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Em defesa das águas

O Globo, Economia, p. 22
Autor: LEITÃO, Míriam
19 de Nov de 2014

Em defesa das águas

Míriam Leitão

O Brasil é mesmo um país intenso. Enquanto os desdobramentos do caso Petrobras são cada vez mais tóxicos, uma grave crise hídrica ameaça o abastecimento da maior cidade do país e eleva o custo da energia. Nesse contexto, o Ministério Público Federal entrará hoje na Justiça em seis estados com ações para defender as águas contra a atuação da Agência Nacional de Águas (ANA).
O MP quer que a ANA seja proibida de outorgar direitos de recursos hídricos, alegando que ela tem feito isso de forma ilegal, já que não existem comitês de bacias, como manda a lei, em toda a região Norte. Os procuradores alegam que isso pode afetar todo o equilíbrio hídrico do país.
O Ministério Público cita o relatório recente do professor Antonio Nobre que mostra que há uma ligação direta entre as águas do Norte e as chuvas no Centro-Sul. Ele diz que o ecossistema da Amazônia é o coração do ciclo hidrológico brasileiro que fornece umidade para as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul. O MP dirá, nas ações que estavam ontem sendo concluídas, que a maneira como estão sendo expedidas licenças para os usos econômicos de águas, como a construção de hidrelétricas, mineradoras e empreendimentos agropecuários, coloca em risco o suprimento de água no resto do país, além, evidentemente, do seu impacto local.
"O que ocorre no Sudeste e no Nordeste é um vislumbre dos riscos que correm os rios da bacia amazônica, em pior situação por nem sequer se observar a precaução obrigatória da gestão participativa dos recursos", diz a ação.
O que o MP alerta é que a Constituição determina que sejam criados comitês de bacias. Eles não foram criados na Amazônia. É obrigatório também fazer o planejamento do uso das águas seguindo as prioridades estabelecidas por lei, e no topo dela está o uso humano. A ANA não cria os comitês, mas sem eles ela não poderia emitir a "Declaração de Reserva de Disponibilidade Hídrica" para os empreendimentos que estão sendo licenciados para as bacias dos rios Tapajós, Teles Pires, Madeira, Ji-Paraná, Negro, Solimões, Oiapoque, Jari, Araguaia, Tocantins e Trombetas. O MP diz que a Constituição não está sendo seguida onde há maior volume de águas no país, seja de superfície, pelos rios, seja subterrânea, pelos aquíferos.
A ação que vai ser ajuizada em Rondônia levanta o problema das hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, lembrando que estão previstos mais três empreendimentos. Diz que foi trágica a enchente de 2014 e que as causas estão sob investigação. "Se com apenas dois desses empreendimentos os desdobramentos chegaram a patamares nunca antes observados, e ainda não se tem certeza da exata influência da construção das barragens nos acontecimentos, que dirá do impacto sinérgico deles com mais outros três? Qual é o tamanho da irresponsabilidade governamental?"
Em Porto Velho, a ação do MP é sobre a Bacia do Rio Madeira; em Manaus, serão sobre as bacias do Negro e do Solimões. Em Boa Vista, sobre a Bacia do Rio Branco. Em Cuiabá, sobre a bacia dos rios Tapajós e Teles Pires; em Oiapoque e Laranjal do Jari, sobre o Rio Jari e Oiapoque; em Redenção, sobre Araguaia-Tocantins e, em Santarém, sobre Trombetas.
Os procuradores dizem que pela lei brasileira sem os comitês de bacias e sem o planejamento do uso dos recursos hídricos, a Agência Nacional de Águas não pode licenciar qualquer projeto na região. E tem licenciado.
Alguns desses projetos, como se sabe, podem sofrer as mesmas acusações de pagamento de comissões a políticos que as obras da Petrobras. São duas frentes separadas de trabalho, mas que juntas mostram a complexidade do Brasil.

O Globo, 19/11/2014, Economia, p. 22

http://oglobo.globo.com/economia/miriam/posts/2014/11/19/em-defesa-das-…

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