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Financiamento é maior trava a acordo

Valor Econômico, Internacional, p. A13
Autor: CHIARETTI, Daniela
02 de Dez de 2015

Financiamento é maior trava a acordo

Daniela Chiaretti

Em Lima, na conferência das Nações Unidas sobre mudança climática de 2014, o negociador de um país em desenvolvimento desabafou: "Se eu for jantar hoje com um negociador de um país rico e ele pagar a conta, é capaz que coloque a despesa na rubrica de financiamento para mudança do clima. E eu não estou brincando." Um ano depois, na CoP-21, em Paris, financiamento continua sendo o tema mais difícil sobre a mesa de negociação do que pode ser o primeiro acordo climático global da história.
Quem pagará a conta e como se fará isso são dois dos temas controversos do capítulo de finanças que está no rascunho do texto em negociação em Le Bourget. Os países já concordaram em repartir o bolo das emissões, divulgando nas Nações Unidas metas voluntárias de cortes de emissões de gases-estufa, as chamadas INDCs. A próxima divisão é o dinheiro, querem os países desenvolvidos. O problema é que os em desenvolvimento não concordam.
"Antes apenas os desenvolvidos tinham obrigações de cortar emissões. Com as metas voluntárias que cada país levou à ONU, isso ficou pulverizado", diz um negociador de um país em desenvolvimento. "Agora os países desenvolvidos querem dividir a responsabilidade dos recursos financeiros", continua. "Dinheiro é a próxima fronteira."
Nas 55 páginas do texto-rascunho que negociadores estão discutindo em Paris, o artigo 6, sobre finanças, deve ficar para "o último segundo da negociação", como definiu ao Valor a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira.
Há duas opções sobre quem deve financiar a economia de baixo carbono e ajudar os países em desenvolvimento a se adaptar aos impactos do clima, explica Mark Lutes, especialista em finanças do WWF.
A primeira, um cardápio oferecido pelos países ricos, tem várias nuances e uma ideia central: alargar o número de países doadores.
A Convenção do Clima determinou há 23 anos que os países da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) são os únicos responsáveis por providenciar recursos para combater a mudança do clima, carapuça que essas nações não querem mais vestir sozinhas. "O mundo mudou desde 1992", costuma argumentar Miguel Arias Cañete, o principal negociador europeu, coro entoado também por americanos, japoneses e australianos.
De fato, Qatar, Cingapura, Brunei e Kuait, além de Emirados Árabes, Arábia Saudita e Bahrein estão hoje no topo dos países mais ricos do mundo e nenhum deles é listado como desenvolvido nos anexos da Convenção do Clima. Ou seja, não têm obrigações, no regime climático, como os Estados Unidos ou a Europa, de prover recursos para ajudar os outros.
Os países em desenvolvimento, reunidos no grupo conhecido por G-77 e China, reagem a essa afirmação. Em outubro em Bonn, em uma das rodadas de negociação do acordo, o G-77 fez uma declaração onde os países em desenvolvimento se dizem "confrontados com a narrativa simplista que sugere que o mundo mudou".
O texto-rascunho do acordo que está sobre a mesa dos negociadores está cheio de trechos entre colchetes, o que quer dizer que não há consenso entre os países.
No rascunho do acordo, os países ricos dizem que o fluxo financeiro para promover a economia de baixo carbono deve vir de todos, "de acordo com suas responsabilidades e capacidades". Essa é a alternativa preferida dos desenvolvidos porque acaba com a divisão binária de ricos que pagam, e os outros, que recebem, explica Lutes.
A opção mais branda em negociação diz que os países ricos têm que liderar a iniciativa mas "junto a economias em transição". Há uma opção mais aberta que diz que devem contribuir os países "em condições de fazer isso".
Os países em desenvolvimento defendem um texto em que a responsabilidade recai sobe os países desenvolvidos. "Em muitos tópicos do acordo o G-77 e a China não negociam como um bloco. Mas isso não
acontece quando o assunto é finanças", diz Lutes.
No bloco dos países em desenvolvimento há nuances também. Entre os emergentes, a China anunciou que colocará US$ 3,1 bilhões em cooperação Sul-Sul, prática que o Brasil também apoia. O Brasil também apoia a ideia de instrumentos de mercado que ajudem a financiar a adaptação e mitigação de gases-estufa, desde que em base complementar.
Mas países que se alinham em um grupo mais radical da negociação (conhecido por "Like Minded Group", onde estão Índia, Bangladesh, Síria, Vietnã, Argentina e Cuba, entre outros) não são flexíveis à ideia de expandir o grupo de quem tem responsabilidades em financiamento.
Um dos pontos de tensão é verificar se os países ricos cumpriram suas promessas até agora. "Eu diria que cumpriram muito mal. E agora, no novo acordo, querem expandir os países com obrigação de financiamento, postura que não gera boa vontade no mundo em desenvolvimento", avalia Lutes.
Em 2009 os países ricos prometeram chegar a 2020 colocando US$ 100 bilhões ao ano, em ações para cortar emissões ou de adaptação à mudança do clima nos países em desenvolvimento. Esse dinheiro poderia ser público ou privado, de doação ou empréstimos. Um relatório recente da OCDE estimou que esse desembolso anual estava em US$ 62 bilhões em 2014.
No capítulo de finanças, do texto-rascunho, há outro ponto de grande conflito - como aumentar a escala dos compromissos. Os Estados Unidos não querem falar em números. Para os países em desenvolvimento a cifra deve partir dos US$ 100 bilhões ao ano, em 2020, e subir a partir daí. O negociador-chefe do Brasil, José Antonio de Marcondes Soares, diz que os famosos US$ 100 bilhões são insuficientes e que o Brasil irá propor outro número na CoP-21.
"Seguir com US$ 100 bilhões ao ano, no pós-2020, é o mínimo que se pode esperar", diz Lutes. As ONGs esperam, também, que existam compromissos numéricos coletivos, dos países desenvolvidos, a cada cinco anos.
Outro ponto nas entrelinhas do debate em Paris é o argumento dos países desenvolvidos, cada vez mais forte, da importância dos recursos privados. "As duas fontes de recursos são importantes", diz Lutes.
"Recursos públicos são importantes para financiar a adaptação. Mas investimentos privados são importantes sempre que se precisa promover grandes mudanças na economia."
Essa encrenca deve ficar para a segunda semana da CoP-21, quando ocorre o segmento ministerial.

Valor Econômico, 02/12/2015, Internacional, p. A13

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