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A disputa para liberar grandes obras

GM, Saneamento & Meio Ambiente, p. A9
08 de Mar de 2004

A disputa para liberar grandes obras
Petrobrás e Vale acusam governos de negar os pedidos por motivos políticos, e não técnicos.

O embate entre empresas e governos estaduais em torno de concessões de licença ambiental para projetos de grande porte ultrapassou as questões técnicas e ganhou contornos políticos. É o que está ocorrendo, no momento, com duas grandes empresas - a Petrobrás e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).

A Petrobrás trava uma batalha com a governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho (PMDB), em torno da obtenção de licença para construção de um oleoduto que escoará o petróleo da Bacia de Campos até São Paulo. A Vale, por sua vez, está numa queda de braço com o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), com o objetivo de conseguir o aval para a construção de um mineroduto, que levará a bauxita de Paragominas a Barcarena e a licença para exploração da mina. A CVRD aguarda que o Estado convoque uma reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente para a liberação da licença. Mas o governo não deu sinais de que pretende marcar uma data a curto prazo.

Apesar de projetos distintos, as situações das duas empresas se assemelham na forma como vêm sendo conduzidas. Petrobrás e Vale acusam os respectivos governos de usar a questão ambiental como moeda de troca política. No Rio, a direção da estatal afirma que a governadora Rosinha vem criando barreiras na área ambiental como forma de pressão para a construção de uma refinaria no Estado. A refinaria, nessa linha de raciocínio, seria usada na campanha eleitoral em 2005.

A tese é rechaçada pelo governo. Mas Rosinha insiste em que a Petrobrás elabore um projeto de desenvolvimento permanente para o Norte fluminense, sob o argumento de que o oleoduto pode comprometer o desenvolvimento da região no futuro, quando a exploração de petróleo não for mais viável. Além disso, no final do ano passado, o governo do Rio sancionou uma lei determinando que a construção de qualquer oleoduto no estado, com diâmetro igual ou superior a 30 polegadas, terá de ser aprovada pela Assembléia Legislativa.

A decisão sobre o local onde a refinaria será instalada ainda não foi tomada, mas, internamente, a Petrobrás já definiu que não será no Rio. Diante do impasse em relação ao oleoduto, a empresa partiu para a estratégia de divulgar o projeto e obter a adesão da opinião pública. Serão investidos R$ 4,65 bilhões, com conteúdo nacional mínimo de 70%, a maior parcela no próprio Estado do Rio e 34 mil empregos vão ser gerados durante a sua construção. Além disso, o oleoduto vai elevar o pagamento de royalties para os 19 municípios localizados ao longo do duto.

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ainda está analisando o projeto ambiental, mas o governo do Rio alega que a decisão terá que ser do órgão estadual, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema). Para a direção do Ibama, no entanto, a exigência não tem respaldo legal. "As competências estão bem claras na legislação ambiental. Quando um projeto tem impacto em dois ou mais estados, a competência é do Ibama", disse o diretor substituto da área de licença ambiental do Instituto, Luiz Felippe Kunz Júnior. A construção do oleoduto se enquadra nesse caso, uma vez que ligará o Rio a São Paulo.

O deputado Carlos Minc (PT-RJ), um defensor de políticas de proteção ao meio ambiente, é favorável à construção do oleoduto no Rio. Ele argumenta que a alternativa da Petrobras caso o governo vete o projeto - a de aumentar o transporte de petróleo em navios - é mais perigosa do ponto de vista ambiental. "As motivações são políticas, até porque este governo nunca demonstrou apreço por questões ambientais, tanto que cortou três quartos do orçamento para o meio ambiente", disse.

Agenda Pará

Do outro lado do País, os conflitos entre a Vale do Rio Doce e o governo paraense apontam para um desfecho jurídico. A direção da Vale diz que o governador Jatene condicionou a concessão ao financiamento de uma série de projetos batizados de "Agenda Pará". O governo do Pará nega que uma coisa esteja atrelada a outra, mas confirma a proposta encaminhada ao presidente da CVRD, Roger Agnelli, para a participação da mineradora na Agenda Pará. Para o governo do estado, a Vale obtém em seu território a maior parte de seu faturamento, sem dar nada em troca.

"A forma, lamentavelmente distante, e a visão muitas vezes utilitarista com que a empresa tem se posicionado diante do Estado, acabaram por permitir a difusão do sentimento de que, para a Vale, o Pará só vale para ser subtraído em suas riquezas, o que acabou sendo potencializado com o atual episódio da usina de placas", disse o governador em ofício enviado a Agnelli. O referido episódio, uma espécie de gota d'água no já difícil relacionamento entre a mineradora e o governo do Pará, foi a decisão da Vale de construir uma siderúrgica no Maranhão, e não no Pará, utilizando o minério paraense extraído de Carajás.

No ofício, Jatene diz que "as constantes tentativas da empresa de sensibilizar a sociedade paraense, demonstrando eficiência e anunciando novos e volumosos investimentos na extração mineral, só reforçam o sentimento de que mais rapidamente as riquezas do Estado serão exauridas".

A "Agenda Pará" contempla uma série de ações a serem conduzidas pela Vale no estado, como a realização da metalurgia do cobre, ações para a verticalização do alumínio, criação de unidade de sinterização em Marabá, reflorestamento de 200 mil hectares e a construção de 40 mil casas para a população de baixa renda. Interlocutores do governador enfatizam que o cumprimento da Agenda Pará nada tem a ver com a concessão da licença ambiental.

A Vale tem outra visão. E a direção da empresa já comunicou ao Ibama seu interesse para que o órgão passe a ser o responsável pelo caso. Segundo Felippe Kunz, a Resolução 237 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) prevê a possibilidade de transferência de licenciamento estadual para o órgão federal quando não forem cumpridos os prazos de concessão. Mas até agora não há decisão sobre o assunto. "Só vamos analisar o caso quando o prazo expirar, o que ocorrerá no dia 17 de março", disse Kunz.

O início de produção de mina de bauxita em Paragominas estava previsto para 2003 e o adiamento custa à mineradora a paralisação do processo de expansão da cadeia do alumínio, uma vez que permitiria a expansão da produção de alumina. Paralelo a isso, a empresa quer construir um mineroduto de mais de 800 km para escoar a bauxita até Barcarena, onde está a Alunorte, para o processamento.

Diante da demora na aprovação da licença, além de recorrer ao Ibama para que substitua a Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) no processo de avaliação, a CVRD entrou com duas ações na Justiça de Belém requerendo a convocação de uma reunião do Conselho para decidir sobre a questão. E deixou claro que não tem interesse em financiar casas populares.

GM, 08/03/2004, Saneamento & Meio Ambiente, p. A9

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