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Novo 'pacote da destruição' avança no Congresso sob paralisia de Comissão de Meio Ambiente

FSP, Ambiente, p. B5
23 de Abr de 2024

Novo 'pacote da destruição' avança no Congresso sob paralisia de Comissão de Meio Ambiente
Propostas driblam plenário, ganham força e ameaçam 8,5 milhões de hectares da Amazônia

João Gabriel
Brasília
22.abr.2024 às 18h27

Enquanto a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados não realizou nem uma sessão sequer neste ano, projetos de lei que enfraquecem a legislação ambiental ganham força no Congresso Nacional.
Algumas das proposições avançam driblando os plenários da Câmara ou do Senado -a exemplo do caso das "boiadinhas" em 2022, como mostrou a Folha à época.
Um dos projetos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado propõe a redução da área de proteção da Amazônia Legal e pode abrir caminho para o desmatamento de 8,5 milhões de hectares, segundo o Observatório do Código Florestal.

O conjunto, de cinco textos, ainda pretende validar a derrubada de uma área que pode chegar a 1,5 vez o tamanho da Alemanha, reduzir a tributação de atividades poluidoras, permitir a construção de barragens em áreas de preservação permanente e transferir terrenos da União (inclusive florestas nacionais) aos estados.

Há a expectativa de que o Senado aprove, neste ano, o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental. Como mostrou a Folha, a proposta pode impactar 80 mil empreendimentos no país.

"O Legislativo está na contramão do mundo ao impor graves retrocessos para o meio ambiente e o clima em nome de interesses privados e imediatos. Se aprovado esse pacote da destruição, não haverá futuro com bem-estar social e dignidade para a população", afirma Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental).

Enquanto isso, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara está paralisada -ela nem chegou a eleger o seu presidente.

"Nós cobramos que se instale a comissão o mais rápido para ter um local onde possamos debater esses projetos, que vão na contramão de tudo aquilo que a sociedade brasileira espera, que o mundo espera, e que vão contra a própria Constituição", afirma Nilto Tatto (PT-SP), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista.
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Por acordo entre deputados, a presidência do grupo é do MDB, que até agora não indicou o nome para ocupar o posto.

Uma das mais cotadas é Elcione Barbalho (MDB-PA), mãe de Helder Barbalho (MDB), governador do Pará -estado que, em 2025, receberá a COP30, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas).

Se o grupo ambiental segue estagnado, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, sob presidência de Caroline de Toni (PL-SC), avança propostas antiambientais. Por exemplo, dois projetos que querem restringir a taxa de controle e fiscalização ambiental por atividades potencialmente poluidoras -verba que alimenta o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Um deles quer reduzir a base de cálculo dessa taxa e limitar sua cobrança às atividades licenciadas pela União -o que excluiria grande parte da mineração, por exemplo. Ele foi aprovado na última quarta-feira (17), de forma conclusiva, o que significa que vai ao Senado sem precisar passar por votação entre todos os deputados no plenário.

O segundo texto também já foi aprovado na CCJ e isenta a silvicultura -como a monocultura de eucalipto e pinus- do tributo. Ele aguarda votação no plenário.

Covatti Filho (PP-RS), relator de ambos, defende que as mudanças aperfeiçoam a legislação. "A silvicultura deve ser reconhecida como uma atividade que, além de produtiva, é aliada da conservação ambiental", diz.

"Houve mudanças significativas nas legislações ambiental e tributária do país, o que justifica a necessidade de uma aplicação justa e atualizada [do cálculo da taxa]", completa.

Suely Araujo, ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, afirma que os projetos estão em desacordo com entendimentos do STF (Supremo Tribunal Federal) e que a silvicultura tem potencial poluidor.

"Essas exclusões de atividades da taxa de controle e fiscalização ambiental sequer se justificam: é em regra uma taxa com valor baixo para o contribuinte. As propostas soam como ataques ao próprio Ibama", diz.

A CCJ também chegou a pautar um projeto que permitiria a construção de barragens e desvios de rios dentro de áreas de preservação, mesmo em caso de destruição da vegetação nativa, para alimentar o agronegócio. O texto tramita em caráter conclusivo.

"O projeto promove a apropriação privada da água. A água é um bem de domínio público e a sua gestão visa garantir o uso múltiplo a toda coletividade. É um grave atentado que pode levar a desmatamentos em área de preservação permanente e intensificar impactos do clima, criando conflitos por uso da água", afirma Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica.

Antes, no final de março, a mesma CCJ aprovou um projeto que facilita o desmatamento das áreas de vegetação não florestal -categoria que, segundo a plataforma MapBiomas, representa 50,6 milhões de hectares no Brasil, cerca de 1,5 vez o tamanho do território da Alemanha.

A proposta driblou o plenário da Câmara e foi aprovada de forma conclusiva na comissão.

Na CCJ do Senado, está pautado um projeto que pode reduzir de 80% para 50% a reserva legal na amazônia -como é chamada a área de um imóvel que precisa ser preservada como floresta. Segundo o Observatório do Código Florestal, a mudança ameaça mais de 8,5 milhões de hectares protegidos.

A comissão é presidida por um aliado do governo Lula (PT), Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Ainda que o governo federal busque ser visto como defensor ambiental, a proposta quase foi votada no último dia 10. Um pedido de vistas de outra aliada do petista, Eliziane Gama (PSD-MA), adiou a deliberação, que pode acontecer nesta quarta (24).

Se aprovado na CCJ, o projeto vai para a Comissão de Meio Ambiente, onde tramita de forma terminativa -que dispensa a passagem pelo plenário.

"Trata-se de um grave retrocesso socioambiental ao flexibilizar os limites da reserva legal e abrir caminho para novos desmatamentos em áreas florestais da Amazônia Legal", critica uma nota técnica da ONG WWF Brasil, que pede a rejeição do texto.

Sob reserva, parlamentares ligados à pauta ambiental também temem o avanço de outros dois projetos, ambos na Câmara, que podem transferir terras da União para competências de estados do Norte. A mudança pode dificultar a demarcação de terras indígenas e deixar as áreas sujeitas a leis ambientais mais flexíveis.
Entenda o pacote antiambiental no Congresso

PL 3.334/2023

O que é: Reduz a reserva legal (área dos imóveis que deve ser preservada como floresta) para 50%, quando se tratar de estado ou município que tiver mais de 50% de seu território ocupado
Na prática: Reduz a área de preservação de floresta na amazônia de 80% (como diz a lei hoje) para 50%, o que, segundo ambientalistas, afeta 8,5 milhões de hectares
Situação: Na pauta na CCJ do Senado; se for aprovado, vai à Comissão de Meio Ambiente, de forma terminativa
Relator: Marcio Bittar (União-AC)

PL 364/2019

O que é: Considera como "área rural consolidada" (onde é permitida intervenção humana) imóveis rurais com vegetação nativa não florestal
Na prática: Permite a derrubada dessa vegetação, abundante no cerrado e no pantanal e presente em mais de 50 milhões de hectares no Brasil
Situação: Aprovado de forma conclusiva na CCJ da Câmara; aguarda para ir ao Senado
Relator: Lucas Redecker (PSDB-RS)

PL 1.366/2022

O que é: Exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras e a isenta de imposto
Na prática: Permite que monoculturas como eucalipto e pinus não paguem a taxa de controle e fiscalização ambiental, verba que, por exemplo, alimenta o Ibama
Situação: Aguardando votação no plenário da Câmara
Relator: Covatti Filho (PP-RS)

PL 10.273/2018

O que é: Limita a cobrança da taxa ambiental a atividades licenciadas pela União e muda a seu cálculo, para ter como base apenas a receita das atividades poluidoras, não de toda a empresa em questão, independente de seu tamanho
Ta prática: Reduz o valor da cobrança, por reduzir sua base de cálculo, e exclui do imposto uma série de atividades poluidoras que são licenciadas por estados e municípios, como a mineração
Situação: Aprovado na CCJ da Câmara, em caráter conclusivo; ainda vai ao Senado
Relator: Covatti Filho (PP-RS)

PL 2.168/2021

O que é: Considera de utilidade pública obras de infraestrutura de irrigação para o agronegócio
Na prática: Permite ao setor construi reservatórios em áreas de preservação permanente, mesmo que isso cause destruição da vegetação nativa
Situação: Na CCJ da Câmara
Relator: Coronel Fernanda (PL-MT)

FSP, 23/04/2024, Ambiente, p. B5

https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/04/novo-pacote-da-destruica…

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