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Câmara aprova licenciamento que reduz exigências de obras como Brumadinho

OESP, Metrópole, p. A15
14 de Mai de 2021

Câmara aprova licenciamento que reduz exigências de obras como Brumadinho
Projeto, que ainda passará pelo Senado, deve acelerar aval para empreendimentos com possíveis impactos ambientais, mas especialistas veem inseguranças jurídicas e econômicas

Emilio Sant'Anna, O Estado de S.Paulo
14 de maio de 2021

Comemorada por parlamentares da bancada da agropecuária, a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental na madrugada desta quinta-feira, 13, deve acelerar a autorização de obras com possíveis impactos ao meio ambiente. Mas inseguranças jurídicas, econômicas e ambientais devem ser criadas em ritmo semelhante, se o texto for aprovado - ainda precisa passar pelo Senado, antes da sanção presencial.

Segundo a proposta, empreendimentos como a barragem de Brumadinho (MG) poderiam obter o aval para operar com uma autodeclaração de cumprimento das normas ambientais. O rompimento da estrutura de rejeitos de minério em janeiro de 2019 de ferro deixou 270 mortos.

Considerada de médio risco pela legislação em vigor, o empreendimento da mineradora Vale poderia operar hoje sem passar por análise prévia, explica Maurício Guetta, consultor Jurídico do Instituto Socioambiental (ISA). Isso significa que a liberação ocorreria sem a análise prévia dos órgãos competentes, mas apenas com a declaração de dados e documentos de forma online. Esse modelo é chamado de Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC).

A nova lei traz ainda outras mudanças, como a dispensa de licença para projetos como manutenção em estradas e portos, obras de saneamento básico, distribuição de energia elétrica com baixa tensão, parte das atividades agropecuárias, entre outros. Outras alterações incluem dar aos Estados a prerrogativa para analisar os empreendimentos que precisam de aval para liberação e classificar o risco envolvido, a unificação de etapas do licenciamento, além da criação da licença autodeclaratória.

O novo texto exime empreendimentos de baixo e médio risco da análise prévia. A estes, o aval será emitido após o preenchimento de requerimento em que declaram e se comprometem a seguir os parâmetros de segurança e ambientais. Outra obra que não precisaria de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) seria a duplicação da Rodovia dos Tamoios, em São Paulo. Como a via já opera com aval, sua duplicação dispensaria novo levantamento de impactos.

Com maioria na Casa, parlamentares ligados ao agronegócio aprovaram o texto substitutivo do Projeto de Lei 3.729, de 2004, relatado pelo deputado federal Neri Geller (Progressistas-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Votaram a favor 300 deputados, ante 122 contrários.

O texto final foi encaminhado ao plenário sem passar por audiência pública. Não houve espaço para acatar nenhuma recomendação da ala ambiental. Centenas de organizações ambientais, especialistas e parlamentares se mobilizaram para tentar demover o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), de votar a proposta, o que não funcionou.

Ao longo da tramitação do projeto, a Frente Agropecuária argumentou que o modelo atual é excessivamente burocrático e prejudicava a atração de investimentos para o País. Disse ainda que o licenciamento ambiental é responsável pela paralisação de mais de 5 mil obras no País, entre rodovias, ferrovias e hidrovias.

Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), porém, mostrou que o licenciamento ambiental não respondia por mais do que 1% das obras paradas no Brasil. De mais de 30 mil obras públicas financiadas com verba federal, menos de 200 projetos tinham paralisações ligadas a dificuldades de obter licenciamento.

Riscos
Especialistas em direito, políticas públicas e meio ambiente ouvidos pelo Estadão consideram que as consequências negativas podem se fazer sentir até mesmo antes dos possíveis benefícios que uma maior agilidade na emissão das licenças possa trazer ao setor produtivo. Para Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, o País retrocede aos parâmetros ambientais que norteavam os grandes empreendimentos nos anos 1970, na ditadura militar.

"A nova lei diz que há dispensa de Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima) quando já há estudos em empreendimentos similares", diz. "No caso do Rodoanel, na Grande São Paulo, que teve um por trecho construído e mesmo assim a obra causou problemas no Trecho Norte, bastaria apenas um."

Especialistas preveem ações judiciais, com desdobramentos no Supremo Tribunal Federal (STF), diante de possíveis inconstitucionalidades e descumprimentos de normas ambientais. "Um prefeito que se sentir afetado sempre vai poder recorrer à Justiça para anular a licença concedida pelo Estado",diz Malu, do SOS Mata Atlântica. "Mesmo para o investidor é uma situação de insegurança. Quem vai colocar seu dinheiro em um projeto que pode ir parar na Justiça ou que mais para frente pode ter suas regras alteradas?", indaga ela.

Para entender - Liberação automática
O que muda na Licença por Adesão e Compromisso (LAC)?

O texto propõe a adoção de licenças autodeclaratórias em todo o País. Esse instrumento já existe em alguns Estados, mas é aplicado só a determinados empreendimentos, e com conhecimento prévio da área ambiental e um termo de referência do que se pretende.

Por que a mudança na LAC foi criticada?

A crítica é que, da forma como está estabelecida, a LAC será convertida em um licenciamento automático, com simples declaração pela internet, sendo submetida a análises por amostragem.

Como fica a situação das terras indígenas e quilombolas em estudo?

O texto exclui da avaliação de impacto e da adoção de medidas preventivas as terras indígenas não homologadas e as terras quilombolas afetadas por empreendimentos. Hoje, a Constituição prevê que terras indígenas e quilombolas que estejam em fase de demarcação, ou seja, que ainda aguardam para serem tituladas, devem ser igualmente consideradas, como aquelas que já tiveram esses processos concluídos, com a homologação e titulação pelo governo.

O que a nova lei prevê como medidas de redução de impactos de projetos?

O novo texto limita o alcance de medidas de redução de impactos causados por projetos. Medidas como a instalação de escolas públicas e postos de saúde, que muitas vezes são incluídas em ações de mitigação e compensação, ficam mais restritas, limitando-se apenas a temas ambientais, ignorando uma série de impactos sociais criados por empreendimentos.

Lei de licenciamento ambiental é boa? Consultor de ONG e presidente de câmara industrial comentam
Projeto foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados e será submetido ao Senado. José Carlos Martins e Mauricio Guetta debatem se a medida representa ou não um avanço

Redação, O Estado de S.Paulo
14 de maio de 2021

O projeto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental foi aprovado na madrugada desta quinta-feira, 13, pelo plenário da Câmara dos Deputados. O texto ainda precisa passar pelo Senado. Entre as principais mudanças, está a dispensa de licença para projetos como obras de saneamento básico, manutenção em estradas e portos, distribuição de energia elétrica com baixa tensão, parte das atividades agropecuárias, entre outros.
Comemorada por parlamentares da bancada da agropecuária, o projeto deve acelerar a autorização de obras com possíveis impactos ao meio ambiente. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, José Carlos Martins, e o consultor jurídico do Instituto Socioambiental, Mauricio Guetta, debatem sobre a nova legislação, respondendo se há avanços ou não no texto. Veja a seguir:
Sim - Nada melhor que uma legislação transparente, objetiva e punitiva para quem não a cumpre
José Carlos Martins*
"Vivemos no país da complexidade. Tudo é difícil e incerto, inclusive o passado. Dificuldades criadas e leis confusas criam insegurança e acabam incentivando atitudes não republicanas. Para um país sério, nada melhor do que uma legislação transparente, objetiva e punitiva para quem não a cumpre.
A Câmara dos Deputados acertou ao aprovar o texto-base do novo licenciamento ambiental (Projeto de Lei 3729/04, que agora vai para o Senado). Hoje, é impossível saber exatamente o que é correto.
O arcabouço formado por milhares de peças legais, com leis federais, estaduais e municipais, além de jurisprudências e entendimentos diversos, não permite ao agente público ter confiança na sua decisão. Esse é um dos maiores motivos de atrasos de investimentos em todo o País, inibindo a geração de empregos, paralisando a máquina pública e incentivando desvios de conduta.
O licenciamento ambiental hoje padece em uma área cinzenta e, como consequência, agride o meio ambiente em vez de preservá-lo. Modernizar, simplificar, uniformizar e criar segurança jurídica é o que acredito ser o melhor para a sociedade brasileira.
Ela já se cansou de confusões, de mal-entendidos e de interpretações que só geram controvérsias e discórdias. Isso só interessa a quem não preserva o meio ambiente, a quem age na penumbra e a quem vive do litígio."
*PRESIDENTE DA CÂMARA BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO (CBIC)
Não - Trata-se da maior ameaça à Amazônia e os outros biomas desde a Constituição de 1988
Mauricio Guetta**
"Na contramão do combate às mudanças climáticas e em sintonia com a política antiambiental do governo, a Câmara aprovou projeto que praticamente extingue o licenciamento ambiental, o mais consolidado instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. A justificativa para defender o projeto, de que destravaria a economia, é falaciosa, já que apenas 1% das obras estão paradas por questões ambientais, segundo o TCU. O PL dispensa de licenciamento 14 atividades, algumas com impacto relevante, como sistemas de tratamento de água e esgoto, cujo descontrole degradou o Rio Tietê. Para as atividades licenciáveis, a regra geral será uma licença autodeclaratória e automática (LAC), sem controle prévio do órgão licenciador. Sua aplicação se daria em empreendimentos de baixo e médio impacto ambiental, a maioria dos casos. Barragens de rejeitos como a que rompeu em Brumadinho (MG) passariam a ser licenciadas por tal excrescência.
Licenciamento de verdade, com controle prévio, somente para atividades de significativo impacto. Ainda assim, são tantas as restrições à aplicação de condicionantes que a instalação desses empreendimentos vai causar mais conflitos, judicialização, insegurança jurídica e desmatamento. Como todas as atividades de impacto são reguladas no projeto, trata-se da maior ameaça à Amazônia, aos outros biomas, às áreas protegidas, às águas e à segurança da população desde a Constituição de 1988."
**CONSULTOR JURÍDICO DO INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL (ISA)
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,debate-ha-avanco…

OESP, 14/05/2021, Metrópole, p. A15

https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,camara-aprova-li…

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