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Movimentos sociais condenam governo Lula

O Globo, O País, p.15
07 de Dez de 2005

Movimentos sociais condenam governo Lula

Soraya Aggege

Os principais movimentos sociais que ajudaram a eleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fizeram um balanço negativo dos três anos de governo no Relatório Direitos Humanos no Brasil 2005, organizado pela Rede Social de Justiça e divulgado ontem. O documento afirma que não há mais tempo para mudanças: a herança para 2007 será uma situação explosiva para o próximo governo, seja ele de esquerda ou de direita.
O documento afirma que metas propostas pelo governo Lula em várias áreas - combate à fome, reforma agrária, alfabetização, política indígena, habitação urbana, geração de empregos, situação da Amazônia, meio ambiente, política de exportações - não foram cumpridas. O governo foi mal avaliado em todas elas. Só foi destacada melhoria no combate ao trabalho escravo.
Segundo os movimentos sociais, a meta do período 2003/2006 no Plano Nacional de Reforma Agrária, de assentamento de 400 mil novas famílias, está inviabilizada. A meta de 2005, de 115 mil famílias, não passará de 60 mil, sendo 20 mil delas do MST. Até agora, foram apenas 180 mil, menos da metade prometida e a maior parte apenas na Amazônia Legal.
Entidades não pretendem mais se envolver nas eleições
Dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) revelam que 44 crianças indígenas de até três anos morreram por desnutrição nos últimos 11 meses. Outros 136 indígenas, entre eles 86 crianças, morreram por falta de assistência médica, vítimas de doenças curáveis, como a pneumonia.
- Isso fora os suicídios, os assassinatos e os casos de alcoolismo entre os indígenas, confinados em áreas miseráveis- disse Paulo Maldos, assessor do Cimi.
Diferentemente de 2002, quando apoiaram Lula, as entidades não pretendem se envolver nas próximas eleições.
- A situação só pode piorar. O governo Lula, eleito para fazer as mudanças, não conseguiu sequer combater a fome e o analfabetismo. Essa inércia pode favorecer até mesmo a ação futura da direita no poder. Os movimentos continuarão fazendo política, mas voltados para a sociedade e com menos envolvimento no processo eleitoral - disse Maria Luísa Mendonça, uma das organizadoras do relatório e do Fórum Social.
Há críticas também do MST, tradicional aliado petista:
- Fizemos um contrato com o governo Lula, mas o governo também fez um contrato com o mercado financeiro, que vem sendo rigorosamente cumprido. Com o MST o acordo foi totalmente descumprido. Sem falar que até o entulho autoritário da legislação foi mantido. Nossa perspectiva é ocupar, pois não tivemos avanços no governo Lula - disse Gilmar Mauro, um dos líderes nacionais do MST.
"Não temos mais central sindical, a CUT é governo"
O desemprego também irrita antigas bases petistas, como a Pastoral Operária:
- Há desemprego em todas as classes sociais, sendo que nas mais pobres e jovens o índice chega a 56%. E o pior é que hoje não temos mais uma central sindical, os trabalhadores ficaram órfãos, já que a CUT hoje é governo. Temos que buscar caminhos de resistência - disse Paulo Pedrini.
Nos movimentos urbanos, como de sem-teto, a avaliação também é ruim. Segundo o coordenador do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Nelson Saulo, o déficit de moradias subiu de cinco milhões para sete milhões neste governo e a distribuição de financiamentos privilegia as classes média e alta:
- O Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal (CEF) não se entendem e a execução orçamentária fica pífia.
O programa Fome Zero e a política de segurança alimentar também são analisados no Relatório. Apesar de citar os avanços de ampliação aos benefícios, é destacado o fato de que se tratam apenas de políticas compensatórias e não transformadoras. A miséria continua crônica entre povos indígenas, quilombolas e afrodescendentes.

Ministério rebate críticas de ONGs
O secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, rebateu ontem as críticas do relatório da ONGs e disse não ser "razoável" afirmar que o governo não está cumprindo a meta de assentamento do Plano Nacional de Reforma Agrária. Segundo ele, desde o início do governo Lula já foram assentadas cerca de 200 mil famílias. Ele afirmou que, até o fim de 2006, serão assentadas outras 200 mil. Cassel afirmou ainda que o ministério termina 2005 assentando as 115 mil programadas.
- Estamos absolutamente convencidos que cumpriremos a meta, em função do ritmo implementado na reforma agrária.
Cassel disse que, em 35 anos de existência do Incra, foram assentadas 680 mil famílias, sendo 200 mil em apenas três anos de mandato de Lula. Sobre a violência no campo, o secretário-executivo afirmou que o governo atua firme nessa área e que o ministério conta com a Ouvidoria Agrária, cujo papel é mediar os conflitos no campo.
- Os responsáveis estão sendo punidos. Não tivemos massacres como o de Eldorado de Carajás, nessa gestão.
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), informou ontem em nota que o Fome Zero reúne 31 programas e ações, realizados por 11 ministérios. O órgão usou dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad), do IBGE, para demonstrar que o governo retirou da linha da pobreza cerca de 3 milhões de pessoas de 2003 para 2004, diminuindo a desigualdade.
Presidente da Funai reage às críticas
O presidente em exercício da Funai, Roberto Lustosa, reagiu as críticas e afirmou que o problema da saúde das crianças indígenas está sob controle, depois das mortes do início do ano. Lustosa citou a criação de um grupo interministerial para tratar do assunto.
- De lá para cá não foi registrada mais nenhuma morte.
'Os grandes ainda fazem o que bem querem'
Depois do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, em Anapu, Pará, o governo federal prometeu uma série de medidas. Dez meses se passaram e nada mudou, disse ontem irmã Jane Dwyer, a freira americana que trabalhava com Dorothy. Ela foi ameaçada de morte após o assassinato da companheira.
- Os pequenos continuam sendo forçados a obedecer aos grandes e os grandes ainda fazem o que bem querem, com o apoio da polícia e das autoridades - disse ela ontem, durante o lançamento do relatório Direitos Humanos no Brasil 2005.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, em Anapu 11 pessoas, entre padres, freiras e líderes sem-terra, estão na lista de marcados para morrer - a mesma lista em que o nome de Dorothy aparecia.

O Globo, 07/12/2005, O País, p. 15

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