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Pescadores enfrentam Belo Monte

Valor Econômico, Empresas, p. B1
19 de Out de 2015

Pescadores enfrentam Belo Monte

Por Daniel Rittner

Em um momento decisivo para a usina hidrelétrica de Belo Monte, que busca autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para encher seu reservatório, dezenas de pescadores adotaram uma estratégia radical na tentativa de obter indenizações da concessionária Norte Energia. Desde terça-feira, eles bloqueiam o acesso de embarcações que passam pelo rio Xingu, a fim de zerar o estoque de combustíveis usados nos canteiros de obras. A gasolina e o diesel chegam ao município de Altamira e aos seus arredores, no Pará, por meio de balsas-tanque.
Os pescadores afirmam que o estoque dura somente 15 dias e reconhecem que o poder de barganha para negociar compensações com a concessionária praticamente acabará se o Ibama der a licença de operação do empreendimento. Com a licença em mãos, pode-se encher o reservatório da usina e iniciar a geração de energia, que estava prevista para fevereiro de 2015 e atrasou.
"A produção vem caindo dramaticamente nos últimos quatro anos", diz o líder do movimento e presidente da colônia de pescadores Z-12, Giácomo Dall'Acqua Schaffer. "Algumas espécies, como a piraíba, simplesmente desapareceram. O governo e a Norte Energia nunca se empenharam em resolver nossa situação."
De acordo com ele, cerca de 300 pessoas têm se revezado no bloqueio. Schaffer diz que os estudos apresentados ao Ibama no licenciamento ambiental da usina não mensuraram adequadamente seus impactos e não houve programas específicos voltados à maioria dos pescadores. "Quase todos estão endividados e alguns já se mudaram daqui", lamenta.
Um novo estudo do Instituto Socioambiental (ISA) dá suporte à reivindicação e sustenta que "a implementação da hidrelétrica provocou disputa entre pescadores tradicionais por recursos que se tornaram escassos e por áreas de pesca, com famílias inteiras sendo levadas a condições alarmantes de segurança alimentar", segundo o Atlas dos Impactos da UHE Belo Monte sobre a Pesca.
Para a elaboração do atlas, foram realizadas seis expedições de mapeamento de impactos. O estudo conclui que não houve avaliação correta das "alterações físicas e bióticas do rio" sobre a atividade pesqueira. "Durante os quatro anos de construção da usina, os impactos negativos foram potencializados pela ausência de intervenção dos órgãos competentes. Nenhuma medida de compensação efetiva para as comunidades afetadas foi adotada antes da autorização de operação da usina."
Um dos problemas apontados é o progressivo deslocamento da atividade para áreas mais distantes da barragem principal e como esse deslocamento tem gerado conflitos entre pescadores pelo uso das áreas.
A turbidez das águas, por causa do impacto das explosões, dificulta a pesca de mergulho de peixes ornamentais. A iluminação nos canteiros seria responsável pelo afugentamento de peixes e inviabilizaria o uso de técnicas tradicionais, como a pesca de tarrafa, durante a noite.
A Norte Energia informou que tem um acordo de cooperação técnico com o antigo Ministério da Pesca, absorvido pela Agricultura, para reestruturar o setor na região. A parceria já resultou na construção e entrega das colônias de pescadores de Altamira, Vitória do Xingu e Anapu, que também recebeu um mercado para comercialização do pescado. Estão em construção as sedes de outras três colônias que não fazem parte do grupo de municípios diretamente afetados pela obra. Além disso, foram entregues à Universidade Federal do Pará os laboratórios de ictiologia e de peixes ornamentais e aquicultura.
Também é resultado do acordo a implantação de um complexo para pesca artesanal na orla de Altamira, com obras avançadas.
Segundo a Norte Energia, o bloqueio tem sido feito por aproximadamente 50 pescadores e tem sido intermitente, com algumas embarcações liberadas e outras não. "A empresa lamenta a decisão de alguns pescadores de impedir o direito constitucional de ir vir de pessoas e embarcações no rio Xingu", diz sua assessoria, acrescentando que ainda não houve interferência nas obras.
Na versão da concessionária, os estudos indicam que os estoques pesqueiros permanecem adequados às demandas e as obras da usina não provocaram impacto sobre a cadeia produtiva, que é monitorada desde 2011 em um trecho de 848 quilômetros de extensão no rio. "Com relação às indenizações solicitadas pelos pescadores, a medida está sendo tratada no âmbito judicial, pois as colônias de pesca tomaram a iniciativa de solicitar na Justiça suas demandas."

Valor Econômico, 17-19/10/2015, Empresas, p. B1

http://www.valor.com.br/empresas/4275122/pescadores-enfrentam-belo-monte

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