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Não é fácil virar fênix e reerguer-se das cinzas

Valor Econômico, Prática ESG, p. H2.
Autor: CHIARETTI, Daniela
29 de Mar de 2023

Não é fácil virar fênix e reerguer-se das cinzas
Para reverter o atual cenário socioambiental, governos, empresas e Congresso têm enorme responsabilidade

Por Daniela Chiaretti
29/03/2023

O primeiro trimestre de 2023 termina e o desmatamento continua com pulso forte na Amazônia. A ilegalidade bate recordes a despeito da mobilização do novo governo, do tema ser prioridade máxima, da manifestação do apoio internacional, de pessoal em campo (mesmo que pouco). Todo o legado de dificuldades na área socioambiental herdado da gestão anterior parece ter concretizado a sensação de impunidade e a amplitude do emaranhado entre crimes ambientais e crime organizado. Desmatadores estão ativos a despeito da estação chuvosa e de estradas intransitáveis. "Hoje os caras não querem nem saber, desmatam na chuva", reconhece Rodrigo Agostinho, presidente do Ibama.
O governo Lula trabalha com a possibilidade sombria de o desmatamento, este ano, empatar com o do passado -ou, previsão mais nefasta, ser até superior. A taxa virá contaminada por um "desmatamento contratado", e quanto a isso, não há o que fazer. O número oficial do desmatamento brasileiro, dado pelo sistema Prodes, do Inpe, e divulgado em novembro, considera sempre cinco meses do ano anterior. Nesse caso, agosto a dezembro de 2022, na gestão Bolsonaro e em plena campanha eleitoral, quando se sabe que desmatadores desmatam como se não houvesse amanhã.
Desmatam como se não houvesse amanhã
O número deste ano já partiu estragado. Somam-se à taxa sete meses da gestão Lula, que começou buscando encontrar o ponto de partida. Reverter a alta do desmate ainda não está acontecendo. Não é fácil virar fênix e reerguer-se das cinzas em tal cenário de descontrole, nem mesmo para um governo com a melhor das intenções.
O Ibama é um órgão envelhecido e reduzido à metade de seu quadro, que nunca foi proporcional ao tamanho do desafio. Concursos não saem da cartola. E quando saem, é preciso treinar fiscais que irão combater criminosos bem armados em meio a uma população desconfiada, que não entende porque não se pode extrair ouro de "um lugar onde só tem um punhado de índios" ou cortar árvores, vender a madeira "e colocar um gadinho onde era terra de ninguém". Muita gente tem esse pensamento torto por falta de conhecimento, miséria desde a infância, preconceito enraizado ou canalhice pura. Para piorar, tem o Congresso.
Não é de hoje que na Câmara e no Senado há um bocado de projetos de lei anti-ambientais e anti-indígenas que ambientalistas batizaram de "Pacote da Destruição". O do licenciamento ambiental provoca especial assombro, mesmo se ninguém discorde que essa regulamentação é muito necessária no Brasil. "Mas do jeito em que está, é um abre-alas para o desmatamento generalizado e pode causar mais insegurança jurídica e financeira aos empreendimentos", diz Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental.
Outro fantasma com potencial de ressurgir nessa legislatura é o PL da regularização fundiária ou da grilagem, dependendo com quem se está falando. "É a terceira legislação sobre o tema e sempre passando a mesma mensagem: pode roubar terra, ocupar de forma ilegal, desmatar, que não vai ter consequência", opina Guetta. Há os projetos sobre temas indígenas, como o do garimpo em terras indígenas, ameaças justamente onde a natureza é mais protegida no Brasil. Tudo isso é uma questão ESG, mesmo se as empresas não se expõem e defendem seus lobbies via entidades de classe. "Se algum desses PLs for aprovado será impossível que qualquer governo cumpra as metas climáticas brasileiras", diz Guetta. O que acontecer no Congresso pode se tornar um desastre planetário.

Daniela Chiaretti é repórter especial de ambiente do Valor. Venceu o Prêmio Esso de 2011 na categoria Ciência
E-mail: daniela.chiaretti@valor.com.br

Valor Econômico, 29/03/2023, Prática ESG, p. H2.

https://valor.globo.com/brasil/esg/coluna/nao-e-facil-virar-fenix-e-ree…

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