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Carta da Cacique Eunice ao STF Min. Teori Zavascki protocolada 19-08-2014

Campanha Guarani- http://campanhaguarani.org
25 de Ago de 2014

Excelentíssimo Senhor Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki

ACO 2323

Terra Indígena Morro dos Cavalos - SC

Primeiramente quero me apresentar, meu nome em Guarani é Kerexu Yxapyry, (significado, a força do fogo numa gota de orvalho) e em português é Eunice Antunes, sou cacique da terra indígena Morro dos Cavalos, localizada em Palhoça, Santa Catarina. Nossa terra é muita bonita, ela tem parte de morro, encosta no mar e tem partes planas, tem muita água boa e limpa. Uma pena que não podemos usá-la, porque ela ainda não está homologada.

Fazem 21 anos que a Funai iniciou os estudos de identificação e delimitação de nossa terra. Desde 2008 com a declaração da terra pelo Sr. Ministro da Justiça, estamos aguardando a homologação da mesma pela Presidenta Dilma Rousseff, conforme determina o Decreto 1775/96. Esses 21 anos são justificados pela quantidade de interesses sobre essa terra, apesar de ser apenas 1988 hectares. Durante todo o andamento do procedimento administrativo os contrários a demarcação (Estado de Santa Catarina, empresário do ramo do turismo e políticos catarinenses) fizeram uso de diversos argumentos, todos desconsiderados por não ter fundamento legal diante das provas da ocupação da terra pelo povo Guarani. Agora, contrariando o laudo antropológico dos professores de antropologia da UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina e UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina, que recomendavam o reconhecimento do processo pelo Estado de Santa Catarina, o governo do Estado através de sua Procuradoria-Geral impetrou a ACO 2323.

Mentiras e calúnias contra nossa comunidade fazem parte do acerto de tentativas de desqualificar nosso direito. Dizem que somos paraguaios, quando todos, ou quase todos os membros de nossa comunidade são nascidos e tem seus parentes nesse Estado; desde 2002 estão dizendo que vão chegar 15 mil indígenas, ora do Paraguai, ora do Mato Grosso; que vamos sujar a água da vizinhança; que vamos ser péssimos vizinhos porque "sobre nós não existe lei" e que poderemos a qualquer momento invadir as casas deles. Fomos ameaçados, cortaram os canos de água que abastecem nossa comunidade, enfim estamos preocupados porque as inverdades geram ódio e revolta da população local.

Esta pequena gleba de terra, que até pouco compunha o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro é sagrada para nós. É uma pequena extensão de terra em que a serra toca o mar e que nossos antigos encontravam o lugar do refúgio, do sossego. As terras planas foram tomadas em tempos antigos, e a composição morro e mar era o local da tranquilidade. As partes baixas eram os lugares das antigas aldeias onde os Guarani receberam os primeiros viajantes, dentre eles o governador do Paraguai Álvar Núnes Cabeça de Vaca em 1540. Na terra em demarcação e no entorno há dezenas de sítios arqueológicos Guarani, demonstrando que nossa presença no litoral data de pelo menos 900 anos antes do presente. Com isso queremos afirmar que nós Guarani sempre vivemos na região litorânea, onde hoje se localiza a terra indígena Morro dos Cavalos, nós aprendemos com os nossos velhos que nosso povo sempre buscou harmonia com todos os povos, e que Nhanderu (nosso Deus) fez a terra para todos viverem, sem cercas nem divisas. Quando o branco chegou colocou cerca em tudo. E foi aí que decidimos lutar pela demarcação dessa terra, pois iríamos ficam sem nenhum pedacinho de terra e sem a natureza que é tão importante para nós. Também temos documentos demonstrando a existência da comunidade nesse mesmo local desde a década de 1960, mas a memória de nossos velhos refere-se a tempo longínquos.

Para nós, a terra é nossa mãe, sem ela nós não podemos viver. Não podemos ter nossa cultura que é muito importante para nós. Queremos terra com matas, com água, com remédios nativos, com material pra fazer nosso artesanato e construir nossas casas. Também precisamos de terra pra cultivar a plantinha para nossa sobrevivência. É da terra que tiramos nosso sustento, sempre com muito respeito. E nessa terra nós conseguimos encontrar todas essas coisas.

Hoje, nós ocupamos um pequeno espaço, dentro da terra que temos direito, pois os não indígenas ainda estão dentro da nossa terra esperando a homologação para que possam ser indenizados e reassentados em outro local. E para não brigar com os brancos sofremos muito, pois não conseguimos fazer as nossas roças, porque somos um povo agricultor, mas mesmo com o pouco espalho de terra, plantamos um pouquinho, mas como é terra de morro quando é no inverno a nossa roça sofre com o vento e o frio, e quando é no verão com a seca e com o calor, o que dificulta a produção. A nossa teimosia em fazer as roças assim mesmo, é para procurar manter as nossas sementes tradicionais de milho (avaxi etei), batata (jety), banana (pacowá) e outros. A terra declarada pelo Ministro da Justiça em 2008, tem vários espaços de terras boa para agricultura, e água boa para nós sobreviver e também para abastecer os moradores da Enseada de Brito que já consome dessa água, e com a terra homologada vão continuar consumindo dessa água, pois Nhanderu fez a água para todos.

Senhor Ministro, temos sofrido muito com a violência e difamação feita por pessoas contrárias a demarcação de nossa terra, dizem que somos contra a duplicação da BR 101. Isso é uma grande mentira, porque desde 2002 tornamos público documento demonstrando nosso apoio a duplicação e pedindo agilidade na solução do traçado que corta nossa TI, porque já prevíamos o que está ocorrendo hoje. O DNIT demorou muito pra fazer os procedimentos e não podemos ser responsabilizados por isso. A única coisa que pedimos é a homologação antes da construção dos túneis, já que a obra passará sob nossas casas e tememos pelos impactos. Se homologado poderemos ocupar outros espaços, distante do perigo.

Na escola de nossa aldeia as crianças são alfabetizadas na língua materna de nosso povo, que é o Guarani. Em nossas casas falamos apenas nossa língua materna, apesar de vivermos bem próximo da cidade e convivermos com o espaço urbano com bastante intensidade. Nossa língua é nossa riqueza, não queremos que se perca, ao contrário, estamos fazendo todos os esforços para que ela seja cada vez mais revitalizada. Terra e língua fazem parte de um mesmo ensinamento, o de que não é possível ser guarani sem o Tekoá, ou seja, precisamos de um lugar de tranquilidade para sermos Guarani.

Diante do exposto, gostaríamos de solicitar a Vossa Excelência uma audiência antes do julgamento do processo sobre a terra indígena Moro dos Cavalos (ACO 2323) para que possamos conversar sobre a nossa história, nosso pensamento e nossa vivência, para que a sua decisão seja a mais justa possível. Na oportunidade queremos entregar diversos documentos que comprovam o exposto acima.

Aguardamos um retorno, nosso telefone de contato é (48) 3242 4426 (escola) e (48) 8430 5146 (Cacique Eunice Antunes).

TI Itaty/Morro dos Cavalos, 19 de agosto de 2014

Atenciosamente

Eunice Antunes

Cacique da TI Morro dos Cavalos

Marcos Tupã

Apoio: Coordenador da Comissão Guarany VYRUPA

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