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Anjos militares salvam vidas na Amazonia

OESP, The Wall Street Journal, p. B6
13 de Out de 2005

Anjos militares salvam vidas na Amazonia

Por Matt Moffett
The Wall Street Journal

ITAMARATI, Amazonas - Enock Cavalcante não estava se sentindo bem desde que um raio atingiu a guarita em que se abrigava de uma violenta tempestade nesta cidade da Floresta Amazônica um tempo atrás. Recentemente, ele começou a perder a sensibilidade nas pernas e a sofrer desmaios. A família de Cavalcante não achou que ele fosse sobreviver à viagem de 15 dias de barco até o hospital de grande porte mais próximo, em Manaus.
Felizmente, uma equipe do Correio Aéreo Nacional, da Força Aérea Brasileira, estava por perto. 0 Correio Aéreo Nacional não é um serviço de transporte de correspondência - é uma unidade médica aérea que faz rondas nas partes mais isoladas da floresta. Informado sobre a condição de Cavalcante, os médicos do Correio Aéreo concluíram que a única chance dele era ser transportado para um especialista neurológico em Manaus. O monomotor Cessna do CAN teve de voar através de uma densa neblina criada por incêndios que despontavam na mata, mas o avião pegou o paciente numa pista de decolagem toda esburacada e o levou até o neurologista. A condição de Cavalcante estabilizou-se, dizem autoridades municipais.
Crédito para mais uma missão bem sucedida dos especialistas médicos voadores conhecidos pelos habitantes da região como "os Anjos da Amazônia".
0 Correio Aéreo Nacional começou a voar na Amazônia nos anos 30 quando seus precários aviões não somente transportavam médicos e correio, mas também exploravam o novo território e faziam contato com tribos indígenas. Com destemidos pilotos famosos por usar os rios como um guia de navegação, e também para pousos de emergência, o papel do CAN no desenvolvimento regional estava inscrito na Constituição nos anos 40. No fim dos anos 80, no entanto, o CAN foi paralisado devido a reorganizações militares e cortes de orçamento.
No ano passado, o governo reiniciou as missões médicas aéreas, retomando o famoso nome Correio Aéreo, como parte de uma iniciativa para aproximar mais a Amazônia do resto do País. Três vezes por mês, equipes de uma meia dúzia de médicos e enfermeiros da Força Aérea voam em missões médicas com duração de uma semana para pequenas vilas na região da Amazônia Ocidental. Se uma pessoa doente precisa de atendimento mais especializado, os médicos pedem aos pilotos do Correio Aéreo, que são especialistas em Amazônia acostumados ao clima instável e a pistas de pouso esburacadas, para transportar os pacientes.
"Poucas pessoas visitam a gente, por isso, quando ouvimos aquele motor do Correio Aéreo, é o som mais tranqüilizador que você pode imaginar", diz João Campeio, um líder político de Itamarati.
Muitos dos habitantes de áreas isoladas podem atestar as habilidades dos pilotos e médicos do Correio Aéreo. Quando Carlos Jamamadi - um indígena que segue o costume de usar o nome da sua tribo como sobrenome - foi mordido por uma jararaca não faz muito tempo, o Correio Aéreo salvou sua vida ao transportá-lo a um hospital.
Mas às vezes até os milagres dos Anjos têm limite. No começo deste ano, os médicos do Correio Aéreo trataram Josué Rodrigues, de 7 anos, que pegou tétano depois que uma grande farpa de madeira alojou-se em seu pé. 0 garoto brincou e posou para fotografias em seu vôo ao hospital de Manaus. Mas vários dias depois a equipe médica descobriu que ele havia morrido das complicações da infecção.
Os brasileiros apreciam o espírito otimista do Correio Aéreo, especialmente num momento em que muitos dos políticos do país estão sendo desacreditados por um enorme escândalo de corrupção. Depois de apenas duas décadas de uma ditadura militar repressiva, uma recente pesquisa de opinião pública revelou que as Forças Armadas eram consideradas a instituição mais confiável do Brasil.
Uma missão do CAN com sete pessoas tratou centenas de casos em agosto, desde malária até um parto cesariana, passando por meras extrações de dentes.
A primeira cidade na rota, Juruá, recentemente viu seus dois únicos médicos, imigrantes peruanos, deixar seus cargos por empregos mais bem-remunerados numa cidade maior e mais habitável. 0 capitão Marcus Aurelio Bezerra de Andrade, um pediatra de 44 anos que chefiou a missão do Correio Aéreo, viu o vazio deixado por esses médicos quando tratou uma bebê de 8 meses com desnutrição, barriga inchada e cerca da metade do peso normal para sua idade.
Chegando ao vilarejo de Envira, a equipe médica ficou aliviada pelo que não encontrou: não havia overdoses de ingestão de ayahuasca, uma bebida alucinógena usada por seitas religiosas da região.
Durante toda a jornada, Andrade disse que ficou admirado com as gentilezas oferecidas à equipe por pessoas que tinham tão pouco. Numa cidade, eles receberam uma serenata de um violonista e numa outra, uma vista a um pequeno zoológico de um morador, com um bebê de onça e tartarugas gigantes.
Mas Andrade tem consciência das limitações de seus esforços. "Há problemas sociais que estão além da capacidade de um médico para resolver", disse. Em Ipixuna, uma das vilas mais pobres da rota, três bebês haviam morrido recentemente devido a casos de diarréia resultantes de água contaminada.
Os médicos fizeram o que puderam para salvar outra criança, Micael Conceição, de 1 ano, que tinha um galo do tamanho de uma bola de tênis em sua cabeça devido a uma queda em seu casebre na mata. Hesitante em ficar longe do filho, a mãe de Micael, Maria de Souza da Conceição, rejeitou em princípio o conselho dos médicos do CAN de deixá-los levar o menino a um hospital. Alguns dias mais tarde, porém, eles descobriram que Micael foi levado num vôo comercial a um hospital, onde foi operado. Ele retornou mais tarde em boa saúde ao seu vilarejo.

OESP, 13/10/2005, The Wall Street Journal, p. B6

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