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Ação do MPF põe em xeque investimentos de R$ 1,3 bi em São Francisco do Sul

Diário Catarinense - http://www.diariocatarinense.clicrbs.com.br
Autor: Claudine Nunes
23 de Jan de 2015

Uma investigação realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) coloca em xeque a validade do aval dado pela Prefeitura de São Francisco do Sul aos locais onde serão instalados grandes empreendimentos do setor portuário e naval na cidade, como o estaleiro CMO e os terminais marítimos TGB e Mar Azul.

Juntos, estes investimentos somam cerca de R$ 1,3 bilhão. Um fato ocorrido em 2013 motivou a ação civil pública encaminhada no último dia 13 para a 6ª Vara Federal de Joinville. O documento foi obtido com exclusividade por "AN".

O MPF considerou inconstitucional a aprovação, no dia 17 de julho daquele ano, de duas leis complementares (no 43 e no 44/2013) porque, segundo o órgão federal, não foram respeitados os procedimentos legais exigidos para modificar o texto do Plano Diretor do município e a Lei de Zoneamento Urbano.

De acordo com o MPF, a Prefeitura teria realizado apenas uma audiência pública "sem exposição prévia e clara a respeito das modificações propostas", o que não teria dado à comunidade tempo suficiente para a discussão das mudanças. A ação civil pública também afirma que, a pedido do Executivo municipal, a Câmara de Vereadores analisou e aprovou as alterações em regime de urgência, o que contradiz o estabelecido na Lei Orgânica municipal.

Segundo o MPF, a aprovação das leis permitiu a instalação de portos e de estaleiro "em qualquer área". A decisão sobre o caso está nas mãos do juiz federal substituto Fernando Ribeiro Pacheco. Caberá a ele decidir se é procedente ou não o pedido de liminar feito pelo procurador da República Tiago Alzuguir Guierrez. A Prefeitura já preparou a defesa.

Empreendimentos estão em fases diferentes de licenciamento

Os três projetos citados pelo MPF como os que teriam sido apreciados com base nas leis complementares _ estaleiro CMO, Terminal Graneleiro da Babitonga (TGB) e Terminal Marítimo Mar Azul _ estão em estágios diferentes de licenciamento. Nessa fase, o órgão ambiental, estadual ou federal, exige do município uma declaração afirmando que o local onde um empreendimento será instalado está em sintonia com a Lei de Uso e Ocupação do Solo.

_ Este documento é crucial para concedermos o licenciamento _ diz a gerente de desenvolvimento ambiental em exercício da Fatma de Joinville, Jaidette Farias Klug.

Ela explica que se houver algum problema com a documentação, a Fatma será informada pela Justiça e vai acionar o setor jurídico para definir os procedimentos.
O TGB vai continuar seguindo o rito da Fatma até que receba orientação diferente, informou o coordenador de relações institucionais e comunicação, Sérgio Ferreira. A empresa mantém a previsão de audiência pública para o dia 10 de março.

_ Se houver impeditivo legal, vamos respeitar _ afirma Ferreira.

A CMO preferiu não se manifestar sobre o impacto que uma decisão favorável ao MPF poderia causar ao negócio. A Norsul, empresa responsável pelo projeto do Terminal Marítimo Mar Azul, foi procurada pela reportagem, mas informou que não teria tempo para se pronunciar sobre os impactos até o fechamento desta edição.

Prefeitura teve pressa, diz procurador

O que levou ao descumprimento da lei foi a pressa. Esta foi a conclusão do procurador da República Tiago Alzuguir Gutierrez a respeito da investigação realizada pelo MPF que culminou com a ação civil pública que pede a anulação das duas leis complementares, aprovadas em 2013. Segundo o MPF, elas abriram as portas para instalação de empreendimentos portuários e naval em locais proibidos pela legislação em vigor até então.

Conforme Gutierrez, se as regras fossem cumpridas à risca, elas levariam bastante tempo até serem concluídas. O procurador diz que, durante a investigação, procurou a Prefeitura, expôs os problemas e propôs discutir as questões até se chegar a um acordo. No entanto, alega que recebeu como resposta o compromisso do Executivo de promover uma ampla revisão do Plano Diretor, mas no futuro, pois naquele momento as alterações eram apenas de caráter redacional.

Não há um prazo para que o juiz federal substituto da 6ª Vara Federal, Fernando Ribeiro Pacheco, decida sobre a suspensão ou não das duas leis. Quando isto ocorrer, as partes podem recorrer ao Tribunal Regional Federal, em Porto Alegre (RS). Na hipótese de conceder a liminar e também julgar o caso em favor do Ministério Público, os empreendimentos terão que se adaptar ao Plano Diretor vigente _ e isso pode mudar o rumo dos projetos. É possível, também, que a Prefeitura faça novamente os procedimentos para aprovação das leis, mas desta vez da maneira indicada pelo MPF.

Caso o juiz não conceda a liminar, os empreendimentos poderão continuar normalmente com a tramitação dos projetos, hoje em fase de licenciamento nos órgãos ambientais.

Patrimônio e indígenas foram ignorados, diz MPF

O impasse envolvendo a exploração da região da baía da Babitonga não se restringe ao meio ambiente. O patrimônio histórico de São Francisco do Sul e populações indígenas também aparecem na investigação do Ministério Público Federal (MPF) como impactados com a aprovação das leis complementares 43 e 44/2013, ocorrida em julho de 2013.

De acordo com o procurador da República Tiago Alzuguir Gutierrez, houve mudanças no regime de uso do território sem a consulta e participação dos indígenas da região, conforme exige a convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo o promotor, também não houve consulta ou manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pela tutela do Centro Histórico da cidade, que é objeto de tombamento federal. A investigação resultou na ação civil pública encaminhada, no último dia 13, à 6ª Vara Federal de Joinville. A decisão sobre a suspensão das leis caberá ao juiz federal substituto Fernando Ribeiro Pacheco.

Em São Francisco do Sul, existem duas aldeias indígenas guarani mbyá. E próximo ao canal do Linguado, na Ilha de São Francisco do Sul, há outra aldeia, Conquista.
Na época, a Prefeitura alegou que as alterações promovidas pelas leis complementares 43 e 44/2013 limitaram-se à harmonização dos instrumentos do planejamento urbano, a ajustes redacionais e à inserção de legendas em mapas. O Ministério Público Federal, no entanto, considerou as mudanças "bastante relevantes".

O patrimônio histórico é preservado em virtude da identidade cultural do local, e o tombamento contorna o cume dos morros. Na ação civil, o procurador afirma que as mudanças criam uma situação que propicia impactos negativos ao Centro Histórico, com a ocupação de parte dos morros, afetando o objeto do tombamento.

Artigo 55

Um dos pontos mais criticados pelo MPF foi a nova redação do artigo 55 da Lei de Zoneamento, que permite, em todo o território municipal, inclusive nas zonas especiais, a instalação de equipamentos de circulação urbana e transportes, definidos como todos aqueles relacionados com a mobilidade em seus diferentes modais: rodoviários, ferroviários, aeroviários, portuários e navais.

_ Percebe-se que a alteração permite a instalação de portos e do estaleiro que se pretende construir no município em qualquer área _ relata o procurador no documento.

O MPF alega que foram incluídas, nas áreas rurais, novas atividades econômicas, sem nenhuma definição a respeito de quais são essas atividades. O MPF também afirma que aquilo que a Lei do Zoneamento classifica como ZE-3 (zona especial de preservação de mangue) o Plano Diretor passou a tratar como ZUC (zona de utilização controlada). A mudança, diz o órgão federal, permite o licenciamento em áreas onde antes eram vedadas atividades econômicas. O procurador é enfático na denúncia:

_ O que se permitiu, em verdade, foi a instalação de grandes empreendimentos de logística e infraestrutura, sem qualquer planejamento ou consideração pelo bem-estar da população ou pela preservação do meio ambiente. Busca-se a atração de investimentos a qualquer preço, inclusive com alterações ilegais do regime de uso do território do município. Isso, certamente, acarretará, no futuro, graves problemas urbanos e ambientais _ afirma.

Um plano para a região

Os investimentos previstos para São Francisco prometem contribuir para o crescimento econômico do município. No caso das atividades portuárias, a expansão aumentaria a competitividade da região, já que a proximidade de uma boa infraestrutura para escoamento dos produtos pesa na escolha do local para instalação de novas empresas, além de atender a uma necessidade global de transporte de alimentos. Os terminais são voltados, principalmente, para o embarque e desembarque de grãos.

No setor naval, o estaleiro CMO é o primeiro empreendimento ligado diretamente ao pré-sal no Norte do Estado. Ele não chega a colocar São Francisco na condição de polo construtivo naval, mas a obra mexe com engenheiros em virtude do conhecimento que será adquirido na região.

Contudo, cada anúncio de grande investimento em São Francisco desperta a atenção de empresários e ambientalistas. Isto porque o município depende economicamente de atividades que se desenvolvem justamente no ponto mais sensível a qualquer intervenção: a baía da Babitonga.

O ambiente é responsável por 80% dos manguezais de SC e desempenha importante papel na reprodução e no desenvolvimento de várias espécies, algumas em extinção. Influencia até mesmo a subsistência da pesca industrial. Por outro lado, ali se desenvolve a atividade portuária, responsável por 70% da economia de São Francisco. A mesma natureza que favorece a riqueza ambiental beneficia a exploração econômica.

A resposta para o impasse entre economia e meio ambiente pode estar no planejamento.
_ Não há um estudo de capacidade de suporte, o que se poderia fazer de forma sustentável, contemplando os múltiplos interesses _ avalia a bióloga Marta Cremer.
Para o coordenador de relações institucionais do Terminal Graneleiro Babitonga, Sérgio Ferreira, é preciso uma análise profunda.

_ Estamos buscando o que há de mais moderno e de menor impacto ambiental, como dragagem com selo verde, mas é preciso criar um fórum de desenvolvimento sustentável da baía da Babitonga para que o assunto se resolva no âmbito público _ defende.

Antes de tomar conhecimento da ação do MPF, o secretário de Desenvolvimento de São Francisco, Ariel Pizzolatti, reconheceu que há um conflito no ecossistema da Babitonga. Segundo ele, o Plano Diretor será revisado neste ano. Já foi nomeada equipe para isso.

_ É extremamente necessário haver um planejamento para a cidade poder se desenvolver e buscarmos recursos para infraestrutura _ afirmou.

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