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Quem vai ter saudade de 2015?

CB, Opinião, p. 11
Autor: BENSUSAN, Nurit
29 de Dez de 2015

Quem vai ter saudade de 2015?

NURIT BENSUSAN
Especialista em biodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA) e professora visitante da Universidade de Brasília (UnB)

Qualquer pessoa que acompanha as notícias sabe que 2015 não foi um bom ano para a conservação do meio ambiente. Para mencionar apenas alguns exemplos, acompanhamos os impactos socioambientais das hidrelétricas do Rio Madeira, em Rondônia; sofremos com a crise hídrica paulista; ficamos horrorizados com o mar de lama que emergiu da mineradora Samarco e fomos surpreendidos pela concessão de licença de operação da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
Ou seja, parece que 2015 não vai deixar saudade... mas talvez deixe. Boa parte dos desastres ambientais de 2015 aconteceu porque as regras que existem foram desrespeitadas, mas... e se as regras não existissem?
No caso do desastre de Mariana, o licenciamento ambiental foi desrespeitado e as condicionantes que deveriam ser cumpridas, como o estabelecimento de um plano de emergência, foram negligenciadas. O resultado é um mar de lama que acelerou de forma trágica a morte do Rio Doce e de sua bacia e, agora, se espalha pelo litoral, destruindo tudo que está no caminho. Nenhuma possibilidade de recuperação de fato...
No caso da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, as condições impostas pelo licenciamento ambiental tampouco foram cumpridas e o resultado é um vasto conjunto de impactos que poderiam ter sido evitados, como o caos em que a cidade de Altamira, ao lado da hidrelétrica, se transformou e o aumento significativo do desmatamento na região, inclusive dentro das terras indígenas e das unidades de conservação. E a tendência, com o enchimento do reservatório, é aceleração dos impactos negativos da obra.
A falta de água em São Paulo está relacionada com o descumprimento constante do Código Florestal ao longo dos anos. O resultado é crise, por ora adiada, mas que cairá, mais cedo ou mais tarde, como bigorna nas cidades paulistas, agravando a desigualdade e acelerando a violência.
É justamente por tudo isso que 2015 pode deixar saudade: nesse ano, as tentativas de enfraquecer as regras ambientais e de acabar com os mecanismos de licenciamento, controle e fiscalização ambiental foram muitas. Algumas tiveram êxito, como a Lei 13.123/2015, que regula o acesso ao patrimônio genético brasileiro; outras ficaram para o ano que vem, como o projeto de lei que cria procedimento acelerado para o licenciamento de grandes obras, como hidrelétricas, estradas, ferrovias, portos e instalações de telecomunicações.
Segundo esse projeto de lei (PLS 654/2015), a regra para tais obras passa a ser o licenciamento especial, processo que deve ser concluído em oito meses, sob pena de que haja uma aquiescência automática dos órgãos licenciadores. A justificativa para esse procedimento sumário é o "desenvolvimento nacional sustentável e necessário à redução das desigualdades sociais e regionais". Como esses empreendimentos são grandes e complexos, evidentemente, não será possível fazer, nesse prazo, os estudos necessários para examinar os impactos socioambientais, nem será possível propor medidas mitigadoras.
Tradução: se tal projeto de lei for aprovado, de fato, não haverá mais licenciamento ambiental. O que obviamente nada contribui para um "desenvolvimento nacional sustentável", nem para a "redução das desigualdades sociais e regionais". Isso quer dizer que, se, como tudo indica, a tendência de desconstrução persistir, nos próximos anos, teremos muito mais desastres ambientais; muito mais impactos negativos não evitados, nem mitigados, e muito mais situações climáticas extremas. Ou seja, aceleração da destruição da natureza e saudade dos tempos em que o licenciamento ainda existia, bem como outras regras de proteção ambiental.
Tal aceleração, talvez, esteja de acordo com a postura que temos em relação à natureza: maldição da qual precisamos nos livrar para atingir um incerto paraíso, onde estaria a possibilidade de concretização do Brasil como país do futuro, um país, enfim, desenvolvido. Como nossa natureza é por demais exuberante, o caminho para esse paraíso tarda. Assim, parece que, para muitos, a aceleração da destruição é bem-vinda. Sem licenciamento ambiental, sem fiscalização e controle sobre o acesso ao nosso patrimônio genético, sem regras efetivas para proteger as florestas e com ameaças contínuas às unidades de conservação e às terras indígenas, o caminho para esse país "desenvolvido" estaria aberto. Fica a questão: levará ao paraíso ou ao inferno?

CB, 30/12/2015, Opinião, p. 11

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