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Os descaminhos da nossa energia

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
28 de Out de 2005

Os descaminhos da nossa energia

Washington Novaes

Vinha tudo na velha rotina. Por um lado, as habituais queixas de empreendedores de que os processos de licenciamento ambiental impedem a implantação de novas hidrelétricas (como se, quase invariavelmente, os problemas não estivessem na insuficiência dos estudos de impacto, e não nos órgãos licenciadores) e até ameaçam o País com um novo "apagão". Por outro, o Ministério de Minas e Energia reiterando que o risco de "apagão" não existe e que a oferta de energia já instalada garante o fornecimento até 2010 (Estado, 30/7 e 14/9).
Agora, surge a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério e, conjeturando sobre um possível crescimento da demanda de energia no País da ordem de 5% ao ano na próxima década, anuncia que "o desafio é atender a esse aumento com novas fontes disponíveis de eletricidade como o gás natural e o carvão, sem esquecer fontes alternativas como as do Proinfa". Pelos mesmos motivos, diz que será preciso viabilizar a usina de Belo Monte, no Rio Xingu, ou o complexo hidrelétrico do Rio Madeira, porque "o Brasil vai precisar de uma Itaipu a cada dois ou três anos". E, sendo assim, "tem espaço para tudo (...) o gás natural, que já é uma tendência, e o carvão também". Até a energia nuclear "vai ser também uma tendência no País" (Informe Eletrobrás, 21/10).
Nem uma palavra sobre programas de conservação de energia (principalmente no setor público) e eficiência energética. Nada sobre a possibilidade de redistribuir, para horários em que há sobras de energia, algumas atividades. Silêncio absoluto sobre a possibilidade de substituição de equipamentos obsoletos de alto consumo, como tantos países já fizeram. Principalmente, nenhuma palavra sobre a possibilidade de repotenciação de usinas antigas, que, segundo o professor Célio Bermaan, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, permitiria aumentar, a curto prazo, em 10% a produção de energia no País (uns 8 mil MW, dois terços de Itaipu), a um custo três vezes menor que o de produzir energia nova (Estado, 10/9/2004).
É inevitável que se lembrem também as palavras do professor Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás, hoje na direção do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, para quem, no detalhamento do modelo elétrico, pesam muito as pressões das distribuidoras e geradoras privatizadas, dos grandes consumidores de energia, como os produtores de eletrointensivos (30% do consumo nacional), e das termoelétricas a gás natural. Segundo ele, trata-se de um processo que substitui energia mais barata por energia mais cara e repassa os custos para a sociedade.
Principalmente, esquece-se o exemplo, já mencionado neste espaço, dos Estados Unidos, que entre o choque do petróleo de 1973 e 1988 não aumentaram em um só quilowatt seu consumo de energia, embora nesses 15 anos sua economia tenha crescido quase 40% e milhões de novas residências e estabelecimentos comerciais tenham sido construídos. Com programas de conservação de energia.
Houve um momento, nesse final da década de 1980, em que o Brasil, inspirado pelo exemplo norte-americano, ameaçou seguir esse caminho. Encomendou um estudo ao consultor Howard Geller, que desaconselhou levar à prática um mirabolante plano decenal de expansão da oferta - inclusive porque os investimentos seriam inviáveis - e sugeriu um programa de conservação de energia, que custaria, no mínimo, cinco vezes menos, embora atendendo cabalmente à demanda. Até se chegou a conceber o Procel, um programa de conservação que foi minguando, minguando, por falta de recursos, até quase não se ouvir mais falar dele.
Agora, estamos aí a falar de outros caminhos, como se estivessem sobrando recursos e o País não conhecesse os relatórios sobre mudanças climáticas. Fala-se em expandir o uso de carvão para gerar energia (fonte que mais emite dióxido de carbono por tonelada queimada), o uso de gás natural (que emite um pouco menos que o petróleo, mas emite muito). E se fala em seguir com Belo Monte, na Amazônia, esquecidos de tudo o que já aconteceu nessa região no campo das grandes hidrelétricas.
Em Tucuruí, por exemplo, como relembra um especialista, subestimou-se tanto a vazão do rio que, hoje, ao lado da barragem ali erguida, está sendo construída outra usina, para duplicar a produção de energia. Parte das torres de energia, que sofriam um processo de corrosão na base, teve de ser substituída. Surgiu uma falha de 30 metros de altura no local da barragem (carinhosamente apelidada de "catedral", que teve de ser preenchida por milhares de toneladas de concreto). Sepultaram-se 2.730 quilômetros quadrados de floresta tropical, que depois passou a ser retirada por mergulhadores com serras elétricas. Disseminou-se a malária. Nunca se construíram eclusas para permitir a navegação.
Balbina não foi muito melhor. Conhecia-se pouco a geomorfologia da região. A água infiltrou-se em depressões e falhas, a capacidade de geração de energia acabou muito menor que a planejada. Em Serra da Mesa também se inundou uma área imensa, sem retirar a vegetação. Hoje, o teor de mercúrio (usado em garimpos) nas águas do reservatório é altíssimo. A raiva humana e bovina se expande, levada por morcegos expulsos das cavernas onde viviam.
Mas vamos seguindo, impertérritos. Para exportar eletrointensivos com tarifas de energia subsidiadas (a diferença é paga por toda a sociedade) para países ricos, que não querem arcar com o custo energético, ambiental e social dessa produção. Precisamos gerar superávits comerciais para pagar juros - é o argumento.
Quando se chamará a sociedade a discutir tudo isso?

Washington Novaes é jornalista

OESP, 28/10/2005, Espaço Aberto, p. A2

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