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22 de Set de 2023
Decisão do STF sobre marco temporal deve gerar novas processos judiciais sobre indenização
Tema está pendente de definição na Corte; advogados veem jurisprudência atual favorável a indígenas
Por Laura Ignacio e Bárbara Pombo, Valor - São Paulo
22/09/2023 16h39 Atualizado há 13 minutos
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, que deu aval à demarcação de terras por indígenas, independentemente de um marco temporal, pode gerar uma série de outras ações na Justiça. Especialistas preveem que a indenização a ser paga aos produtores rurais que compraram tais terras de boa-fé poderá gerar novos processos judiciais, tanto dos povos originários quanto dos ruralistas.
A tese do marco temporal determinava que a comunidade indígena só teria direito às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal. Foi a partir daí que passaram a ser reconhecidos na Carta Magna os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Nesta quinta-feira, em julgamento considerado histórico, o STF decidiu afastar a aplicação dessa limitação no tempo, por 9 votos a 2.
Embora o mérito da discussão tenha sido definido, ficou em aberto como será feito o cálculo, qual o prazo para pagar e por qual meio deve ser requerida a indenização aos fazendeiros. O cálculo pode ser feito com base no valor da terra nua ou somente das benfeitorias. O pagamento pode ser exigido previamente, antes da retomada da posse, ou apenas depois. O pedido de indenização pode ser feito na própria ação de demarcação de terra ou por meio de ação autônoma.
Os ministros da Corte devem analisar a questão na semana que vem, mas já anteciparam algumas propostas na sessão de quinta-feira. O voto mais preocupante para os povos originários é o do ministro Alexandre de Moraes. Ele propôs o pagamento pela União de uma indenização prévia e sobre o valor total dos imóveis, não só em relação às benfeitorias realizadas, no momento da desocupação.
Moraes ainda sugeriu que, com "expressa concordância", os indígenas poderiam receber "terras equivalentes" às pleiteadas nos processos de demarcação.
Em agosto, o ministro Cristiano Zanin já havia proposto que a responsabilidade civil seria também dos Estados, além da União. Já o ministro Dias Toffoli chegou a sugerir que o Congresso Nacional legislasse sobre a possibilidade de autorização para mineração nas terras indígenas.
A bancada ruralista já pressiona o Congresso para tentar amenizar os efeitos da decisão do STF, dizendo que vai dificultar as próximas votações de interesse do governo.
O que dizem decisões recentes
Especialistas apontam, porém, que há jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio STF favorável à comunidade indígena.
Para Daniel Cavalcante, especialista em Direito Público atuante em grandes ações sociambientais, "o marco temporal foi definido no seu mérito, mas desdobramentos disso devem gerar ainda vários outros processos". Segundo ele, na prática, a comunidade indígena teme que condicionar a quitação antecipada da indenização aos produtores rurais para que os indígenas tenham direito à própria terra, e estabelecer o cálculo dessa indenização com base no valor da terra nua, além das benfeitorias, dificulte novas demarcações.
Cavalcante afirma que, para a comunidade indígena, deve ser aplicado o artigo 231 da Constituição Federal. "Terras tradicionalmente ocupadas são das comunidades indígenas, sem condicionamento à previa indenização", diz. O advogado também defende que o cálculo da indenização deve ser feito especificamente sobre as benfeitorias, conforme, segundo ele, ampla e recente jurisprudência nesse sentido, tanto do STJ (AgInt no AREsp no 1941095/DF) quanto do STF.
"A caracterização da área como terra indígena, para os fins dos arts. 20 , XI , e 231, da Constituição torna insubsistentes eventuais pretensões possessórias ou dominiais de particulares, salvo no tocante à indenização por benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé", declarou o Supremo no julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388/RR).
Mesmo a avaliação de benfeitoria pode gerar novas discussões administrativas ou judiciais. "A Funai, dentro do seu poder de polícia, junto com o Incra, poderia tentar fazer uma avaliação oficial e, se os ruralistas trouxerem outra avaliação, caberá ao Judiciário definir um valor", diz Cavalcante.
Pela regra atual, do artigo 231, parágrafo 6o, da Constituição, explica Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA), o que se indeniza é a benfeitoria realizada de boa-fé - considerada aquela feita até a edição da portaria declaratória do Ministério da Justiça determinando a demarcação.
A edição desse ato é a segunda etapa do processo de demarcação de terra indígena. A primeira são estudos da Funai. A terceira é o decreto da Presidência da República homologando a demarcação. A quarta e última fase, diz Juliana, é o registro em cartório.
Segundo especialistas, essa indenização pode ser paga em dinheiro ou por títulos da dívida agrária. "O STF terá que definir se há direito à indenização e quais as balizas", diz a advogada do ISA. Mas ela pondera que não é qualquer ocupante de terra indígena que deve ter esse direito.
Nas situações em que os indígenas não estavam na terra em 5 de outubro de 1988, deve ser avaliado, segundo Juliana, se não foram expulsos à força e se o particular tem título emitido pelo governo. Nesse caso, explica, será necessário verificar se a matrícula originária foi emitida pelo Estado ou mesmo pela União. "A indenização pelo valor da terra nua não é para qualquer pessoa que tenha título. Há áreas sobrepostas em que só há posse", frisa.
Quanto ao possível estabelecimento de pagamento prévio da indenização, Juliana alerta que "a demora [na desocupação] aumenta o conflito e ameaça o direito dos povos indígenas, que têm o direito originário".
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