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Ambientalistas classificam parecer de 'o pior projeto'

Valor Econômico, Política, p. A10
Autor: CHIARETTI, Daniela
11 de Mai de 2021

Ambientalistas classificam parecer de 'o pior projeto'
Proposta teria potencial de causar grandes danos ambientais, criar insegurança jurídica, judicialização e paralisação de obras

Por Daniela Chiaretti
De São Paulo 11/05/2021

O parecer do deputado Neri Geller que deve ir a plenário da Câmara estes dias é considerado por ambientalistas como "o pior projeto" desde que iniciaram os debates em torno à Lei Geral de Licenciamento Ambiental em 2004. Por abrir muitos flancos questionáveis e com potencial de causar grandes danos ambientais, criará insegurança jurídica, grande judicialização e paralisação de obras, apontam.
"Tivemos vários relatores e muito substitutivos. Nenhum chegou perto deste, de acabar com o licenciamento ambiental no Brasil", diz o advogado Mauricio Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA). "Todos os temas em disputa foram definidos pelo relator contra o meio ambiente. Nenhum ponto desejado por ambientalistas foi acatado." Segue: "É proposta radical. Radicaliza a destruição ambiental promovida pelo governo".
O primeiro ponto do texto de 64 páginas que se tornou público ontem é a lista de dispensas de licenciamento para atividades como sistemas e estações de tratamento de água e esgoto, com dispensa, inclusive, à outorga do uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado. "Não se exige licença. Não há garantia de que esse efluente será tratado, de forma correta", diz Guetta.
Outro ponto é o controverso mecanismo de Licenciamento por Adesão ou Compromisso (LAC), que vem sendo interpretado como um processo de autolicenciamento do empreendedor. "Será empregado na maioria dos licenciamentos no país. É a modalidade-regra, com licenciamento concedido de forma automática, sem análise pelo órgão ambiental. A única ressalva serão obras de significativo impacto", diz Guetta.
No capítulo de condicionantes ambientais, que são medidas preventivas, compensatórias e mitigatórias dos projetos - "o coração do licenciamento", nas palavras de Guetta -, há uma série de limites. Impactos indiretos de empreendimentos sobre populações indígenas e tradicionais foram eliminados. Nas unidades de conservação, só haverá avaliação de impacto ambiental no caso de sobreposição da UC com a área diretamente afetada (um canteiro de obras, por exemplo). Impactos indiretos das obras (desmatamento, roubo de madeira, garimpo ilegal, por exemplo) não são considerados.
"Este texto, se aprovado, será péssimo para a imagem do país, diz Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e analista sênior do Observatório do Clima. "Pode-se melhorar a legislação, simplificar. Mas implodir o licenciamento é péssimo para o país, diz ela.
"A lista de isenções é a pior que vi em 17 anos", segue. Ela prevê que Estados iniciem uma guerra ambiental para atrair investimentos com a menor regra possível. "É visão equivocada. De ver o licenciamento como barreira, diz ela.
"O projeto abre as portas para que rodovias sejam asfaltadas na Amazônia sem qualquer tipo de controle ambiental, porque permite que asfaltamento de rodovias, em qualquer contexto e em qualquer lugar do país, seja feito por LAC, ou seja, pelo autolicenciamento", aponta Raul Silva Telles do Valle, diretor de justiça socioambiental do WWF Brasil.
"A BR-319, por exemplo, aprovada esta lei poderia, em vez de passar pelo processo de licenciamento que avalia desmatamento, indução de ocupação de território, e todos os problemas causados por este tipo de empreendimento, ser asfaltada com uma licença automática. O desmatamento iria explodir", continua, referindo-se à controversa pavimentação da estrada que liga Manaus a Porto Velho. A estrada existe, mas é pouco transitável justamente pela falta de pavimentação. "E isso em um contexto em que querem aprovar projeto que facilita a grilagem ou que abre terra indígena para uma série de atividades", segue Telles do Valle.
O artigo 54 é outro ponto controverso e entendido pelos ambientalistas como um "jabuti", jargão parlamentar que define normas alheias ao texto principal colocado em um projeto de lei. No caso, define a responsabilidade de instituições financeiras que financiam projetos.
O artigo diz que as instituições de fomento, públicas ou privadas "que participem indiretamente da cadeia produtiva, desde que exijam o documento referente à licença ambiental, não possuem responsabilidade por eventuais danos ambientais decorrentes da execução do empreendimento." Segue dizendo que instituições supervisionadas pelo Banco Central "não possuem dever fiscalizatório da regularidade ambiental de seus clientes" e que exigida a licença ambiental, as instituições financeiras não serão responsabilizadas por danos ambientais eventuais dos projetos que financiaram.
"Trata-se de uma mudança drástica do que ocorre hoje", diz Guetta, do ISA. "O texto de agora exclui os bancos da responsabilização, que fica com o órgão licenciador". Seria um flagrante retrocesso em um momento em que o mercado financeiro adotou o conceito ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança) como regra, apontam os ambientalistas. Ou, segundo desconfiam, ESG seria mais uma estratégia de marketing verde.
"O setor está acompanhado com atenção a tramitação do projeto de lei do licenciamento ambiental para além do que já foi feito. A proposta em discussão não isenta os bancos de qualquer responsabilidade, muito pelo contrário, prevê que todos os bancos exijam a apresentação da licença ambiental para concessão de crédito e responsabiliza aqueles que não a exigirem", diz nota da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que preferiu não dar entrevista.
"As instituições financeiras ainda adotam os deveres de gestão do risco ambiental impostos por regulamento do Conselho Monetário Nacional, que estão sendo ampliados nas propostas colocadas em consultas públicas recentemente divulgadas pelo Banco Central do Brasil, no contexto de sua agenda de sustentabilidade", segue a nota. Procurada pela reportagem, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) não respondeu até o fechamento desta edição.

Valor Econômico, 11/05/2021, Política, p. A10.

https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/05/11/ambientalistas-clas…

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