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Bioeconomia indígena está ligada a território, diz estudo

Valor Econômico, Brasil, p. A8
Autor: CHIARETTI, Daniela
22 de Fev de 2024

Bioeconomia indígena está ligada a território, diz estudo
Fazer bioeconomia indígena é o mesmo que manter a floresta do jeito que ela está, diz antropólogo Francisco Apurinã

Por Daniela Chiaretti - De São Paulo
22/02/2024 05h01

Bioeconomia é um conceito cada vez mais em disputa à medida que cresce o interesse internacional sobre o tema. Para os povos indígenas, que reivindicam serem ouvidos no debate, bioeconomia é a economia contida na terra. Não é produto, é processo, e é feita de conhecimento. Há uma evidente divisão entre os pensamentos indígena e o ocidental sobre o assunto.
Estas posições estão contidas em na análise "Bioeconomia indígena" que será lançada hoje e tem entre os autores os antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã. O trabalho tem apoio do WRI Brasil e da Concertação pela Amazônia.
A base é o estudo a Nova Economia da Amazônia (NEA), lançado pelo WRI em junho e que mostra que, se o Brasil mantiver a floresta em pé e descarbonizar a economia, em 2050 o PIB da Amazônia Legal seria de R$ 1,34 trilhão, com 23,2 milhões de empregos. O redirecionamento da economia permitiria que o Brasil cumprisse suas metas no Acordo de Paris.
"Dentro da NEA olhamos a economia da Amazônia como um todo. A economia indígena entra como bioeconomia. Porém, a gente sabe que a economia indígena é muito maior que bioeconomia, e é uma visão muito diferente", explica Rafael Feltran-Barbieri, economista-sênior do WRI Brasil e um dos autores do novo estudo.
Bioeconomia indígena está ligada a território, diz estudo Para os povos indígenas, economia é abundância, diz o texto. A ciência econômica se dedica a entender a formação de valor, sua precificação e sua distribuição, escreve Feltran-Barbieri no capítulo que tenta traduzir a bioeconomia indígena para os não indígenas. Em contraponto, para os indígenas nem tudo que é valioso tem preço.
"Sociedades indígenas são as únicas com suficiente conhecimento, sabedoria e tradição para prosperarem na floresta", diz o estudo. A economia indígena se baseia em um modo de produzir sustentável, no ritmo das aldeias, em consonância com a natureza e buscando ganhos suficientes para o bem viver coletivo, continua.
A ideia do estudo, diz o economista, era buscar entender o que é a bioeconomia ideal para as pessoas e para a floresta da Amazônia. "O importante é dar visão à perspectiva indígena", continua.
"Não tem como falar de bioeconomia, de saúde, de educação ou qualquer outro assunto que esteja dissociado dos nossos territórios", explica Francisco Apurinã, da Terra Indígena Camicuã, no sul do Amazonas, em Boca do Acre. "Hoje o planeta está doente. Temos que perceber esse enfraquecimento, essa escassez de recursos naturais e nos dar as mãos. A bioeconomia indígena entra exatamente aí: porque fazer bioeconomia indígena é o mesmo que manter a floresta do jeito que ela está".
Mestre em desenvolvimento sustentável e doutor em antropologia social pela Universidade de Brasília (UnB), Francisco Apurinâ segue: "Na nossa visão, nós não somos mais do que as espécies de animais, somos apenas mais um componente da biodiversidade. Não somos o centro de tudo. Os
povos indígenas estabelecem uma relação de interdependência com seu território".
Ele continua: "Nada vai dar certo, nenhum projeto junto aos povos indígenas se a participação deles não for garantida, se as coisas não forem construídas com eles".
O estudo traz alguns exemplos de economia indígena. Os Krahô-Kanela, por exemplo, produzem muto artesanato e pretendem construir uma base de turismo sustentável que busque proteger o território. Os baniwa, do Amazonas, são grandes produtores de pimentas. O povo yawanawa, do Acre, tem lindos grafismos estampados nas indumentárias. O café 3 Corações é feito pelo povo paiter-suruí, de Rondônia.
A Rede de Sementes do Xingu, com centenas de coletoras de várias etnias, quilombolas e da agricultura familiar apanham toneladas de sementes de 200 espécies nativas para atender à demanda de restauração florestal da Amazônia e do Cerrado. As Ikpeng nunca recolhem todas as sementes que encontram pelas trilhas - é preciso deixar crescer samaúmas, pequizeiros e buritis para que sejam encontrados pelas novas gerações.

Valor Econômico, 22/02/2024, Brasil, p. A8.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/02/22/bioeconomia-indigena-…

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