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Leis frouxas e leniência, a segunda tragédia de Mariana

O Globo, Opinião, p. 18
19 de Nov de 2015

Leis frouxas e leniência, a segunda tragédia de Mariana
País tem uma legislação contra acidentes ambientais com penas de ressarcimento irrisórias, frouxidão na aplicação de multas e fiscalização deficiente de atividades de risco

Ainda não se sabe quanto o desastre ambiental decorrente dos rejeitos da Samarco custará à mineradora. De imediato, a empresa foi multada em R$ 250 milhões e fala-se na aplicação de outras multas que também chegariam a esse valor - à parte um acordo da companhia, controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP, com o Ministério Público de Minas para destinar R$ 1 bilhão a obras emergenciais em Mariana. São valores que sequer arranham a soma dos prejuízos ambientais, sociais e econômicos provocados pelo rompimento da barragem na cidade mineira. E ainda assim, não há garantias de que sejam pagos integralmente.
Este é um dos aspectos deletérios subjacentes da tragédia de Mariana. Acidentes como o da semana passada sugerem que o controle de atividades como o de mineradoras no país obedece a uma lógica em que a segurança parece ser elemento secundário, quando, por óbvio, deveria ser prioritário. A uma frouxa política de fiscalização junta-se um tépido programa de punições, com, por exemplo, valores de multas que soam como licença para a negligência. Além disso, a legislação que regula as penas pecuniárias contém brechas que, não raro, as reduzem a valores pouco mais que simbólicos, quando nada bem abaixo da real capacidade de ressarcimento de prejuízos - como se desenha no caso da Samarco.
Comparados a episódios de acidentes de grandes proporções no exterior, os valores cobrados por danos ambientais no Brasil são irrisórios. Por comparação, o total de multas aplicadas, ou a serem impostas à Samarco, será bem inferior ao que foi cobrado da British Petroleum pelo acidente no Golfo do México em 2010 (US$ 26,1 bilhões, ou quase R$ 100 bilhões). Pior: a tradição brasileira de perdoar, ou aliviar, multas ambientais resulta num faz de conta punitivo. Segundo o TCU, das penas pecuniárias aplicadas pelo Ibama entre 2009 e 2013, apenas o equivalente a 1,76% do montante foi pago.
O notório episódio do rompimento de uma barragem da Rio Pomba Cataguases, também em Minas, em 2007, encerrou-se com uma redução de 80% da multa aplicada à mineradora, numa reparação ainda por cima dividida em 60 parcelas. No que diz respeito à fiscalização, o panorama não é melhor, particularmente naquele estado, onde há 736 barragens. Com um efetivo de quatro profissionais para inspeções, existe no estado uma relação de 184 represas para cada fiscal federal.
Essa junção de leniência na fiscalização de atividades potencialmente de risco e frouxidão dos dispositivos de reparação de danos mostra a face de um Estado hipertrofiado onde não é necessário, e tíbio na ponta onde deveria, de fato, funcionar - na prestação de serviços à população. O Leviatã é eficaz ao extremo, por exemplo, para cobrar impostos e encher escritórios com funcionários desviados de suas atividades-fim. O mar de lama de Mariana, ao mesmo tempo uma tragédia real e uma triste metáfora, parece se encaminhar para consolidar essa perniciosa equação.

O Globo, 19/11/2015, Opinião, p. 18

http://oglobo.globo.com/opiniao/leis-frouxas-leniencia-segunda-tragedia…

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