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O mercado de indulgências no paraíso terrestre

OESP, Vida, p. A18
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
23 de Abr de 2008

O mercado de indulgências no paraíso terrestre

Marcos Sá Corrêa

As coisas mudam depressa, seja no meio ambiente ou na internet. Mas, até segunda ordem, o Ecoogler deve ser a última palavra em salvação da Amazônia por meio de cliques no mouse. Trata-se, na prática, do Google atrelado a um programa de reflorestamento a distância. A idéia não tem nada de novo, mas vem com o trunfo de se basear na tecnologia de busca por trás da empresa que mais cresce no mundo real. O Ecoogler oferece à freguesia, além dos serviços do Google, a chance de adquirir uma vaga no paraíso ecológico, botando árvores onde o resto da economia tira florestas.

Cada consulta no Ecoogler vale uma folha. E, de folha em folha, uma fundação suíça chamada Acquaverde investe esses créditos na restauração da cobertura vegetal de Rondônia, numa parceria com índios suruí, aparentemente rebelados contra o desmatamento risonho e franco do Estado.

Nesse passo, é preciso muita fé para enxergar o caminho da redenção da Amazônia no Ecoogler. Ontem, na hora do almoço, o site, que tem páginas em inglês, espanhol e italiano, registrava ao todo 7.899.914 acessos. Trocada em miúdos, essa audiência representava 789 árvores plantadas. E faltavam 86 folhas para a próxima árvore. Não deu, nessa primeira visita, para fechar a conta, pois não é todo recém-chegado que tem 86 perguntas prontas para turbinar o Ecoogler.

Mas nele a experiência tem a vantagem de sair de graça. E isso ajuda a livrá-lo da maledicência que paira sobre o mercado de seqüestro de carbono, suspeito de vender indulgências ambientais mais ou menos como a Europa medieval traficava descontos na taxa de pecados que cada um levaria para a outra vida. Na época, além de orações, jejuns ou esmolas, valia pontos na eternidade bancar a construção de templos ou a promoção de cruzadas. E os créditos eram negociados por corretores oficiais da misericórdia divina.

Hoje, com cada ser humano carregando uma cota de pecado original calculada em sete toneladas de CO2 por ano, o investimento é um pouco mais concreto. Mas nem tanto que cada um possa zerar no fundo do próprio quintal a parte que lhe cabe no efeito estufa. Ainda é preciso acreditar que algum intermediário fará isso, lá em cima, ou pelo menos, lá longe, em seu nome.

As apostas no varejo do carbono movimentam anualmente mais de US$ 150 milhões. E crescem sem parar. Não é de hoje que se compram passagens de avião ou carros novos com programas de reflorestamento embutidos no preço. No Brasil, o banco HSBC inclui desde o ano passado em suas apólices para seguros de automóveis uma doação para duas reservas de araucárias mantidas pela SPVS no Paraná.

Há dezenas de tabelas na internet - que costumam ser pelo menos divertidas e, às vezes, educativas - para orçar o custo ambiental de nossos hábitos cotidianos e monetizá-lo, em favor de ativistas da energia eólica na Índia ou dos biocombustíveis na África.

Toda economia em emissões vale créditos. Mas o reflorestamento oferece de brinde uma conta que todo mundo é capaz de entender. Uma árvore de bom porte e vida longa tira do ar uns 730 quilos de CO2 por ano, durante mais ou menos um século. Com dez árvores, portanto, limpa-se uma ficha ambiental de uma biografia inteira.

É jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 23/04/2008, Vida, p. A18

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