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Recorde brasileiro: 3 km em 44 anos

OESP, Economia, p. B12
22 de Jun de 2014

Recorde brasileiro: 3 km em 44 anos
Até Casa Civil foi acionada para Dnit conseguir licença ambiental e asfaltar acostamento no Morro dos Cavalos, em SC, previsto desde 1970

Lu Aiko Otta / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo

No início do mês, operários transplantaram bromélias retiradas da margem da BR-101 no chamado Morro dos Cavalos, na Grande Florianópolis, para áreas de replantio escolhidas em conjunto com os índios Guarani que habitam a região. Com isso, começaram a remover a vegetação e abrir espaço para a construção de uma quarta faixa na via, num trecho congestionado e perigoso.
Antes disso, os funcionários da construtora participaram de uma oficina sobre como se portar na área indígena. Esses são os últimos acertos antes de começar o asfaltamento de uma área de cerca de 3 km destinada, desde os anos 1970, ao acostamento da rodovia. Mesmo assim, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) levou dois anos para conseguir as licenças necessárias para fazer a obra.
As negociações para a emissão dos documentos pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que por sua vez dependia de concordância da Fundação Nacional do Índio (Funai), se complicaram a tal ponto que, em dezembro, a Casa Civil entrou no caso para resolvê-lo. "Fazíamos isso nos casos em que começava a haver demora", comentou a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que era a ministra na época em que a quarta faixa passou a ser discutida no Palácio do Planalto.
Obra simples. Antes da intervenção da Casa Civil, porém, muito havia acontecido. O que era uma obra simples, o alargamento de uma rodovia num trecho curto, tinha se convertido em um pesadelo burocrático.
"Toda obra que envolve uma comunidade indígena é sensível e complexa por se tratar de uma minoria carente de recursos de toda ordem", disse o diretor geral do Dnit, general Jorge Fraxe. "No caso específico do Morro dos Cavalos, some-se a esta complexidade a questão da desintrusão." Ele se refere às negociações para a retirada das famílias não indígenas que também se instalaram na área.
O primeiro percalço enfrentado pela quarta faixa foi uma ação do Ministério Público de Santa Catarina, que mandou parar a obra por entender que ela só poderia ser feita quando saíssem todas as licenças para a construção dos túneis.
A Advocacia-Geral da União conseguiu uma liminar desvinculando a quarta faixa dos túneis. Mas nem por isso a obra foi destravada. Para passar o asfalto no acostamento da BR, seria necessário retirar a vegetação do local, o que no caso requereu autorização do Ibama.
O instituto pediu um inventário sobre as plantas a serem retiradas. Mandou, também, que a licença já concedida para os túneis fosse retificada para inclusão da quarta faixa. E condicionou sua decisão à concordância da Funai. Paralelamente, a Funai pediu ao Dnit que fornecesse os detalhes de como seria feita a obra e suas compensações ambientais - e que explicasse tudo aos índios.
Foi nessa altura que, a pedido do Ministério da Justiça, a Casa Civil passou a coordenar os entendimentos. No último dia 14, o Dnit chegou a comunicar à Casa Civil que começaria a obra, mesmo sem as licenças, porque já havia cumprido todo o acertado. E acusou a Funai de "criar novas situações em cada encontro, as quais deveriam ser discutidas em futuras reuniões", segundo relatório ao qual o Estado teve acesso. Numa reunião para a emissão da licença, a Funai apresentou quatro novas condições para dar seu sinal. É nesse conjunto que está o transplante de bromélias. As plantas deverão ser acompanhadas por um ano após a realocação.

População espera pela nova faixa da BR-101 na Grande Florianópolis
Para moradores, alargamento da pista vai deixar local mais seguro e diminuir número de acidentes

Tomás M. Petersen, Especial para o Estado / Morro dos Cavalos (SC) - O Estado de S.Paulo

José dos Passos Fernandes, 49 anos, vive há 10 em uma casa no Morro dos Cavalos. Ele trabalha há seis anos como manobrista de caminhões de um restaurante que fica bem no topo da pista, do outro lado da aldeia indígena Itaty.
Para ele, a construção da quarta pista já deveria ter acontecido faz tempo. Os motivos são pessoais: sua esposa, Cassilda Carvalho, foi atropelada quando tentava atravessar a rodovia. A data está fresca na cabeça: 24 de julho de 2010, quando ainda não havia uma passarela para pedestres, e o acostamento já estava transformado numa terceira pista, para os motoristas que vão ao sentido norte.
"Ela foi atropelada quando estava quase chegando do outro lado. Quebrou a perna esquerda em dois locais diferentes", disse. Cassilda ficou internada no Hospital Regional de São José, a 36 quilômetros de onde vivem. "Por dez dias eu fui e voltei de bicicleta - não temos grana - para visitá-la", contou.
Como uma das condições da obra é a remoção dos moradores não indígenas que vivem nas terras no entorno do trecho, em vias de serem homologadas como área indígena, Fernandes já conta com a mudança. "Dentro de um ano já teremos nossa casinha nova. Por causa do acidente, estamos pedindo uma indenização maior, então seremos os últimos a sair daqui", contou. Ele ainda não sabe para onde vão, mas sonha em morar na cidade.
Carlos Lopes, 47 anos, trabalha há quatro anos como frentista em um posto na subida do Morro dos Cavalos. Morador da Praia do Sonho, ele conta que o trânsito causado pelo afunilamento da pista é bom para o faturamento. "As pessoas vêm de viagem e param aqui cansadas, para abastecer ou comprar alguma coisa na loja", disse. Ele conta que no último feriado o movimento foi tanto que a gerência teve que fechar a loja de conveniência. "Compraram tudo das prateleiras, não sobrou nada."
O casal Adenir Manoel de Souza, 47 anos, e Dilma Maria Elias de Souza, 46 anos, possui um mercado na Enseada de Brito, bairro de Palhoça afastado da cidade que fica ao pé do Morro dos Cavalos. Dilma é nativa da região, enquanto seu marido se mudou cedo para lá. Eles se conheceram, casaram e tocam o negócio juntos há 20 anos.
"Essa obra vai ser muito boa para todo mundo, vão diminuir os acidentes", diz Adenir. Outro problema causado pelo estreitamento da pista, apontado por ele, era o do movimento dentro do bairro. Motoristas que queriam evitar o congestionamento da BR-101, pegavam a saída da estrada e cortavam caminho por dentro da Enseada de Brito. "Acabava trancando tudo aqui dentro e prejudicando os moradores. Ainda bem que fecharam a saída para a BR", disse.
Sobre a polêmica envolvendo a demarcação de terras indígenas e a possível remoção de moradores, eles comentam com certa imparcialidade. Segundo o casal, o lugar onde moram não está contemplado na área a ser homologada. "Lamentamos, pois muita gente que vai ter que sair tem propriedade aqui na Enseada há 80 anos", disse Adenir. "Mas não temos nada contra os índios, eles são gente boa, compram com a gente. Já ajudamos também mandando cestas básicas."

Chantagem da Funai e do MPF explica atraso, diz deputado
Para Esperidião Amin (PP-SC), moeda de troca seria homologação da terra indígena do Morro dos Cavalos

Brasília - O Estado de S.Paulo

Para o deputado federal Esperidião Amin (PP-SC), a demora da Fundação Nacional do Índio (Funai) em autorizar as obras na BR-101 em seu Estado tem uma explicação simples. "É uma chantagem enquanto não for homologada a terra indígena do Morro dos Cavalos." A área foi demarcada como sendo de ocupação de índios em 2008, por meio de portaria, mas ainda falta um decreto presidencial para sacramentá-la como tal.
Essa tese da pressão aparece também num acórdão de 2005, do Tribunal de Contas da União (TCU). "Constatou-se, também, que há um interesse da Funai e do MPF em aproveitar a necessidade urgente de duplicar a BR 101 como um meio de extrair benefícios para os índios que ocupam o local e de pressionar o Governo Federal para demarcar uma terra indígena no Morro dos Cavalos", diz relatório do ministro Augusto Sherman.
A demarcação é questionada na Justiça. O governo do Estado entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a União e a Funai em janeiro, apontando erros no processo que declarou a área como sendo de ocupação indígena.
Entre os vários argumentos, a ação diz que a única família indígena que habitou a região antes de 1988, data da promulgação da Constituição, era de origem paraguaia. De forma que não se caracterizaria como uma ocupação tradicional.
Outro ponto levantado na ação é um suposto conflito de interesse. Teria partido da antropóloga Maria Inês Ladeira o pedido de demarcação da terra indígena no Morro dos Cavalos. Ela foi responsável por fazer os do processo demarcatório para a Funai. Contatada pelo Estado, Maria Inês disse que coordenou os estudos de demarcação a pedido da Funai, "por não ter disponibilidade de antropólogo especializado no povo Guarani".
"A área é demarcada", afirmou Ricardo Burg, técnico da Funai responsável pelo licenciamento da obra no Morro dos Cavalos. Ele negou que o órgão tenha tentado protelar a obra para pressionar pela homologação. "Fizemos o que está previsto no regramento - nem mais, nem menos."
Exigências. Ele rebateu, também, a acusação feita em relatório elaborado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sobre as obras da quarta faixa da BR 101, segundo o qual a Funai estaria criando novas situações a cada reunião. Mais especificamente, que teria feito exigências adicionais em reunião realizada em 5 de maio passado, que deveria ser uma reta final de entendimentos.
Burg explicou que as condicionantes só foram apresentadas naquela ocasião porque, até então, o órgão não tinha tido acesso ao detalhamento do plano de trabalho do Dnit. Só após conhecer o planejamento foi possível estabelecer medidas de prevenção e compensação de possíveis danos.
"A obra passa na comunidade, em frente a uma escola", disse. O programa de educação dos trabalhadores, explicou ele, é exigido em toda obra que afeta alguma comunidade indígena, pois já houve problemas como assédio sexual e abuso de bebidas.
Por sua vez, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) explicou que, por lei, precisa autorizar a remoção de plantas nas margens da rodovia, mesmo que seja na área destinada a acostamento, quando a obra interferir em comunidades indígenas, como é o caso das obras da quarta faixa.
Foi por essa razão que o Dnit precisou fazer um inventário das espécies que seriam retiradas da área a ser utilizada para o alargamento da rodovia. /L.A.O.

Construtora deve ser definida até o fim do ano

Brasília

Túnel, viadutos, dois túneis. Essas foram as soluções estudadas para a duplicação da BR-101 em Santa Catarina, na região do Morro dos Cavalos. Nisso, gastou- se mais de uma década. Agora, a expectativa do governo é contratar a construtora na segunda metade deste ano.
A dificuldade em escolher a melhor solução de projeto nasceu de uma questão jurídica. A ideia no final dos anos 1990 era fazer um túnel, mas o Ministério Público de Santa Catarina mandou parar os preparativos para a obra, por entender que os índios seriam donos não só do solo por eles ocupado na região, mas também do subsolo.
Foi feito outro projeto, com a rodovia sendo duplicada por fora do morro. Nesse caso, seriam vias paralelas às existentes, por cima de viadutos. Era uma obra mais cara, por isso ela passou a ser questionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
O Acórdão 533, relatado pelo ministro Augusto Sherman, conta que a melhor solução, do ponto de vista dos vários órgãos do governo, era o túnel. Os viadutos só foram escolhidos por causa do Ministério Público.
Nessa decisão de 2005, o TCU mandou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estudar a melhor solução do ponto de vista econômico, técnico e ambiental, também levando em conta a comunidade indígena. Os estudos passaram a considerar os túneis.
O Dnit fez uma concorrência para contratar a empresa que elaboraria o projeto. Porém, a própria contratação do projetista virou alvo de um embate judicial, só resolvido três anos depois. Foi só em 2008 que foram contratados os estudos ambientais necessários para licenciar os túneis.
A elaboração do projeto de engenharia ficou parada de 2008 a 2013, à espera da conclusão dos estudos ambientais e aprovação dos estudos pelo Ibama. O instituto informou que a demora ocorreu porque os estudos de impacto ambiental estavam inadequados e quem os elaborou demorou a fazer os ajustes necessários. /L.A.O.

OESP, 22,06/2014, Economia, p. B12

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