VOLTAR

Longe do Acordo do Clima

O Globo, Opinião, p. 15
Autor: ASTRINI, Marcio
09 de Jun de 2017

Longe do Acordo do Clima
Dobradinha entre o governo Temer e a bancada ruralista está fazendo com que uma série de projetos extremamente danosos ao meio ambiente avance em ritmo acelerado

Marcio Astrini

A pior notícia ambiental dos últimos tempos veio da Casa Branca, com o anúncio de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris. Importante para combater as mudanças climáticas, o acordo contém compromissos para diminuir o ritmo de nossa poluição do planeta. Ações neste sentido são essenciais para evitar que eventos extremos vitimem ainda mais pessoas, principalmente os mais pobres.
Países como o Brasil, que são grandes produtores de alimentos, sofrerão com o desequilíbrio do clima. Lutar contra o aquecimento do planeta é, antes de tudo, um questão humanitária e de combate à desigualdade. Por conta disso, cerca de 200 países aderiram ao acordo. Um o abandonou.
Bater o presidente americano no quesito "inimigo ambiental" não é tarefa fácil, mas há quem se esforce. No Brasil, uma dobradinha política entre o governo Temer e a bancada ruralista está fazendo com que uma série de projetos extremamente danosos ao meio ambiente avance em ritmo acelerado.
Logo que ascendeu à Presidência, Temer agarrou-se com todas as forças ao Congresso. Esse era o melhor (e talvez único) caminho para se manter no cargo e ter alguma chance de aprovar suas reformas. A partir daí, bancadas parlamentares numerosas em voto, como os ruralistas, ascenderam às torres de comando do Planalto e ganharam a oportunidade de fazer virar lei muitos de seus projetos que estavam adormecidos nas gavetas do Legislativo, débeis de apoio popular ou mesmo por ferirem a Constituição. Começava aí um verdadeiro pesadelo socioambiental.
Encabeçam a lista de atentados contra o meio ambiente e direitos sociais as tentativas de enfraquecimento das regras de licenciamento ambiental e dos dispositivos de proteção das florestas e seus habitantes, como a eliminação ou diminuição de unidades de conservação e o ataque aos direitos indígenas e seus territórios. Projetos que beneficiam a concentração fundiária e a grilagem de terras também têm lugar de destaque.
Além destas, ainda estão anunciadas facilitações para o registro e uso de agrotóxicos, inclusive alguns altamente cancerígenos; a liberação da venda de terras para estrangeiros; a extinção do conceito de uso social da terra; a retirada de direitos do trabalhadores rurais e o avanço sobre estoques de terras públicas e de alto valor de conservação, entre outras.
Alguns destes temas já foram aprovados pela via expressa de medidas provisórias, enquanto outros aguardam na fila para serem publicados. Há ainda aqueles que estão em regime de votação urgente no Congresso.
Caso aprovadas, tais medidas colocarão abaixo grande parte do arcabouço legal que protege as florestas, seus habitantes e trabalhadores camponeses. Enquanto os ataques a unidades de conservação e terras indígenas atende a interesses de grupos locais, como garimpeiros e grileiros de terras, temas como o desmonte do licenciamento e a venda de terras para estrangeiros trarão um cenário de caos jurídico e colocarão em risco nossa soberania territorial e alimentar.
Haverá também reflexos no desmatamento e na violência no campo. Entre 2015 e 2016, a Amazônia registrou aumento de 29% na destruição florestal. Na Mata Atlântica, a alta foi de 57,7%. O enfraquecimento da proteção ambiental poderá piorar ainda mais estes números.
No campo, os sinais de escalada da violência são ainda mais alarmantes. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, os 37 assassinatos ocorridos nos cinco primeiros meses do ano já o qualificam como o mais violento da série histórica.
Alguns importadores de produtos agropecuários brasileiros já demonstram preocupação, pois não querem suas marcas associadas à destruição de florestas e escândalos de ordem social. Acordos de mercado, idealizados para evitar que tais problemas contaminem suas cadeias produtivas, começam a ruir. A ganância ruralista pode trazer consequências negativas à economia, num momento em que tudo o que não precisamos é de mais problemas nesta área.
Em comum, Trump e Temer usam o meio ambiente como moeda barata de troca para favorecer grupos de interesses econômicos e pagar dívidas políticas. Por aqui, a crise e o clientelismo que se instalaram no Palácio do Planalto potencializam o toma lá dá cá ambiental. Desta forma, mesmo sem anúncio formal, estamos também nos afastando do cumprimento dos compromissos de clima assumidos em Paris.

Marcio Astrini é coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil

O Globo, 09/06/2017, Opinião, p. 15

https://oglobo.globo.com/opiniao/longe-do-acordo-do-clima-21453149

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.