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'O meio ambiente virou bode expiatório'

OESP, Economia, p. B6
28 de Jan de 2007

'O meio ambiente virou bode expiatório'
Para Claudio Langone, mudança de atitude veio com discussão 'racional'

Agnaldo Brito

A área ambiental do governo chega ao segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva livre de uma acusação pesada: a de que freou o crescimento do País. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), há apenas uma referência à área. O governo decidiu regulamentar o artigo 23 da Constituição, medida que nem de longe significa flexibilização do arcabouço legal do Sistema Nacional de Gestão Ambiental.

O secretário-executivo do Ministério de Meio Ambiente (MMA), Claudio Langone, diz que a mudança de atitude com a área ambiental ocorreu depois de uma discussão mais "racional" sobre o setor no desenvolvimento sustentado. Com novo status, o ministério se prepara para dar suporte ao plano do governo de viabilizar R$ 503,9 bilhões em investimentos em infra-estrutura em quatro anos.

Nesta entrevista exclusiva ao Estado, Langone disse que, das 353 obras incluídas no PAC, 85 estão sob a responsabilidade do Ibama. Segundo ele, 70% já têm licença prévia de instalação ou de operação. A seguir, os principais tópicos da entrevista.

Fim do Mito

A compreensão do governo e da sociedade em relação à área ambiental ocorreu por dois motivos. Primeiro porque houve a divulgação ampla das informações sobre a situação dos licenciamentos e os avanços obtidos nessa área desde 2003. As duas coisas permitiram tratar o problema com o tamanho que ele tem, ou seja, desmitificar o assunto e dar racionalidade à discussão. Em segundo lugar, o PAC ataca dois problemas graves que incidiam sobre o tema ambiental e o investimento em infra-estrutura: a ausência de planejamento e prioridades claras, além da falta de mecanismos de financiamento para projetos licenciados.

Bode expiatório

A área ambiental foi usada como bode expiatório para, na verdade, esconder esses dois problemas. Agora, o PAC enfrenta as duas dimensões e traz uma facilidade maior para o setor de licenciamento. Assim será possível visualizar uma agenda de médio prazo, os mecanismos de financiamento e amarrar algo que vínhamos perseguindo há muito tempo: o licenciamento será dado para obras que serão construídas. O pior cenário para a área ambiental era a priorização de empreendimentos para licenciamento que não eram construídos e ocupavam espaços de outros.

Prioridade

O programa dá transparência ao conjunto dos empreendimentos que são apontados pelo governo como prioritários e prevê o acompanhamento pari passu da sociedade e dos empreendedores de todas as dimensões que envolvem a obra. O ministério pretende ter um sistema público que disponibilizará informação sobre a situação de cada projeto e isso, claro, ajudará no acompanhamento do comitê gestor do PAC. Temos três grandes linhas a serem trabalhadas simultaneamente no PAC: hidrelétrica, petróleo e gás e transporte. Mas em cada uma haverá um elenco claro de prioridade.

Quem licencia

O objetivo central da regulamentação do artigo 23 da Constituição é diminuir o número de ações judiciais que contestam a competência para um licenciamento. Em geral, são projetos licenciados pelos Estados que se pretende sejam licenciados pelo Ibama. A regulamentação consegue resolver e estabelecer uma linha de doutrina jurídica em relação à competência para concessão de licenças ambientais no Brasil. Isso sepulta de vez a idéia de que essa competência se dá pela localização do bem, o que tem causado uma grande distorção no País. A afirmação de que a competência para o licenciamento se dá pela extensão do impacto nos permite uma jurisprudência absolutamente clara e inquestionável sobre o que define a competência.

Números do Licenciamento

O número de licenças concedidas pelo Ibama não deverá mudar muito, mas a regulamentação que será aprovada no Congresso Nacional deve ter um grande impacto para os Estados. Enquanto o Ibama licenciou 278 grandes projetos em 2006, calculamos que os Estados licenciaram cerca de 100 mil empreendimentos. A estimativa que o ministério tem é de que mais de 60% dessas licenças estaduais são de pequenos empreendimentos caracterizados como de impacto local.

Falta de estrutura

Temos um problema hoje com os municípios. Apenas 230 cidades brasileiras possuem estruturas para o licenciamento. Dez anos depois da resolução que disciplinou isso, temos só esse número de municípios aptos a licenciar. Neste ritmo vamos levar 500 anos para completar o desenho do Sistema Nacional de Meio Ambiente. O ministério tem uma política para capacitar e dar condições materiais para que os municípios sejam mais protagonistas no licenciamento, permitindo que os Estados se dediquem de maneira mais qualificada aos empreendimentos de porte significativo, como aqueles do setor industrial. Além disso, a regulamentação do artigo 23 define que o licenciamento será feito por um único ente federado e esse será o responsável pela fiscalização.

Cidades despreparadas

Todos os governos têm de compreender que o Brasil não pode investir bilhões de reais em infra-estrutura sem dar condições aos órgãos ambientais. A exemplo do que o Ibama fez, os governos estaduais terão de investir no setor de licenciamento, principalmente concursos públicos para criar quadros capazes de dar conta dessa demanda. Se não houver pessoal qualificado, essa crise pode se aprofundar. Só a descentralização não é suficiente.

RESPONSABILIDADE DO IBAMA

Dos 353 projetos incluídos no PAC, 85 são de responsabilidade do Ibama. Desse grupo de 85, 70% já têm algum tipo de licença. Entre estes, 20% têm licença prévia e 50%, licenças de instalação ou de operação. O restante dos projetos se divide em duas situações: estão em análise ou não possuem projeto ambiental entregue ao Ibama. Portanto, temos uma situação muito confortável em relação aos empreendimentos incluídos no PAC, cujo licenciamento é de responsabilidade da agência ambiental federal.

Compensação Ambiental

A área ambiental do governo achava que a metodologia para a compensação ambiental (taxa que todos os empreendedores terão de pagar para custear o impacto sobre o meio ambiente) poderia ser incluída no PAC, mas outros ministérios pediram para ampliar a discussão. É compromisso do governo definir esse assunto ainda em janeiro. A primeira parte da metodologia define o porcentual para empreendimentos terrestres, depois os marítimos. O critério para definir o valor, além da fórmula, traz inovações importantes. Foram tirados do cálculo valores referentes a questões sociais e econômicas. Ficam só as ambientais. A nova fórmula também exclui os investimentos que permitam boa performance ambiental do empreendimento. O porcentual da cobrança considerará apenas os gastos que tenham impacto na biodiversidade. Isso é importante porque, ao computar gastos ambientais, estávamos desestimulando o investimento em desempenho ambiental, o que era um contra-senso.

Teto da compensação

A primeira proposta previa um teto de 5% do valor do projeto, depois caiu para 3%. Na nova proposta, vamos ter um valor menor que 3%. Ficará entre 0,5%, que é o piso, e os 3%. Será um patamar muito mais razoável sobre critérios também razoáveis.

Setor elétrico

O Ministério do Meio Ambiente considera que passou pela fase mais crítica da implantação do novo modelo do setor elétrico em relação à questão ambiental. O governo teve de recolher projetos hidrelétricos que haviam sido abandonados na época do apagão, ressuscitá-los e enquadrá-los numa nova dinâmica em que previa a licença ambiental.

OESP, 28/01/2007, Economia, p. B6

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