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Off Olimpíadas, índios Munduruku vencem maratona contra a construção de hidrelétrica

G1- http://g1.globo.com
Autor: Amelia Gonzalez
05 de Ago de 2016

"Não é que eu seja antipático. Mas é preciso respeitar pensamentos". A frase, quase em tom de desculpa, foi dita a um repórter pelo ex-presidente uruguaio Pepe Mujica quando ouviu, talvez pela enésima vez, a pergunta sobre como percebe o alastramento do neoliberalismo pela América Latina. Mujica participava, em Curitiba, do Seminário "Democracia na América Latina", na quarta-feira passada (27).Queixava-se, com certeza, de ter que dizer sempre a mesma coisa para se encaixar na grande mídia. Ajustou-se às minhas reflexões enquanto eu caminhava pela ensolarada Praia do Flamengo hoje pela manhã, antes da chegada da Tocha Olímpica ao local.

As pessoas resolveram acordar felizes, respirar espírito olímpico, espalhar simpatia para os estrangeiros e esquecer as mazelas... porque hoje começa a maratona Olímpica. É um sentimento hegemônico, impulsionado por uma baita propaganda do mundo corporativo, que não está deixando os habitantes do Rio desgrudarem os olhos de tanta beleza, de tanta torcida, de tanto verde, de tanto amarelo, de tanta alegria, de tantas modalidades esportivas. E o clima está ameno, o calor na medida certa... A tocha olímpica vai andando e espalhando esperança para quem já acredita que tudo já deu certo.

É o coro dos contentes. Nas redes sociais, se alguém se queixa leva logo a fama de mal humorado, pessimista, chato, nuvem negra a empanar o sol. Nessa cruzada pela alegria, não se respeita pensamentos distintos.

"Uma sociedade não pode ser robotizada, onde todos pensam de maneira igual. Não. Tem que ter tolerância, aprender a conviver com diferenças, porque os seres humanos são semelhantes na natureza, mas não somos uma unidade. Cada ser humano é único, e somos conflitivos. A política tem que conciliar a diferença para que se consiga um bem comum que se chama sociedade", disse Mujica a uma plateia de jovens no Laboratório de Cultura Digital da Universidade Federal do Paraná.

Estamos numa democracia, e este regime não pode ser "de gente submetida a campanhas e propagandas de satisfação do mercado", disse Mujica. Pronto, quase me identifiquei. Mas se você, caro leitor, já está a ponto de trocar de blog para fugir de "mais uma cantilena azeda contra as Olimpíadas", está enganado. Pode ficar mais um pouco. Porque, embora não esteja totalmente irmanada com o espírito olímpico, não vou falar sobre os motivos que me levam a respeitar, nesse momento, meu desejo de introspecção reflexiva, sem entrar na dispersão contagiada. Vou, isto sim, comemorar o que pode ser o fim vitorioso de uma outra maratona que povos de uma outra cultura estavam disputando contra um adversário bem poderoso.

Falo sobre os índios da indígena Munduruku, que são brasileiros, habitam o mesmo território, também estão alegres, mas é por outro motivo. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) arquivou ontem (4) o processo de licenciamento ambiental da usina São Luiz do Tapajós, conforme recomendado pelo Ministério Público Federal (MPF) e seguindo pareceres da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do próprio Ibama. O arquivamento aconteceu por razões legais, já que ficou comprovado que a usina alagaria todo o território indígena Munduruku e obrigaria remoção de aldeias, o que é proibido pela Constituição Federal. Há também falhas nos estudos de impacto ambiental apresentados pela empresa Centrais Elétricas do Brasil (Eletrobras), responsável pelo empreendimento, que ainda vai ter espaço e tempo para recorrer da decisão.

Desde o anúncio do governo federal, no fim de 2008, de que pretendia construir barragens no Tapajós, os dez mil índios Munduruku e os ribeirinhos do Tapajós têm sido incansáveis na maratona para tentar manter uma das regiões mais preservadas da Amazônia. Não foi fácil. Por várias vezes eles ocuparam o canteiro de obras da usina de Belo Monte, no Xingu, na tentativa de evitar que barragens semelhantes fossem construídas em suas terras. Também fizeram muitas viagens a Brasília para tentar sensibilizar as autoridades sobre seus direitos.

Segundo o site do Instituto Socioambiental, os Mundukuru tiveram apoio do Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil e, assim, "promoveram um dos movimentos de resistência mais importantes da história recente da Amazônia, driblando as investidas do governo e das empresas para cooptá-los, realizando a autodemarcação da TI Sawré Muybu e ações de comunicação de repercussão internacional". É bem verdade que tiveram a seu lado também os escândalos recentes revelando a corrupção quase endêmica no setor hidrelétrico brasileiro, além da crise econômica. São Luiz do Tapajós, a usina, teria capacidade instalada de 8.040 MW e investimentos da ordem de R$ 30 bilhões.

Ambientalistas afirmam, como se sabe, que há outras formas de se conseguir energia no país que não seja tirando índios de suas terras ou devastando áreas preservadas. Ademais, outra importante questão é sobre os reais beneficiados do "progresso" que há de vir com a energia. Decerto os índios Mundukuru, que teriam suas casas e cultura extintas, não estão nesse rol. O atual ministro do meio ambiente, Sarney Filho, deu declaração onde também se mostrou contrário à usina. E se o presidente interino Michel Temer aprovasse o projeto, iria se submeter a um tremendo desgaste político que, hoje, não está interessando ao governo que pleiteia sair da interinidade.

Os vitoriosos índios Mundukuru estarão representados por outros indígenas hoje na abertura das Olimpíadas, megaevento esperadíssimo para o qual estarão concentrados os holofotes mundiais. A ideia dos organizadores da festa será passar mensagem de tolerância, respeito e cuidado com o planeta. Nas palavras do diretor criativo Fernando Meirelles, "buscar as semelhanças e celebrar as diferenças". É uma bela mensagem, no fim das contas.

Na festa serão usados muitos recursos, não só financeiros. A criatividade é a marca que nos diferencia dos animais, lembrou ainda Pepe Mujica durante o seminário. Nunca tivemos tantos recursos como hoje - "Gasta-se dois milhões de dólares em minutos, facilmente", disse o ex-presidente - mas até agora não conseguimos atacar, verdadeiramente, o maior dos males do capitalismo, que é desigualdade. E os índios são apenas uma das bases da pirâmide, que anda se estreitando cada vez mais no topo.

"O homem tem os recursos para varrer a miséria. Não há problema ecológico, há problema político. O problema ecológico é consequência do problema político. Nós nos transformamos em máquinas de consumir e deixamos que nos vendam a ideia de que a felicidade está aí. Não estou fazendo a apologia da pobreza", lembrou Mujica em sua palestra.

Em troca de tanto consumo, compramos promessas de felicidade, de alegria, que nos tirariam de todas as mazelas, acrescenta o uruguaio. Não é assim mesmo?

Mas vou parar por aqui, senão também vão incluir meu nome no rol dos mal humorados. Seria injusto. O que gosto é de ampliar pensamento para sair do foco hegemônico.

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