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Meio ambiente vira moeda de troca

Correio Braziliense, Opinião, p. 11
Autor: GUETTA, Mauricio
26 de Jul de 2017

Meio ambiente vira moeda de troca

MAURICIO GUETTA
advogado do Instituto Socioambiental (ISA)

Michel Temer tem agraciado parlamentares com medidas destinadas a manter sua base no Congresso. O menor índice de aprovação de um governo em28 anos e os seguidos escândalos de corrupção resultaram na intensificação do toma lá dá cá, como observado na liberação de emendas parlamentares, moeda de troca pelo voto contrário à denúncia da Procuradoria-Geral da República.
Se passar ileso pela primeira denúncia, Temer deve enfrentar outras duas, o que poderá resultar em mais barganhas. No caso de afastamento, o próximo presidente pode ter que expandir as concessões para se eleger indiretamente.
O fisiologismo sempre foi a tônica da política brasileira, mas atingiu proporções assombrosas. Nesse cenário, a sólida legislação socioambiental brasileira está sendo objeto de negociações destinadas a angariar o apoio de bancadas parlamentares, como a do agronegócio, resultando em graves ameaças a temas nucleares, como áreas protegidas e licenciamento ambiental.
No caso das Medidas Provisórias 756 e 758, que pretendiam reduzir unidades de conservação (UCs) no sudoeste do Pará, a barganha parlamentar somente não se efetivou devido à pressão exercida pela sociedade e por governos e organismos internacionais.
Temer acabou por vetar medidas editadas pelo próprio governo, fato atípico. Seria louvável, não fossem eles meros "vetos para norueguês ver", dado que o governo se comprometeu com parlamentares paraenses e enviou, em 13/07, proposta semelhante ao Congresso, agora na forma de projeto de lei.
Numa das áreas ambientalmente mais relevantes e fragilizadas do país, a trapalhada governamental tem gerado mais devastação, além de grande turbulência social, cujo ápice se deu no recente atentado sofrido pelo Ibama, com o incêndio de caminhonetes destinadas à fiscalização. Longe de ser pontual, a ofensiva contra as áreas protegidas tem conotação sistêmica, a exemplo da proposta encabeçada pelo ministro Eliseu Padilha com parlamentares para reduzir UCs no sul do Amazonas.
O licenciamento ambiental, o mais efetivo instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, também está ameaçado. O Projeto de Lei 3.729/2004, que pretende estabelecer uma lei geral sobre o tema, tramita em regime de urgência e pode ser votado a qualquer momento no plenário da Câmara, mesmo sem ter sido debatido. Seu relator integra a bancada do agronegócio e já apresentou oito substitutivos, todos destinados a enfraquecer o licenciamento.
Exemplo disso é a proposta de dispensa geral e irrestrita para atividades de agricultura, pecuária e silvicultura, medida já considerada inconstitucional pelo STF. Soluções que são consenso entre especialistas para resolver os problemas do licenciamento têm sido desconsideradas, podendo resultar em prejuízos para todas as partes, inclusive no aumento da insegurança jurídica e de ações judiciais, além de danos ambientais irreversíveis, como os verificados no desastre de Mariana (MG).
As ameaças às UCs e ao licenciamento ambiental se mostram ainda mais inquietantes quando observado o exponencial aumento do desmatamento. Na Amazônia, o crescimento foi de 24% em 2015 e de 29% em 2016. Na Mata Atlântica, o incremento do desmatamento foi de 57%, entre 2015 e 2016. Para piorar, o orçamento dos órgãos ambientais tem sofrido sucessivos cortes, como os 51% ceifados do Ministério do Meio Ambiente em 2017.
Seja por alterações legislativas, seja pela falta de efetividade das políticas públicas, o Brasil caminha rumo ao abismo socioambiental, colocando em risco até o cumprimento de suas metas climáticas assumidas na Convenção do Clima em Paris. A sociedade brasileira deve reagir com ainda mais intensidade para impedir que interesses políticos imediatistas rifem a preservação do equilíbrio ecológico, a qualidade de vida e a dignidade humana, direitos fundamentais resguardados pela Constituição.

Correio Braziliense, 26/07/2017, Opinião, p. 11

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