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09 de Ago de 2024
Dia do Fogo': Em 5 anos, queimadas cresceram, multas não foram pagas e ainda houve crédito subsidiado a envolvidos
Levantamento do Greenpeace, aponta um histórico de impunidade
Miriam Leitão
09/08/2024
As queimadas continuam, a criação pecuária cresceu, as multas não foram pagas e parte das propriedades envolvidas na destruição da floresta ainda tiveram acesso ao crédito rural, subsidiado pelo governo, ou seja, com o dinheiro de todos nós. É esse cenário encontrado pelo Greenpeace Brasil em levantamento, ao o blog teve acesso em primeira mão, feito com 478 imóveis rurais envolvidos no que ficou conhecido como o "Dia do Fogo", quando, em 10 de agosto de 2019, produtores rurais do interior do Pará em uma ação coordenada, combinada em grupos de WhatsApp, ateou fogo em áreas de Floresta Amazônica, principalmente a partir das margens da BR-163.
O Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais do Departamento de Meteorologia da UFRJ, que dimensiona a área queimada através das cicatrizes que ficam após o fogo, aponta que, entre 2019 e 2023, nessas propriedades houve anualmente uma devastação superior a 140 mil hectares. A maior área de queimadas foi registrada em 2020, 275 mil hectares.
Thaís Bannwart, porta-voz do Greenpeace Brasil, destaca 65,2% desses 478 imóveis foram embargados por diversas infrações, mas apenas 10,47% por uso ilegal do fogo, o que, diz, demonstra uma subnotificação neste caso. Thaís chama atenção para o fato que apesar de terem sido identificadas 662 multas direcionadas a essas propriedades, totalizando R$ 1.277.113.955,90, houve o pagamento de apenas R$ 41.380, ou seja, 0,003% do montante. Entre 2018 e 2022, foi registrado um aumento na área de pastagem de 30,8% e a de agricultura de quase 55% na área de abrangência dessas propriedades.
- É um histórico de impunidade. E além disso, chama atenção o fato de parte dessas propriedades que fizeram queimadas, devastando a floresta, conseguiram recursos para o desenvolvimento da agropecuária com financiamento do crédito rural que tem juros subsidiado pelo governo - diz Thaís.
Segundo o levantamento do Greenpeace, 29 das 478 propriedade têm um histórico de financiamento via crédito rural, totalizando 127 transações e um montante de R$ 201.418.002,16. A maior parte dessas operações, 74%, tiveram a finalidade de aquisição, criação e manutenção de bovinos, uma soma de R$ 134.473.688,80.
- Isso é o que conseguimos levantar, pelo sistema de crédito rural. No entanto, o volume de recursos acessados por esses empresários que promovem a devastação da floresta pode ser muito maior. Está claro que falta ao sistema de crédito rural do governo regras mais rigorosas, assim como ao sistema financeiro como todo critérios de impedimento socioambientais - critica a porta-voz do Greenpeace.
Em junho, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a oito bancos que encerrassem financiamento a imóveis em terras indígenas, florestas públicas e áreas de proteção da Amazônia, após denúncia do Greenpeace de que foi concedido crédito bancário a milhares de propriedades rurais irregulares na região. O prazo para esclarecimento das instituições bancárias, inicialmente, de 30 dias, foi postergado e ainda não há desdobramentos sobre essa notificação.
Thaís aponta ainda há falha na rastreabilidade da carne, diante da identificação de transações de gado entre área irregular na floresta para fazenda regularizada e posterior venda para grandes empresas do segmento:
- O sistema atual não faz o rastreamento de toda a cadeia, o que permite esse tipo de transação ilegal e a potencial chegada a nossa mesa de carne vinda de área de desmatamento. É preciso aprimorar esse sistema.
"Ainda, 65,2% dos imóveis foram embargados por diversas infrações, mas apenas 10,47% por uso ilegal do fogo, o que demonstra uma subnotificação neste caso. Também, foram identificadas 662 multas que totalizam R$ 1.277.113.955,90, onde apenas R$ 41.380,00 foram pagas, denotando a impunidade que perpassa esses crimes ambientais. Essa impunidade não pode prosseguir", comenta Bannwart.
A análise do Greenpeace Brasil também mostra que parte dos imóveis rurais que registraram focos de calor no "Dia do Fogo" se sobrepõem às áreas de Florestas Públicas Não Destinadas (FPND). Foram mapeados 106.594 hectares de intersecção entre os imóveis rurais e florestas sem destinação registrada em 2022 (dado mais recente disponível acerca das FPND). Entre agosto de 2018 e julho de 2023, foi registrado um desmatamento de 18.692 hectares dentro dos limites dessas propriedades em FPND, uma extensão maior que a área urbanizada de Belém, capital do Pará.
na região.Dia do Fogo, em 10 de agosto de 2019, quando grupos de ruralistas no WhatsApp combinaram de botar fogo na Amazônia a partir das margens da BR-163.
O dia 10 de agosto poderá ser classificado como um momento-chave na história recente da Amazônia . Hoje, ele já é conhecido como o "Dia do Fogo", quando produtores rurais da Região Norte do país teriam iniciado um movimento conjunto para incendiar áreas da maior floresta tropical do mundo. Essa suspeita está sendo investigada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
Dados compilados pelo Greenpeace Brasil mostram que os 478 imóveis rurais envolvidos no episódio conhecido como "Dia do Fogo", ocorrido no Pará entre 10 e 11 de agosto de 2019, seguem com altos índices de desmatamento e queimadas recorrentes. Apesar das ilegalidades, 29 dessas propriedades foram financiadas pelo crédito rural - instrumento da política agrícola brasileira.
Dos 478 imóveis avaliados pelo Greenpeace Brasil, 29 possuem um histórico de financiamento via crédito rural, totalizando 127 transações e um montante de R$ 201.418.002,16. A maior parte dessas operações, 74%, tiveram a finalidade de aquisição, criação e manutenção de bovinos, uma soma de R$ 134.473.688,80.
Uma das fazendas identificadas no levantamento, localizada em São Félix do Xingu, no PA, recebeu, do Banco do Brasil, crédito rural de quase um milhão de reais com a finalidade de investimento em pastagem. Onze dias antes, a propriedade havia sido embargada e multada pelo Ibama em mais de R$310 mil pelo uso ilegal do fogo sem autorização do órgão competente. A fazenda apresenta também outras autuações ambientais e multas do Ibama e no âmbito estadual.
"É injusto que proprietários que desmataram e queimaram enormes áreas, inclusive florestas públicas, tenham acessado recursos do crédito rural, que conta com o nosso dinheiro, enquanto devem milhões em multas ambientais. É necessário que os bancos neguem crédito para o agronegócio que fez uso do fogo de maneira criminosa, como o visto do Dia do Fogo. Essa é uma das demandas do Greenpeace aos bancos para suprir as lacunas e falhas que permeiam a concessão de crédito rural", afirma a porta-voz de Florestas do Greenpeace Brasil, Thais Bannwart.
Considerando os limites atuais das 29 propriedades financiadas via crédito rural, 37,9% delas registraram cicatrizes de área queimada por 5 anos seguidos (2019 a 2023), segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA/RJ).
Entre as instituições financeiras que concederam os financiamentos, foram identificados cinco bancos: Banco da Amazônia (concedeu 80,3% dos créditos analisados), Banco do Brasil (concedeu 16,5%), Banco Cooperativo Sicredi, Cooperativa Sicredi Grandes Rios e Banco John Deere.
Fogo, crime frequente
Além dos focos de calor, que funcionam como alertas para registro de possíveis frentes de fogo, há o mapeamento de cicatrizes de queimada, que dimensiona o tamanho da área atingida especificamente pelo fogo. As 478 áreas analisadas se mantiveram com áreas superiores a 140 mil hectares ao ano, por cinco anos seguidos, de acordo com informações do LASA/RJ.
"Os 478 imóveis analisados queimaram e continuaram registrando focos de calor e cicatrizes de área queimada ao longo dos últimos anos, inclusive mesmo estando alguns deles embargados pelo poder público", explica Bannwart.
"Ainda, 65,2% dos imóveis foram embargados por diversas infrações, mas apenas 10,47% por uso ilegal do fogo, o que demonstra uma subnotificação neste caso. Também, foram identificadas 662 multas que totalizam R$ 1.277.113.955,90, onde apenas R$ 41.380,00 foram pagas, denotando a impunidade que perpassa esses crimes ambientais. Essa impunidade não pode prosseguir", comenta Bannwart.
A análise do Greenpeace Brasil também mostra que parte dos imóveis rurais que registraram focos de calor no "Dia do Fogo" se sobrepõem às áreas de Florestas Públicas Não Destinadas (FPND). Foram mapeados 106.594 hectares de intersecção entre os imóveis rurais e florestas sem destinação registrada em 2022 (dado mais recente disponível acerca das FPND). Entre agosto de 2018 e julho de 2023, foi registrado um desmatamento de 18.692 hectares dentro dos limites dessas propriedades em FPND, uma extensão maior que a área urbanizada de Belém, capital do Pará.
É possível averiguar exemplos de imóveis em que havia registro de floresta sem destinação e que foram desmatadas, incendiadas e convertidas sobretudo para criação de gado, conforme demonstrado abaixo:
Antes do fogo, o desmatamento
Entre os anos de 2008 e 2023 da série histórica de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os 478 imóveis rurais catalogados concentraram 206.083 hectares de destruição. O ápice desse desmatamento registrado no interior dos imóveis foi justamente o ano de referência de 2019, onde, dias depois, se efetivou o episódio do "Dia do Fogo" na região.
"É importante ressaltar que parte do desmatamento registrado nestes 478 imóveis ocorreu em cima de floresta pública sem destinação, ou seja, de florestas da propriedade da União. Mesmo com toda a repercussão do Dia do Fogo em 2019, os índices de desmatamento nessas mesmas propriedades mantiveram seu ritmo até 2021, tendo queda nos anos seguintes, mas ainda assim registrando um desmatamento anual acima dos 9 mil hectares", explica Bannwart.
A distribuição do desmatamento nas propriedades ao longo dos anos é evidenciada no gráfico abaixo:
Gráfico 01: Desmatamento acumulado na área de CAR durante o período do Dia do Fogo
Fonte: Elaborado por Greenpeace Brasil (2024) com base nas informações de ; SICAR (2020); PRODES (2023).
https://oglobo.globo.com/blogs/miriam-leitao/post/2024/08/dia-do-fogo-e…
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