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Cacique da tribo Arara vê risco de minguar água do Rio Xingu

OESP, Economia, p. B10
15 de Nov de 2009

Cacique da tribo Arara vê risco de minguar água do Rio Xingu
Volume deve diminuir com o desvio de água para canais que formarão o reservatório da usina

Renée Pereira, ALTAMIRA (PA)

O cacique José Carlos Arara, de 30 anos, cresceu sob a sombra da Hidrelétrica de Belo Monte e os riscos que a usina traria para a sua aldeia. Viu de perto a revolta da índia Tuíra, que empunhou, em 1989, um facão contra José Antônio Muniz Lopes, o então presidente da Eletronorte, responsável pelos estudos da usina. Durante todo esse tempo, nunca acreditou que o projeto teria força para sair do papel. Mas hoje está assustado com os rumos que a usina está tomando.

"Não imaginávamos que Belo Monte chegaria a esse ponto. Se o governo não visse apenas o lado financeiro, olhasse a necessidade e o nosso modo de vida, caçaria outro lugar para fazer essa usina", afirma o chefe da tribo, formada por 70 pessoas, que vive às margens do Rio Xingu. Como fica abaixo da barragem, a aldeia está livre de qualquer inundação.

Por lá, no entanto, o problema é outro: o risco do rio secar por causa do desvio de água para os dois canais que formarão o reservatório da hidrelétrica. "O rio é a nossa única saída para a cidade. No verão, quando a vazão diminui, já temos enorme dificuldade para navegar. Imagine se a água diminuir mais. Ficaremos ilhados", diz o cacique José Carlos.

De Altamira até a tribo Arara, são quase quatro horas de viagem, se o barco for moderno. Numa "rabetinha", como chamam os barcos com motor mais fraco, a viagem pode chegar a seis ou oito horas. A bordo de uma voadeira, a reportagem do Estado acompanhou as dificuldades dos índios e ribeirinhos que vivem às margens do Xingu. Durante os primeiros quilômetros, a viagem é tranquila, uma grande oportunidade para apreciar uma bela paisagem.

Mas, aos poucos, o Xingu mostra a sua cara, com obstáculos que colocam em risco a vida dos passageiros. Alguns trechos do rio são formados por pedras, cachoeiras e bancos de areia. Para atravessar, só um exímio conhecedor das curvas do Xingu, como o barqueiro Paulo Cavalcante, que há mais de 15 anos navega pelo rio. Tudo isso acaba alongando o tempo de percurso.

Depois de duas horas e meia de viagem, a reportagem chega à Ilha da Ressaca, um vilarejo que pertence ao município de Senador José Porfírio. Na vila, é difícil encontrar alguém favorável à construção da hidrelétrica. Até a pequena Amanda Gabriele, de quatro anos, tem na ponta da língua sua posição quanto à construção da usina: "Sou contra Belo Monte", dispara ela, se antecipando a uma pergunta feita à mãe Francisca Gonzaga, de 34 anos, uma maranhense, dona de um mercadinho na Ilha da Ressaca.

"Temos medo que a redução da água do rio traga doenças e violência para a região", destaca ela, que reclama da falta de informação por parte do governo em relação aos impactos da usina. "Só perguntam se a gente é a favor ou contra a usina. Não ouvem nossos argumentos nem nossas preocupações." A mesma reclamação tem a professora Rosinele Braga, de 41 anos, natural de Óbidos, outra cidade do interior do Pará.

Está na Ilha da Ressaca desde 1987, quando o marido decidiu arriscar a sorte no garimpo - a vila tem, pelo menos, três garimpos. A professora teme que a construção da usina atraia ainda mais gente para a comunidade, que tem pouca ou quase nenhuma infraestrutura. O posto de saúde funciona todos os dias, mas só há médicos aos sábados. Policiais só aparecem por lá uma vez por mês, segundo os moradores.

Da Ilha da Ressaca até a tribo dos Arara é mais uma hora e meia de viagem, num trecho do rio considerado o mais irregular, às vezes com águas rasas, às vezes com corredeiras. Ao longe, avistamos o jovem Arara Josinei, de 22 anos, atravessando o rio. Meio ressabiado, ele autoriza o desembarque da reportagem e mandou falar direto com o cacique.

Mais tarde, sentado embaixo de uma mangueira, ele contou, indignado, que participou de duas audiências públicas, em Altamira, sobre a construção da usina. "Mas eles não explicam direito as consequências que a hidrelétrica trará pra a região."

Josinei afirma que, apesar das influências dos "brancos", a tribo tenta manter os costumes dos ancestrais. "Da cidade, comemos apenas macarrão. O resto nós produzimos, caçamos ou pescamos."

Na aldeia, eles fazem farinha para consumo próprio ou para venda. O mesmo ocorre com os peixes. Todos os dias, um barco da cidade vai até a tribo para pegar as mercadorias. "Às vezes, recebemos o dinheiro, às vezes trocamos por outras coisas que precisamos", diz Josinei, cujo maior sonho é conhecer o Pantanal.

OESP, 15/11/2009, Economia, p. B10

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