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E se...

Valor Econômico, Opinião, p. A13
Autor: SILVA, Marina
31 de Mar de 2016

E se...
O futuro não se prevê, prepara-se. Essa é uma possibilidade que precisa estar no horizonte de nossas escolhas

Marina Silva

Atravessamos a mais aguda crise política, econômica e social de nossa história recente. "O Brasil está parado", é a frase que se ouve, de Norte a Sul, em todos os setores da economia e da sociedade. De fato, vivemos uma recessão sem precedentes e paradoxal, pois há aumento generalizado de preços mesmo com a redução visível no consumo, sintoma de desarrumação na economia e abalo em seus fundamentos. As consequências sociais são graves, com aumento do desemprego e perda de renda, fazendo o país retroceder a patamares de pobreza que pensávamos ter superado definitivamente. É como se estivesse tudo afundando e não tivéssemos onde segurar.
Mas o mais grave é a impressão generalizada de que não há perspectiva de melhoria no horizonte. Todos sabemos que a crise econômica e social tem íntima ligação com o curto-circuito no sistema político. O fator gerador e agravador da crise é o atraso na política, que tem efeito paralisador sobre os instrumentos de gestão econômica, sobre a credibilidade do país e sobre o ânimo da sociedade e sua capacidade de encontrar saídas e soluções.
Vamos ter que fazer um esforço para renovar as esperanças e aumentar a criatividade. Para começar, temos que compreender profundamente a ideia, tantas vezes repetida, de que a crise é também oportunidade. No nosso caso, oportunidade de mudar. Temos que olhar para cima e pensar: "e se tentarmos de outro jeito?" Afinal, para lembrar outra ideia bem conhecida, insistindo nos mesmos procedimentos não podemos chegar a resultados diferentes.
E se a revelação das relações promíscuas entre algumas empresas e a política nos levasse a estabelecer outro padrão nas contratações do setor público e no comportamento das empresas, com estruturas de governança mais transparentes e procedimentos de controle mais efetivos? Não é uma suposição absurda. A possível delação dos principais executivos da empresa Odebrecht, se for de verdade, forçará a empresa o mudar radicalmente suas práticas empresariais, no Brasil e no mundo. E uma empresa desse porte certamente provocará uma mudança de padrão em todo o setor.
E se, tendo consciência de que as obras de infraestrutura podem ter como motivador, além dos benefícios reais ou alegados, também o financiamento invisível de campanhas políticas, nós mudássemos a forma como discutimos e decidimos sobre as opções tecnológicas de geração de energia e de investimentos no setor de mineração? Talvez assim não fosse necessário pressionar o Congresso Nacional para aprovar leis que flexibilizam o licenciamento ambiental e que desconsideram totalmente as populações locais e seus modos de vida.
E se o desemprego causado pelo comprometimento da competitividade da indústria nacional nos levasse a pesquisar novas possibilidades de desenvolvimento, mais compatíveis com o que foi acordado na Conferência do Clima (CoP) de Paris no final do ano passado, e que já vem influenciando as decisões de investimento nas principais economias do mundo? Assim, em vez de sermos deixados para trás na incapacidade de acompanhar os padrões de desenvolvimento mais modernos, seríamos líderes na transição para uma nova economia de baixo carbono.
O Brasil não pode imaginar que vai sair dessa crise rebaixando seu padrão de desenvolvimento. Aliás, podemos dizer que uma parcela da crise que vivemos deve-se a uma mentalidade desenvolvimentista que atropela os fundamentos econômicos e desconsidera a sustentabilidade como ideia orientadora.
Já tivemos, na década de 1970, a mão forte do Estado arrogando-se condutor absoluto do desenvolvimento e controlador da ordem social. Superamos os entraves de um regime autoritário com a reconquista da Democracia. Vivemos tempos difíceis de descontrole na economia, mas adotamos a eficiência e o equilíbrio macroeconômico como diretrizes, e isso nos possibilitou recuperar a credibilidade no mercado internacional e nos tirou de um processo inflacionário avassalador. E até a marca das desigualdades sociais históricas, que se arrastam desde o período colonial e escravagista, já conseguimos mudar quando demos prioridade à justiça social na ação do Estado e assim tornamos possível que mais de 30 milhões de pessoas saíssem da linha de pobreza absoluta.
Quando temos uma ideia central que inverte o sentido dos problemas em soluções, superamos limites que pareciam insuperáveis e vencemos crises que pareciam invencíveis.
E se, finalmente, colocássemos na nossa agenda a prioridade urgentíssima de um novo acordo para o desenvolvimento? Se combinássemos as exigências de eficiência e competitividade na economia com o equilíbrio e a justiça social, com a democracia mais ampla e moderna, tendo como parâmetro orientador a exigência incontornável do século 21, a sustentabilidade?
Podemos, sim, sair dos estreitos limites da opção entre caminhos já conhecidos e passarmos à condição de escolher - escrupulosamente e criteriosamente - os passos que nos levam a outro caminho.
Diante de tantos riscos e incertezas quanto a nossas possibilidades de futuro, é sempre bom lembrar a sábia admoestação de Sêneca: "Não há vento favorável para quem não sabe para onde quer ir". Não custa nada responder à adequada provocação do filósofo e a do advogado romano, lançando mão da assertiva afirmação de um outro filósofo, o francês Maurice Blondel, para quem "o futuro não se prevê, prepara-se". Essa é uma possibilidade que precisa estar no horizonte de nossas escolhas.

Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da República em 2010.

Valor Econômico, 31/03/2016, Opinião, p. A13

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