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O Decreto 22/91 sob fogo cruzado

Tupari, n.51, p.13
31 de Out de 1995

O Decreto 22/91 sob fogo cruzado
Publicamos aqui partes do Editorial do Dossiê elaborado pelo Instituto Socioambiental (São Paulo /Brasília - 04/08/95), com o título "O governo FHC e a demarcação de terras indígenas ".
Passados sete meses, o governo FHC apresenta sinais crescentes que apontam na direção de um retrocesso sem precedentes na consolidação dos direitos indígenas inscritos na Constituição de 1988.
Há paralisia no processo de demarcação e o Ministro Jobim condiciona novas medidas nessa área a mudanças nas regras do jogo. O governo FHC estaria prestes a promulgar uni nos o decreto para regulamentar os procedimentos de demarcação das terras indígenas, introduzindo o chamado "direito do contraditório" para facultar a manifestação formal de interesses não-indígenas contrariados.
Baseado em argumentos jurídicos improcedentes, o Ministro Jobim defende a aplicação retroativa do contraditório" sobre todas as terras já reconhecidas oficialmente que não estejam registradas - incluindo aquelas já demarcadas e homologadas por decretos presidenciais anteriores.
Porém, não há razão objetiva para se alterar o decreto 22/91 a partir do pressuposto de sua inconstitucionalidade.
Em 17/12/93, os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) julgaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Governo do estado do Pará, que pretendia a declaração de inconstitucional idade do decreto 22, baseada em parecer do então Deputado Federal e advogado Nelson Jobim. O parecer foi descartado e ao julgar o caso, o Supremo decidiu que o decreto não era normativo, mas apenas administrativo, regulando tão somente atos procedimentais internos do Poder Público acerca da demarcação das terras indígenas.
Para o Procurador Aurélio Rios, da Câmara de Coordenação e Revisão dos Direitos das Minorias do Ministério Público Federal, a decisão do STF foi no sentido de que o decreto 22 "não padece de nenhum vício que dele pudesse ser inferida a sua inconstitucionalidade". O STF decidiu se tratar de um procedimento administrativo sobre o qual não recai a exigência constitucional do contraditório ou da ampla defesa.
No entanto, o que especialmente preocupa é a disposição do governo de promover a revisão de limites de todas as terras indígenas já delimitadas, demarcadas e homologadas por governos anteriores, pelo simples fato de não estarem registradas nos Serviços de Patrimônio da União e nos cartórios de registros imobiliários.
(...)
A hipótese de serem revistos os limites de terras já demarcadas, de modo a atender interesse contrariados, não tem prece dente e favorece o ressurgimento de tensões locais superadas ou agravamento daquelas arrefeci das. Além disso, viola direito adquiridos a duras penas pc comunidades indígenas, que es pecaram durante décadas o séculos pela demarcação da suas terras.
(... )
Não há porque temer a instituição do contraditório. Mesmo sendo sua necessidade constitucional questionável, o contraditório poderá até dar maio transparência às pressões anti indígenas que hoje se exerceu nos gabinetes. Porém fazer retro agir o contraditório a todas a terras indígenas delimitadas, de marcadas e homologadas por governos anteriores, excluindo apenas as registradas em cartório, é loucura. O governe estimularia assim o acirramento de conflitos em cerca de 120 áreas, o que aliás já começou em vários pontos do país.

Comunicado à sociedade civil brasileira e internacional
Com esse título, o "Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas" (veja pág 03) deu a público um documento, datado de 12/09/95 - Brasília, em que "considera inadmissível a perda dos direitos territoriais conquistados e reconhecidos, repudia a iniciativa do governo de retroceder no reconhecimento desses direitos e coloca-se contra a edição de novo decreto ou medida provisória que venha a ferir estes direitos".
O documento denuncia que o governo, na figura do presidente Fernando Henrique Cardoso, está empenhado na mudança do processo demarcatório das terras indígenas favorecendo fazendeiros, madeireiros e todo tipo de invasores, provocando conflitos e já acarretando assassinatos, como no caso do cacique da área indígena Xucuru Kariri, Louzanel Antônio Ricardo e do advogado da Funai, Geraldo Rolem. Esta mudança do processo demarcatório desrespeita o conceito de terras tradicionais, pois "os territórios que hoje muitos povos efetivamente ocupam são frutos de um produziu através dos anos, décadas e séculos, fruto de expulsões sucessivas até serem encurralados em pequenas parcelas de terra. insuficientes para garantir uma base segura para as atuais e futuras gerações".
O documento destaca, ainda, que o "projeto de lei que define o novo Estatuto das Sociedades Indígenas encontra-se paralisado no Congresso Nacional, em virtude de um recurso apresentado pelo atual senador Arthur da Távola (PSDB-RJ) solicitando sua apreciação pelo plenário da Câmara dos Deputados, quando o projeto já foi aprovado pela Comissão Especial, com poder terminativo o que significa que já deveria ter sido encaminhado ao Senado Federal".
Assim, o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas exige que o governo brasileiro:
- não edite decreto ou medida provisória que substitua o Decreto 22/91;
- garanta o reconhecimento das terras indígenas realizado sob a vigência do Decreto 22/91 e dos seus antecessores;
- retome com agilidade e de forma imediata o processo de demarcação de todas as terras indígenas;
- estabeleça um diálogo com as organizações indígenas e entidades da sociedade civil para a elaboração de uma política indigenista coerente com os direitos constitucionais dos povos indígenas;
- tome medidas efetivas para a redução dos conflitos no campo, implementando um-, verdadeira reforma agrária;
- realize um ordenamento do espaço territorial que cor templo o respeito ao meio ambiente, promovendo desta for ma o desenvolvimento social ecológico e economicamente sustentável".
Como estamos no primeiro ano da Década dos Povos Indígenas, definido pela ONU, o Fórum em Defesa dos Direito; Indígenas solicita da sociedade civil brasileira e internacional o seu apoio solidário aos povo indígenas do Brasil, fortalecer do e criando iniciativas na defesa de seus direitos históricos.

Márcio Santilli na presidência da FUNAI
O novo presidente da Funai, Márcio Santilli, foi empossado no último dia 18 de setembro, em Brasília. Conhecido pelo seu trabalho de apoio aos povos indígenas, Santilli, juntamente com um grupo de índios, antropólogos e juristas, fundou em 1989 e dirigiu o Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), uma ONG com sede em Brasília, que teve papel destacado na aplicação prática dos direitos coletivos dos índios, através de consistentes demandas judiciais. Em 1994, foi um dos fundadores do Instituto Socioambiental (ISA), uma ONG com sede em São Paulo e sub-sede em Brasília, que incorporou o NDI e o "Pra grama Povos Indígenas no Brasil" do CEDI, além de outros segmentos do movimento ambientalista.

Tupari, n 51, out 1995, p. 13

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