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Projeto de lei ameaça licenciamento ambiental e vai gerar judicialização, dizem especialistas

Valor Econômico, Política, p. A6
Autor: CHIARETTI, Daniela
30 de Ago de 2023

PL ameaça licenciamento ambiental e deve gerar judicialização, dizem especialistas
Na ótica dos especialistas socioambientais, se o texto passar no Senado, como passou na Câmara, as metas climáticas brasileiros não serão cumpridas, por mais esforço que haja por parte do governo

Por Daniela Chiaretti, Valor - São Paulo 29/08/2023

Caso o texto do projeto de lei sobre licenciamento ambiental - que passou pela Câmara e agora tramita no Senado - seja aprovado como está, criará imediata judicialização. Uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), deve ser apresentada logo nos primeiros dias, na opinião de socioambientalistas.

Além de criar insegurança jurídica, estudo do Instituto Socioambiental (ISA) com a Universidade Federal de Minas Gerais, diz que com o que propõe o atual texto, as metas climáticas brasileiras não serão cumpridas, por mais esforço que haja por parte do governo.

"O texto implode com a principal ferramenta de prevenção de danos ambientais, que são as licenças", diz Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima.

"O licenciamento é o instrumento mais aplicado da política ambiental desde a década de 70", diz Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA. É um instrumento fundamental, mas sem uma lei geral até agora. "O seu enfraquecimento pode ter um impacto em cadeia no ambiente e nas pessoas".

O ISA e o Observatório do Clima (OC), rede de mais de 90 ONGs, elaboraram nota técnica de 52 páginas apontando os pontos críticos do projeto de lei que tramita no Senado. Além disso, é peça-chave para viabilizar o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelo presidente Lula há duas semanas. "O PAC pela primeira vez se diz verde e leva em conta a mudança climática. Mas se esse projeto for aprovado, nada disso irá acontecer. Ficará só no discurso", diz Guetta. "O governo deve atuar no Legislativo para conseguir um licenciamento eficiente, célere e com equilíbrio".

Guetta estima que 98% do licenciamento ambiental seria transformado em um licenciamento autodeclaratório, sem análise prévia por parte do órgão ambiental. "Isso é a extinção do licenciamento", diz. Estudo publicado pelo ISA mostra que 86% dos empreendimentos minerários e barragens de rejeitos em Minas Gerais poderiam ser licenciados via Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), a tal licença automática. "Teríamos uma ampliação de riscos de novos desastres", diz ele.

O projeto também traz inconstitucionalidades em relação a direitos indígenas e quilombolas. "O texto diz que apenas terras indígenas (TIs) homologadas serão consideradas existentes para fim de licenciamento ambiental. Só que temos 32% de TIs em processo de demarcação e pendentes de homologação", diz ele. No caso de territórios quilombolas, apenas os titulados seriam avaliados - mas 92% estão em processo de reconhecimento. "Essas populações existem, serão impactadas, mas os impactos não serão avaliados e nem adotadas medidas para preveni-los", destaca.

Outro ponto grave, segundo a nota técnica, é o que limita a responsabilidade do empreendedor de adotar medidas para apoiar o poder público a superar o impacto de obras, por exemplo. "Tudo ficará nas costas de Estados e municípios", alerta Suely Araújo, ex-presidente do Ibama. Ela lembra que existem várias emendas ao texto apresentadas por senadores da base do governo desde 2021, e que poderiam corrigir as distorções mais graves. "Ninguém nega que há melhorias a serem feitas no licenciamento, nem a relevância de o país ter uma lei de licenciamento. Mas do jeito que está proposto, melhor ficar sem nada", diz.

Outra crítica é que o texto do PL é vago. "O texto isenta obras de 'melhoramento de infraestruturas preexistentes'. Isso pode querer dizer qualquer coisa - de um bueiro em uma rodovia até aumentar o tamanho de uma hidrelétrica", diz Suely. O texto permitiria que a polêmica pavimentação da BR-319, que corta a região tida como a mais preservada da Amazônia, ocorra. A obra foi listada no PAC.

Ficariam isentos de licenciamento empreendimentos de saneamento. "São projetos muito importantes, isso não se discute. Mas é preciso poder analisá-los. O fato de o empreendimento ser importante não significa que a licença deva ser excluída. Pode ser agilizada, mas não excluída", diz Suely.

Valor Econômico, 30/08/2023, Política, p. A6

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/08/29/pl-ameaca-licenciamen…

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