente à parte. As remoções de famílias configuram um dos principais desafios. São feitas de forma desvinculada do problema da habitação. Temos encontrado na região que deve dar lugar ao Trecho Norte muita gente que será removida pela terceira vez por causa de obras públicas. A maioria tende a ocupar novas áreas em assentamentos precários. Sendo uma ação governamental, é inaceitável que seja reduzida a uma questão de remoção, é ainda uma questão de habitação e qualidade de vida. O governo e as empresas veem apenas um número de afetados e soluções em escala. Mas falamos de pessoas que enfrentam o drama real dessas obras em suas vidas.
PROFESSOR DA FAU-USP E PESQUISADOR DO LABORATÓRIO ESPAÇO PÚBLICO E DIREITO À CIDADE

OESP, 02/04/2011, Metrópole, p. C1, C3

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110402/not_imp700624,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110402/not_imp700638,0.php
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110402/not_imp700636,0.php

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