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Emergência na Antártica

O Globo, Ciência, p. 42
01 de Mar de 2007

Emergência na Antártica
Brasil lança exploração inédita para entender impacto do aquecimento global

Roberta Jansen

A imagem mais comum da Antártica é a de um lugar remoto, cheio de gelo e totalmente desconectado do país de praias e matas densas. Mas não é bem assim. Algumas regiões do Brasil estão mais próximas do continente gelado do que da floresta amazônica, e alterações na camada de gelo antártico e na biodiversidade local têm um impacto tão profundo no país quanto as queimadas na Amazônia, sobretudo em tempos de aquecimento do planeta.

A consciência desse papel tem aumentado nos últimos tempos entre os cientistas e culmina agora com a participação inédita do Brasil no Ano Polar Internacional (API) que começa hoje. O país integra a iniciativa com sete projetos, orçados em R$ 9,2 milhões, e a certeza de que a compreensão do que ocorre por lá é estratégica para o clima, a biodiversidade e a economia nacionais. É o maior esforço conjunto do país no continente desde a criação do Programa Antártico Brasileiro, em 1982.

- A participação do Brasil é resultado desses 25 anos de experiência - afirma a bióloga Edith Fanta, da Universidade Federal do Paraná, integrante do comitê internacional do API.

- São mais de 20 anos de continuidade de pesquisa, apesar da falta de recursos. Para o Brasil, é um fenômeno em termos de ciência.

E o API tem nesta quarta edição um desafio inédito e urgente: compreender melhor o impacto do aquecimento global em formações de gelo que permaneceram estáveis por milênios, mas que, nos últimos anos, apresentam uma acelerada redução. Determinar como funciona o intrincado sistema climático mundial e como tamanho degelo vai alterar a vida no planeta são algumas das principais metas desse programa de estudo, que reunirá cientistas de 65 países.

- Vamos ampliar significativamente nosso conhecimento das regiões polares e como elas influenciam o planeta - aposta a bióloga Lúcia Siqueira Campos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, representante do Brasil no Comitê do Censo de Vida Marinha Antártica. - E ter um bom número de nações trabalhando juntas no mesmo período é essencial para compor um quadro claro de como esses sistemas funcionam em relação ao resto do planeta.
Um país sozinho não conseguiria fazer isso.

O papel oculto do refrigerador do mundo
O foco nas questões climáticas é compreensível dadas as previsões de aumento das temperaturas médias globais até o fim do século em razão da atividade humana. As regiões polares são de especial interesse por serem as áreas mais sensíveis ao aumento do calor. Tudo o que ocorre no Ártico, por exemplo, é crítico para a regulação da corrente do Atlântico Norte, responsável, entre outras coisas, pelas temperaturas mais amenas do norte da Europa em relação às do norte do Canadá. Já se sabe que a área de mar congelado diminui 3% por década.
A Antártica reúne 90% do gelo do mundo, é o refrigerador da Terra. Por isso, tem um impacto direto na circulação das correntes oceânicas, do ar e, conseqüentemente, no clima.
Tais fenômenos influenciam diretamente o clima no Brasil, recursos pesqueiros, agricultura e também a biodiversidade. Além disso, é estratégico para o país ter voz ativa sobre uma região que concentra parte das riquezas minerais inexploradas do mundo e que é uma rota importante de navegação.

- Hoje a influência da Antártica no Brasil é muito clara - sustenta o glaciologista Jefferson Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. - As chamadas friagens que penetram a Região Sul são massas de ar frio formadas no oceano circumpolar. As banquisas são um dos principais controladores do clima América do Sul adentro, até a Amazônia. No caso do Brasil, as frentes antárticas interferem diretamente em culturas agrícolas e até na incidência de doenças pulmonares. Sobretudo, afetam o mito do país tropical, distante do impacto do gelo.

Oito motivos para o Brasil se importar com a Antártica

1. A Antártica controla o clima do Hemisfério Sul. As frentes frias nascem lá. Informações sobre o clima na Antártica melhorarão a previsão do tempo, essencial para a agricultura, a geração de energia hidroelétrica e mesmo para saber se vai chover ou fazer sol.

2. Metade da costa brasileira recebe ventos vindos da Antártica.

3. Mudanças climáticas observadas no Brasil podem ser, em parte, uma resposta às alterações verificadas na Antártica.

4. Correntes marinhas originárias da Antártica influenciam diretamente a produtividade da pesca no
Brasil. Elas trazem animais, nutrientes e oxigênio para o nosso litoral.

5. Há sinais significativos da existência de imensos depósitos de minerais.

6. As águas à volta da Antártica têm abundante fauna marinha e se investiga se poderiam ser exploradas de forma sustentável.

7. O tráfego marítimo internacional tem se intensificado pelas rotas do Cabo (África do Sul) e dos Estreitos de Drake e de Magalhães (América do Sul). Isso tem potencial reflexo nas águas sob jurisdição do Brasil.

8. A comunidade internacional tem interesse crescente na Antártica e o Brasil precisa participar da discussão sobre o uso do continente.

O Globo, 01/03/2007, Ciência, p. 42

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