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Carne legal, por enquanto, é só intenção

O Globo, Razão Social, p. 10-11
15 de Fev de 2011

Carne legal, por enquanto,é só intenção

Martha Neiva Moreira
martha.moreira@oglobo.com.br

Estima-se que a a atividade pecuária ocupe 80% das áreas desmatadas do país. O dado é do governo federal e serviu como parâmetro para que no Pará, um dos estados campeões de corte ilegal de árvores, o Ministério Público Federal (MPF) apertasse o cerco contra a cadeia produtiva da carne. Em 2009, após ter ajuizado ações e pedido indenizações de R$ 2 bilhões contra 11 frigoríficos e 20 fazendas de gado que desmataram 157 mil hectares no estado, o órgão conseguiu firmar Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com os frigoríficos, produtores e redes varejistas, e criou a campanha de conscientização de consumidores "Carne Legal".
As ações tiveram como objetivo combater o desmatamento e a contratação de trabalhadores escravos nas fazendas de pecuária. Pouco mais de um ano depois, o MPF comemora os resultados: 30 municípios do estado se comprometeram (com TACs) a monitorar o desmatamento em fazendas de gado, e houve um aumento de 500% do número de proprietários rurais que fizeram o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é o primeiro passo para conseguir a Licença Ambiental e explorar a terra de maneira responsável e ambientalmente sustentável.
Até 2009, segundo o procurador Daniel Cesar, que conduziu o processo no MPF do Pará, 900 proprietários tinham o CAR. Hoje este número saltou para 48,3 mil. O que significa, segundo ele, que já é possível identificar os donos da terra e, a partir de agosto, quando expira o prazo para que todos requeiram a licença ambiental, criar planos de manejo da propriedade estabelecendo as áreas de produção, as que serão preservadas e as que serão recompostas.
O que estimulou tantos pecuaristas a buscarem regularização foi o efeito cascata gerado pelas ações em 2009. Na época, três grandes redes de supermercados - Pão de Acúçar, Wal-Mart e Carrefour, além de outras menores -, atendendo recomendação do MPF, suspenderam o fornecimento dos 11 frigoríficos autuados. Daí em diante, segundo o procurador Daniel Cesar, os produtores foram pressionados a legalizar suas terras. O efeito dominó continuou com a criação em junho de 2010 da "Carne Legal", lançada para conscientizar os consumidores a valorizarem a carne de origem legal. A campanha mantém um site informando quais frigoríficos, curtumes, pequenos comerciantes e redes de supermercados já se comprometeram a não ter em sua cadeia carne de origem ilegal.
- Mais de cem frigoríficos, curtumes e pequenos comerciantes, além de várias redes varejistas se comprometeram a não comprar carne de produtores que desmatassem ou tivessem trabalho escravo - contou Cesar, que informou que o governo do estado do Pará terá ainda este ano uma empresa privada para fazer auditoria e verificar o impacto das ações de 2009 até hoje. - Essa auditoria acontecerá ano a ano. Só assim teremos condições de fiscalizar os produtores.
Na lista de frigoríficos que aderiram ao compromisso está o Bertin, do Grupo JBS, que em 2009 sofreu ação do MPF. Com quatro fábricas no Pará, a empresa assinou um TAC com o Ministério Público em que se compromete a não ter em sua cadeira produtiva carne de origem ilegal. Desde então, segundo Angela Garcia, gerente de sustentabilidade da JBS, mantem equipes que orientam os pequenos produtores como proceder para conseguir regularizar sua propriedade.
- Criamos escritórios com grupos de profissionais que orientam os proprietários de terra a fazerem o Cadastro Ambiental Rural. Contratamos uma empresa em Marabá para fazer o monitoramento por meio de georeferenciamento dos propriedades fornecedoras da região amazônica. Além disso, temos uma política de sustentabilidade que prevê que a companhia não pode ter em sua cadeia produtores cujas terras são embargadas pelo Ibama ou envolvidas em trabalho escravo - disse a gerente, que informou ainda que suspendeu a compra de 26 produtores irregulares desde 2009.
No lado dos varejistas, o Grupo Pão de Açúcar é um forte apoiador das ações do MPF do Pará. Ele atendeu à recomendação de só comprar carne de origem legal, integra a lista de redes que aderiram à campanha "Carne Legal" e criou um Programa de Rastreabilidade dos cortes vendidos em suas lojas, por meio do qual é possível saber a origem do produto entrando no site do Grupo e informando um código de rastreabilidade no rótulo do produto.
Fora do Pará, o frigorífico Marfrig, um dos maiores do país ao lado do JBS, também informou que vem realizando pactos de boas práticas na cadeia produtiva para monitorar o uso de trabalho escravo e o desmatamento. Por e-mail, a assessoria explicou que desde 2009 suspendeu o fornecimento de gado de 170 fazendas localizadas a um quilômetro de pontos de desmatamentos, dentro de reservas indígenas e de Unidades de Preservação Ambiental; firmou um convênio com a ONG Aliança da Terra para o cadastramento socioambiental das propriedades rurais fornecedoras da região amazônica; incentivou a legalização ambiental de produtores subsidiando 40% do custo do cadastramento no CAR, entre outras ações.
Embora reconheça que a fiscalização no setor precisa se intensificar, Francisco Fonseca, coordenador da Estratégia de Produção Responsável da ONG The Nature Conservancy (TNC), que atua na região amazônica, acredita que estamos assistindo ao início de uma mudança do modo de produção neste mercado. Até porque, o Brasil é exportador e o mercado externo está comprometido, segundo ele, com os pilares da sustentabilidade.
- Hoje temos uma pecuária mais responsável que pode caminhar para uma prática sustentável, depois de agosto, quando expira o prazo dado pelo Ministério Público Federal do Pará para que os proprietários rurais requeiram a licença ambiental. Aí teremos condições de pensar em planos de manejo sustentável das fazendas.

Mercado já tem carne orgânica

Para ingressar no crescente mercado de produtos orgânicos, o frigorífico JBS criou em 2004 uma linha de carnes orgânicas. Trata-se do Organic Beef, encontrado em rede de supermercados a um valor de 15 a 20% mais caro que os cortes tradicionais.
A produção é feita em 60 fazendas do Mato Grosso e atende a vários princípiosde sustentabilidade e bem-estar animal do Instituto Biodinâmico (IBD), que certifica o produto.
Além de as fazendas terem que estar em dia com a licença ambiental, o que significa ter delimitada a área de produção e de preservação,os animais têm um tratamento especial. A começar pelo pasto, que não pode ter nenhum resíduo químico.
- O pasto cresce naturalmente durante três anos antes de receber o rebanho - contou Josiane Strighini, coordenadora de Marketing do JBS.
Além disso, os animais devem ter nascido em fazendas de produção orgânica. Em caso de doenças eles são tratados com homeopatia e a reposição mineral que precisam para se desenvolver é feita com alimentos naturais. O confinamento, caso necessário, segue tabela do IBD, que determina uma área mínima de 1,5 m² para cada 100 quilos de animal. O abate é humanitário, isso quer dizer ser feito o mais próximo possível da fazenda. Para ser transportado, o animal deve tomar tranqüilizantes naturais e, no trajeto, consumir alimentos orgânicos e água.
O Marfrig, embora tenha uma versão de carne ecológica no Uruguai, proveniente de fazendas que não usam fertilizantes químicos no pasto e e nem hormônios de crescimento nos animais, ainda não trouxe o produto para o Brasil por considerar que não há demanda de mercado.

O Globo, 15/02/2011, Razão Social, p. 10-11

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