O Globo, Brasil, p. 13.
19 de Out de 2022
'Pacote da destruição' ambiental pode passar no Congresso ainda em 2022
Vácuo político entre eleições e posse cria cenário que ajuda lobby em 14 projetos de lei reduzindo proteção a florestas e áreas naturais
Rafael Garcia
19/10/2022
Há pelo menos 14 projetos de lei (PLs) e uma proposta de emenda constitucional (PEC) em trâmite no Congresso Nacional com regras que afrouxam a proteção ambiental e podem ser aprovados ainda neste ano. A lista, que ganhou de ambientalistas o apelido de "Pacote da Destruição", aumentou de tamanho nos últimos anos e encontra ambiente favorável agora no Congresso, no vácuo político entre eleições e posse.
- No final de toda legislatura, historicamente, há uma intensificação de votações. A leitura que fizemos é que isso pode ocorrer neste ano de uma forma mais mais forte do que a gente já está acostumada a ver - afirma Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, coalizão de ONGs ambientalistas.
Com outros ativistas, a advogada mapeou os projetos de lei com maior risco institucional para proteção de meio ambiente e em maior iminência de aprovação e sanção. Encabeçando a lista estão o projeto 1.459/2022, que afrouxa a liberação de agrotóxicos (o "PL do Veneno"), o PL 2.633/2020, de legalização de ocupações irregulares em terras públicas ("PL da Grilagem") e o PL 3.729/2004, que na prática isenta de licenciamento ambiental empreendimentos de todos os portes.
A maior parte das propostas listadas no "Pacote da Destruição" é de interesse da bancada ruralista. Mas há também projetos que dizem respeito a mineração, energia e outros setores (veja lista abaixo). Vários vinham encontrado dificuldades na Câmara dos Deputados até 2021, mas sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL) alguns já foram para o Senado e outros estão aprovados.
É o caso do "PL do Veneno". O projeto já foi aprovado pelos deputados e está agora na Comissão de Agricultura do Senado, com Acir Gurgacz (PDT-RO) como relator. Foi adaptado de outro anterior, menos permissivo, e tira do Ibama e da Anvisa o poder de vetar substâncias com potencial de provocar câncer, malformações, mutações e distúrbios hormonais.
Uma das estratégias da bancada ruralista para aprovar o projeto é contornar ritos de transmissão onde pode ser bloqueado, como a Comissão de Meio Ambiente. A oposição reclama.
- Já apresentamos requerimento à Presidência do Senado para que o projeto tramite também pela Comissão de Meio Ambiente. A matéria incide diretamente em temas atribuídos à pauta ambiental - disse ao GLOBO o senador Jaques Wagner (PT-BA), que preside o colegiado.
- O projeto merece ser amplamente debatido pelo parlamento. Trata-se de analisar dentro do rito legislativo, respeitando a oitiva das comissões e contemplando a ampla participação da sociedade civil.
O "PL do Fim do Licenciamento" prevê para grandes projetos de infraestrutura a liberação por "adesão e compromisso", sem exigir estudo de impacto ambiental. O modelo vinha sendo defendido por empresas para projetos pequenos, regidos por normas técnicas, mas pelo novo PL aplica o modelo a tudo, desde pequenas fábricas urbanas até hidrelétricas de grande porte na Amazônia.
- Eles querem na verdade licença por computador, apertando um botão que imprime as condicionantes, e pronto - diz Araújo, que considera a lei de autoria de Neri Geller (PP-MT) o "pior texto da história" já proposto para o tema.
Para Natalie Unterstell, do think-tank ambiental Instituto Talanoa, o pacote da destruição atrapalha o acesso do Brasil a mercados de commodities e até compromete a ambição do país de entrar para a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que já deu parecer contrário ao fim do licenciamento.
A leitura dos ambientalistas é que uma reeleição de Jair Bolsonaro praticamente garante a aprovação do projeto e dá impulso a todo o restante do "Pacote da Destruição". Está menos claro o que acontecerá com uma eleição de Lula.
Lula e o Agronegócio
A relatora do texto do licenciamento agora é a senadora Katia Abreu (Progressistas-TO). Tanto ela quanto Geller buscaram aproximação com o Lula durante a campanha, o que pode desacelerar o trâmite. Mas não está claro se alguns setores do PT aceitariam fazer vista grossa ao projeto agora em troca de apoio parlamentar futuro. Outro personagem na trama do "Pacote da Destruição" que se aproximou de Lula foi o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), relator do PL da Grilagem.
Fora do núcleo mais desenvolvimentista, há setores do PT que já estão brigando abertamente contra os projetos do "Pacote da Destruição". O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), reeleito, ajudou a desenhar a plataforma ambiental da campanha de Lula, e manifesta preocupação.
- Eu temo que alguns desses projetos venham a ser aprovados, independentemente do resultado das eleições de segundo turno, ainda que muitos deles evidentemente causem desgaste em momento eleitoral - diz o parlamentar.
Segundo Tatto, o afrouxamento da proteção ambiental nos últimos anos ocorreu mais por esvaziamento do orçamento do Ministério do Meio Ambiente e por normas infralegais: portarias, medidas provisórias e decretos. Como essas ferramentas do executivo podem ser revogadas por um novo presidente, o lobby busca soluções mais duradouras.
- Existe um núcleo duro que quer aprovar um conjunto de leis para adequar o marco legal ao projeto de destruição socioambiental do governo Bolsonaro. E eles querem fazer isso logo depois das eleições, ainda nesta legislatura - diz o deputado.
Tatto defende que o debate dessas leis ocorra no ano que vem, para que o lado dos ambientalistas possa ser contemplado junto com as demandas de "agilidade" e "segurança jurídica" do setor produtivo para novas legislações.
O GLOBO contatou na última terça-feira gabinetes de parlamentares que estão nas relatorias dos seis projetos mais avançados do "Pacote da Destruição" além da mesa diretora da Câmara, onde alguns aguardam indicação de relatoria ou já podem ser colocados em votação. O jornal perguntou a cada um deles quais são os planos de trâmite para essas matérias neste fim de ano.
Fávaro, Gurgacz e Abreu não responderam à reportagem. Nem Lira e Luciano Bivar (relator do PL que libera a caça esportiva).
Ameaças na Mata Atlântica
Além dos projetos que avançaram em relaxar a proteção ambiental em âmbito nacional, há outros de ação mais local, sobretudo na Mata Atlântica. Esse bioma, o único com lei específica de proteção, tem regras mais restritivas contra desmate por ter hoje apenas só 12% de floresta remanescente.
Um dos projetos em questão abre uma estrada que corta o Parque Nacional do Iguaçu ao meio. Outro afrouxa a proteção dos campos de altitude, um subtipo raro de vegetação do bioma. O deputado Covatti Filho, relator desse último, também não respondeu ao GLOBO.
Segundo Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da ONG SOS Mata Atlântica, o ataque a esse bioma atende a dois lobbys.
- Um é o agronegócio, que vem desmatando muito no interior do Brasil. Outra é a especulação imobiliária dos empreendimentos chamados "pé na areia", nas áreas costeiras - diz.
Nessa frente, uma PEC listada pelos ambientalistas como preocupante abre a possibilidade de entrega de áreas preservadas da Marinha a concessionárias de hotéis e outros empreendimentos. A proposta dialoga com a ideia de privatização de praias, ventilada pelo ministro da Economia Paulo Guedes, e com a campanha para liberação de cassinos em estâncias turísticas. O relator, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), não atendeu a pedido de entrevista do GLOBO.
Para Kenzo Jucá, assessor legislativo do Instituto Socioambiental, apesar de a base que hoje apoia Bolsonaro ter crescido com a eleição, não há uma mudança muito clara do tamanho de bancadas pró e contra pautas ambientais, por isso não há incentivo para que a bancada ruralista, a mais engajada no tema, queira empurrar votações para 2023.
- Eu acho que o cenário no governo Lula não seria o cenário de um Congresso mais difícil - diz o analista, se referindo a chegada de aliados de Bolsonaro à casa, principalmente no Senado. - A gente tem que considerar que muitos deles vão chegar como senadores de 'baixo clero', com exceção da ex-ministra Tereza Cristina, e talvez Ricardo Salles na Câmara. Os outros são figuras com pautas estreitas, que não dialogam, e de cara vão receber oposição de mais de metade da casa, com dificuldade para indicar relatores e passar matérias nas comissões.
O Globo, 19/10/2022, Brasil, p. 13
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/noticia/2022/10/pacote-da…
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