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Leilão, só no pós-crise

O Globo, Economia, p. 35-36
18 de Jan de 2015

Leilão, só no pós-crise
Governo estuda adiar 13 ª rodada. Mercado prevê mudança em política de conteúdo local

RAMONA ORDOÑEZ
ramona@oglobo.com.br
BRUNO ROSA
bruno.rosa@oglobo.com.br

Com a queda do petróleo e os escândalos de corrupção na Petrobras, o governo estuda adiar para o fim do ano a 13ª rodada de licitações, prevista para este semestre. Crise já leva mercado a discutir política de conteúdo nacional. O governo estuda adiar para o fim deste ano a realização da 13ª rodada de licitações de áreas no pós-sal (acima da camada de sal no oceano) para exploração de petróleo e gás. Inicialmente, o leilão estava previsto para o primeiro semestre. Segundo fontes do governo, a queda do preço do petróleo no mercado internacional, cotado abaixo de US$ 50 - que levou petroleiras a reduzirem investimentos -,e a crise da Petrobras são os principais motivos para o adiamento. Com os escândalos de corrupção, a estatal ainda não conseguiu publicar o balanço do terceiro trimestre de 2014. Entre as empresas do setor, a postergação da rodada é dada como certa.
A realização do leilão é vital para que as empresas mantenham o fluxo de investimento no país, já que o Brasil ficou sem realizar licitações de 2008 a 2013. Além disso, as licitações impulsionam o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. Do ponto de vista do governo, ampliam a arrecadação, com o pagamento de bônus. A médio e longo prazos, trazem benefícios aos cofres de estados e municípios com pagamento de royalties.
A previsão é que a 13ª rodada oferte blocos em terra e no mar. Estão incluídos, por exemplo, os chamados campos marginais (antigos) em terra, voltados para pequenas e médias empresas. Além disso, serão oferecidas áreas pouco exploradas no país, como a Bacia de Pelotas (RS e SC), na divisa com o Uruguai, além de bacias em todo o litoral, do Sul ao Nordeste. Também devem ser incluídas áreas na Bacia de Campos, principal região produtora do país.
PETROBRAS RECORRE A ESTRANGEIRAS
A rede de fornecedores é outro entrave ao leilão. Devido a indícios de formação de cartel para obter contratos, apurados na Operação Lava-Jato, 23 empresas estão proibidas de serem contratadas pela Petrobras. Com isso, reduziu-se a oferta de construtoras e prestadores de serviços para as empresas vencedoras. Tradicionalmente, a Petrobras é a que mais adquire áreas nas rodadas de licitações.
A Lava-Jato atingiu até mesmo entidades de classe. A Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval (Abenav) tinha como presidente Augusto Mendonça Neto, um dos executivos da Toyo Setal, que fez acordo de delação premiada no âmbito da operação da Polícia Federal. Procurada, a Abenav não quis comentar. Mendonça era também vice-presidente na chapa que venceu a eleição para o Sinaval, instituição que representa os estaleiros brasileiros instalados em diversas regiões do país. Segundo o Sinaval, ele renunciou ao cargo.
Diante desse quadro, a crise da Petrobras intensificou a discussão no mercado em relação ao critério de conteúdo local, que define o percentual mínimo de participação da indústria nacional nos projetos. Há dúvidas sobre como ele poderia ser aplicado numa nova rodada.
- Estuda-se levar a 13ª rodada para o segundo semestre. O cenário é incerto, com a situação das construtoras envolvidas em casos de corrupção. Essas construtoras, que passam por dificuldades financeiras, são donas de estaleiros e têm empresas de exploração de petróleo. E grandes petroleiras estão revendo planos de investimento por causa do preço do petróleo - disse uma fonte do governo.
As dificuldades com a política de conteúdo local já eram visíveis: de 2011 a 2013, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) aplicou multas no valor de R$ 36 milhões às petroleiras - estrangeiras, em sua maioria - pelo não cumprimento das regras de contratação de fornecedores locais. Deste total, foram pagos R$ 25 milhões. Especialistas lembram que a política de conteúdo nacional pode sofrer forte retrocesso a partir de agora, já que a Petrobras começou o ano fazendo licitações internacionais.
Para levar adiante o cronograma de seu plano de investimentos, fontes afirmam que a Petrobras decidiu convidar empresas estrangeiras para a construção de módulos de compressão de gás para seis navios-plataforma (P-66 a P-71), após encerrar o contrato com a Iesa, que está em recuperação judicial e faz parte do grupo de 23 empresas que não podem ser contratadas. A Petrobras não divulga a lista das companhias convidadas.
A expectativa do setor, agora, é para a licitação das unidades P-72 e P-73, que estava prevista para o ano passado, mas foi adiada. Segundo a Petrobras, a concorrência foi postergada devido à necessidade de ajustes no projeto, que serão finalizados até abril. A previsão é que o processo licitatório esteja concluído até o fim deste ano. Além disso, a Petrobras também decidiu fazer uma nova licitação para construir em Três Lagoas (MS) a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III, com o cancelamento do contrato com a Sinopec e a Galvão Engenharia, a qual está proibida de ser contratada pela estatal. Segundo a Petrobras, a nova licitação foi feita para concluir a obra no menor prazo possível. "Atualmente, estamos reavaliando o cronograma de implantação do empreendimento", disse em nota.
Gisela Mac Laren, do grupo naval Mac Laren, procurou a Petrobras este mês:
- Esperamos contribuir para que a Petrobras mantenha seu cronograma. Temos duas bases na Baía de Guanabara.
MINISTÉRIO DIZ QUE DATA ESTÁ MANTIDA
A companhia decidiu rescindir contratos de afretamento com a Astromarítima de duas embarcações de apoio (PSVs), já que a empresa, que encomendou a construção ao Estaleiro Eisa, "não apresentou plano para a recuperação de atrasos e entrega das embarcações". Omar Peres, conselheiro do Synergy Shipyard, controlador do Eisa, disse que os problemas ocorreram por atrasos nos pagamentos.
Com a principal cliente recorrendo a empresas no exterior e a perspectiva de adiamento do leilão, empresários avaliam que o governo será obrigado a rever a política de conteúdo local e alterar os percentuais mínimos exigidos, principalmente nas licitações da ANP. Nas últimas rodadas, o percentual ficou entre 60% e 70% na fase exploratória e de 75% a 85% na de desenvolvimento.
- As empresas do setor já sabem que o leilão não ocorrerá neste semestre. A Petrobras está replanejando seus objetivos, é temeroso falar em nova rodada a curto prazo - destacou o presidente de uma empresa do setor de petróleo, que não quis ser identificado.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) diz que, "a princípio", o leilão está mantido para o primeiro semestre. A ANP informou que não fixa as datas dos leilões, determinados pelo governo federal por meio do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Em relação à política de conteúdo local, o MME diz que ela sofre aprimoramento permanente e que não fará alterações em decorrência do descredenciamento temporário de fornecedores por parte de uma das empresas operadoras.
O presidente da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Eloi Fernandez, afirma que o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), executado pelo governo, não é suficiente para permitir a capacitação tecnológica das empresas e a formação de mão de obra qualificada:
- Fixar percentuais de conteúdo local não resolve. Estamos no meio de uma tempestade. É hora de ter uma política industrial para desenvolver o fornecedor nacional, gerar emprego e riqueza no país. Deve-se capacitar essas empresas para competir aqui no país e no exterior, não dependendo apenas de um cliente único.
Para Márcio Monteiro Reis, do escritório Barroso, Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, os índices de conteúdo local não são atingidos porque a indústria nacional não tem sido capaz de suprir os volumes exigidos.
- A política de conteúdo local já era ruim. Agora, vai piorar. Independentemente da crise atual, não se pode esquecer que o pré-sal é uma riqueza que pode gerar dividendos para o país. É importante que o país absorva parte das encomendas que serão demandadas, tanto de materiais como de mão de obra.
Algumas empresas temem alterações na política de conteúdo local.
- Não se pode colocar todas as empresas nacionais no mesmo balaio das companhias que estão impedidas de serem contratadas pela Petrobras - disse Miro Arantes, presidente do Vard Promar, que tem dois estaleiros, um em Niterói, onde são construídas quatro embarcações, e outro em Recife, que tem encomendas de oito unidades.

Exigências ambientais travam investimentos nas últimas rodadas
Falta de estudos sobre áreas licitadas atrasa desenvolvimento de projetos

Não bastasse o freio nas atividades do setor de óleo e gás no Brasil por causa dos escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras, as duas últimas rodadas de petróleo feitas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para exploração de áreas sob o regime de concessão vivem momento de impasse e atrasos. Em parte dos blocos arrematados em 2013, questionamentos ambientais travam o cronograma original de desenvolvimento dos projetos.
Na 11ª rodada, de maio de 2013, o impasse está localizado na Margem Equatorial, área entre Rio Grande do Norte e Amazonas permeada de espaços de conservação. Para que as empresa iniciem as atividades sísmicas nos blocos em alto-mar, o Ibama exige uma série de condicionantes ambientais. Resultado: dos 172 blocos arrematados no leilão, que incluiu outras áreas, 45 estão atrasados. Dos R$ 6,9 bilhões em investimentos obrigatórios totais previstos na fase exploratória, R$ 4,2 bilhões mal saíram do papel.
Já na 12ª rodada, de novembro de 2013, voltada para a exploração de blocos em terra, a possibilidade de descoberta de shale gas (gás não convencional) nas bacias de Paraná, Recôncavo (BA) e Parnaíba (PI) foi travada por decisões judiciais a pedido do Ministério Público Federal (MPF). A alegação é que não são conhecidos os impactos sociais e ambientais da tecnologia de exploração do shale gas. Dos 72 contratos da rodada, 47 tiveram de ser suspensos e, em alguns casos, cancelados pela ANP, que teve de abrir mão de R$ 389 milhões em investimentos mínimos.
- O setor de óleo e gás já está sofrendo com todas as questões envolvendo a Petrobras. Agora, as duas rodadas estão enfrentando questionamentos, o que pode inviabilizar o desenvolvimento dessas áreas devido aos custos das condicionantes. O cenário é de incerteza, e as companhias têm de ficar com os recursos (dinheiro) alocados - explica Alexandre Sion, da Sion Advogados.
MAIOR MANGUEZAL DO MUNDO
Especialistas dizem que a Margem Equatorial, da 11ª rodada, é desconhecida. Por isso, o Ibama exige estudos de monitoramento de praias, atividade de pesca e de cetáceos, e a dispersão de larvas de lagostas. Para Oscar Couto, da Lobo & Ibeas Advogados, os estudos levam tempo para coleta:
- As exigências surgiram pela falta de conhecimento da área. Segundo estimativas, o custo de sísmica por empresa subiu de R$ 500 mil para R$ 2,5 milhões.
O Ibama diz que espera receber a maior parte dos estudos ainda no primeiro trimestre. Entre as empresas, a Total - que arrematou áreas na Bacia do Foz do Amazonas - disse que trabalha em cooperação com o Ibama para que as licenças sejam concedidas em prazos que viabilizem o cumprimento das atividades previstas para cada área. A Petrobras, com diversos blocos na região, afirmou que mantém diálogo rotineiro com Ibama e ANP. Outras empresas que arremataram áreas na 11ª rodada, como BP, BG e Queiroz Galvão, não se pronunciaram.
Simone Paschoal Nogueira, da Siqueira Castro Advogados, elogia a decisão do Ibama. Ela lembra que a Margem Equatorial, que não conta com estudos ambientais, tem o maior manguezal do mundo, entre Pará e Maranhão. Porém, diz que não podem ser exigidas todas as informações ambientais durante o processo de obtenção de licença:
- As empresas de petróleo não podem mais minimizar a questão ambiental. Por isso, os trabalhos na rodada estão atrasados. A 12ª rodada está suspensa, já que não foi feito, por parte do governo, estudo ambiental das bacias sedimentares, como prevê a regulamentação.
Já a 12ª rodada é alvo de quatro ações do MPF de cidades do Paraná, São Paulo, Bahia e Piauí. Os procuradores alegam que o governo não fez a Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares (AAAS) demonstrando a viabilidade do uso da técnica de fraturamento hidráulico no país, que prevê grandes quantidades de água e aditivos químicos. Nas ações de Paraná, Bahia e Piauí, a Justiça atendeu o pleito do MPF e proibiu a exploração. Em São Paulo, não há decisão. Os autos do processo foram remetidos à Procuradoria-Geral Federal, responsável pela defesa da ANP, que é ré no processo ao lado das empresas que compraram os blocos.
- A exploração do gás pela técnica de fraturamento sem os estudos poderá causar danos ambientais irreversíveis. O leilão ocorreu de forma prematura e sem a devida informação. Existem áreas consideradas de alta vulnerabilidade e risco de poluição na região. Os blocos exploratórios estão inseridos no Sistema aquífero Guarani (maior reserva de água doce do mundo) - disse Luís Roberto Gomes, procurador em Presidente Prudente (SP).
PARA ANP, NÃO HÁ ATRASO
Ana Luci Grizzi, sócia da área ambiental do Veirano Advogados, diz que continua pendente a publicação de norma sobre requisitos ambientais (incluindo licenciamento) para uso da técnica de fraturamento hidráulico no país. Ela destaca que, com a situação ambiental indefinida e sem a AAAS para as regiões, o investidor é prejudicado:
- As questões ambientais não são impasse. O impasse é criado, pois não conseguimos fazer nosso país funcionar com a questão ambiental integrada ao desenvolvimento econômico.
Para o Ministério de Minas e Energia, o instrumento apropriado para o estudo das áreas é o licenciamento ambiental, não a AAAS. Além disso, destaca que opera em conjunto com Ibama e ANP. Com relação às ações judiciais, a Petrobras disse que "posterga a implementação do programa de trabalho planejado logo após a assinatura do contrato". A Petra, que comprou blocos no Paraná, informou que, neste momento de insegurança jurídica, os investimentos mais relevantes serão necessariamente postergados.
A ANP disse que só foram suspensas atividades nas áreas com potencial de shale gas (gás não convencional), com fraturamento hidráulico, até que haja regulamentação do Conama (grupo interministerial) sobre a técnica, bem como a avaliação ambiental das áreas. A agência frisou ainda que as rodadas não estão atrasadas.

O Globo, 18/01/2015, Economia, p. 35-36

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