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O que é o marco temporal e como ele pode legitimar injustiças contra povos indígenas

Hypeness - https://www.hypeness.com.br/2020/06
04 de Jun de 2020

O que é o marco temporal e como ele pode legitimar injustiças contra povos indígenas

por: Yuri Ferreira

Você sabe o que é marco temporal? Esse é um dos maiores problemas jurídicos que as terras indígenas sofrem atualmente. O recurso jurídico promovido pelo governo do ex-presidente Michel Temer pode reduzir consideravelmente o direito dos povos nativos e é criticado pelos povos indígenas e ativistas pelo meio-ambiente. Mas no que consiste o marco temporal?

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal em favor da criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, afirmou que a criação da reserva era legítima pois os povos indígenas eram ali residentes à época da Constituição de 1988, que garantiu a criação das reservas.

Em 2017, a Advocacia Geral da União afirmou que a abertura da jurisprudência da decisão deveria valer para todas as reservas indígenas. Assim, os povos que não residiam nas terras indígenas (TIs) durante a CF de 1988 ou não tem como comprovar a residência nesse momento, deveriam perder suas reservas para grileiros e garimpeiros.

"Não há uma marca temporal particular para qual suas terras devem ser reconhecidas, já que o tempo é imaterial. Os indígenas viveram em seus territórios desde sempre, de seus ancestrais até o presente. Colocar uma linha do tempo em cima disso para demarcar as terras é violar o décimo artigo da Declaração, em particular, que diz respeito ao direito às suas terras e territórios", afirmou Victoria Tauli-Corpuz, da Organização das Nações Unidas (ONU), ao Brasil de Fato.

A criação de terras indígenas é um processo complexo. Mas quem comanda a instauração das TIs é a Funai. Os profissionais da fundação fazem um estudo e propõem a delimitação do território. Assim, enviam um ofício ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que repassa o projeto para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que pode reassentar não-indígenas que estavam no local. Depois de finalizada a trama burocrática, o presidente da República pode sancionar ou não a criação.
Entretanto, a Bancada do Boi, que representa os interesses dos agropecuários no Congresso, acredita que deve existir uma limitação legal para a criação dessas terras. Segundo os deputados e senadores, seria preciso criar algum tipo de dispositivo para barrar a expansão das TIs, pois senão "até a Praia de Copacabana eles podem reinvindicar."

Aparentemente, a banca de parlamentares pró-ruralistas esqueceu que na verdade, toda a terra do Brasil é, indígena.

"Os índios reivindicam áreas que ainda têm significado para essa organização social específica. As demandas de marcação são concretas, específicas, delimitadas e bem localizadas. Ninguém está reivindicando a praia de Copabacana", explica Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (Isa) ao ECOA.
Hoje, o julgamento de uma ação percorre o Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um conflito de TIs em Santa Catarina. Uma ação do TRF-4 (de Curitiba) encerra a demarcação da reserva indígena feita pela Funai para o povo Xokleng. A área não era ocupada durante a CF de 1988 pelos indígenas, que foram expulsos da região em 1914 e realocados em outra localidade.

A Funai resolveu criar a reserva para tentar defender os povos indígenas da região Sul do país. Desde 2003, ações impedem que a TI seja criada. Os ruralistas pressionam o STF para barrar a ação com a tese do Marco Temporal. Os povos indígenas se preocupam com as consequências de uma decisão desfavorável aos Xokleng, que pode afetar outras demarcações ao redor do país.

Vale lembrar que a própria jurisdição do STF reitera que o Marco Temporal foi somente usado para o caso da Raposa Serra do Sol. No ano de 2013, a corte suprema de juízes reiterou que a decisão não valeria para outras terras indígenas.

"Se os ministros forem seduzidos pela armadilha ruralista e implementarem sobre nós o marco da morte (marco temporal), precisamos alertar os mesmos que estarão assinando um tratado de guerra e de extermínio contra os povos indígenas brasileiros. Mesmo que a caneta determine, não poderemos simplesmente sair de nossos territórios", afirma um documento assinado por lideranças dos povos Terena, Kinikinau, Kadiweu, Guarani Nhandeva e Guarani e Kaiowá após o Encontro dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul em fevereiro desse ano.

Yuri Ferreira
Jornalista formado na Escola de Jornalismo da Énois. Já publicou em veículos como The Guardian, UOL, The Intercept, VICE, Carta e hoje escreve aqui no Hypeness. No twitter, @porfavorparem.

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