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Venezuela e Equador são de esquerda?

O Globo, Opinião, p. 12
Autor: SABATINI, Christopher
20 de Jul de 2015

Venezuela e Equador são de esquerda?
Perdido em meio ao fácil selo de esquerdista de Maduro e Correa há um fato singelo: simplesmente dar dinheiro aos pobres não faz de você um socialista ou mesmo um esquerdista. Faz de você um populista (e perdulário)

CHRISTOPHER SABATINI

Responda rápido: quando você pensa em um movimento ou ideologia de esquerda ou progressivo, em geral, o que lhe vem à mente? Como alguém que se considera de esquerda, eu penso num grande envolvimento do Estado na economia para melhor redistribuir a riqueza e fortalecer as redes de segurança social; penso em apoio a grupos minoritários e os marginalizados; e penso em maior proteção a grupos e direitos sociais.
No entanto, em países que muitos classificam de esquerdista ou socialista - a Venezuela de Nicolás Maduro e o Equador de Rafael Correa - apenas o primeiro aspecto se aplica e, no caso venezuelano, cada vez menos.
Portanto, por que os analistas e a mídia continuam a nomear Maduro ou Correa como esquerdistas? Creio que é porque esses líderes se consideram assim. Examinemos os fatos.
Primeiro, há a questão dos direitos indígenas: os direitos das populações nativas exploradas e marginalizadas na América Latina desde os tempos coloniais - um legado que perdura até hoje. Cada vez mais, leis internacionais estão definindo como um dos principais direitos dos indígenas, o direito coletivo sobre a propriedade, que é tratado na região como o direito a "consulta prévia".
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Quais países assinaram e aplicaram convenções internacionais para proteger os direitos dos povos indígenas de serem consultados quando uma política ou investimento afetar seus direitos culturais e coletivos à propriedade? Os autoproclamados regimes de Venezuela e Equador? Não. Em vez deles, foram os governos "neoliberais" de Peru, Chile e Colômbia (este último até mesmo estendeu esses direitos às comunidades afro-descendentes) que assinaram e implementaram regulações para ordenar os direitos dos indígenas de serem consultados sobre suas terras.
Em contraste, o presidente Rafael Correa permanece engajado em uma épica batalha com as comunidades indígenas no Equador sobre seus direitos em relação à água e a uma série de investimentos em recursos naturais de investidores estrangeiros autorizados por ele. Alguns grupos até mesmo o acusam de genocídio. Na Venezuela, a corrida para explorar as jazidas de petróleo do país colocou o governo em conflito com comunidades indígenas. Nenhum desses países assinou o acordo internacional que estabelece os direitos de consulta prévia (Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho) nem parecem estar, mesmo que remotamente, comprometidos com estes princípios. Mas os países "neoliberais" de Colômbia, Chile e Peru o fizeram.
Vejamos outro exemplo: direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT). No movimento progressivo de esquerda no mundo desenvolvido e em desenvolvimento isto se tornou uma questão definidora. Infelizmente a agenda da nova estratégia nunca chegou ao autoproclamado progressista Sul.
Enquanto o pleito de dois prisioneiros políticos em Venezuela, Leopoldo Lopez e Antonio Ledezma, receberam bastante atenção internacional, também há Rosmit Mantille, uma ativista venezuelana do movimento LGBT, que foi presa em maio passado e permanece encarcerada. Mas, além do caso de Rosmit, há um padrão de linguagem de ódio antigay, como quando o presidente Maduro chamou o líder da oposição Henrique Capriles de "maricon" (maricas). Isso não é progressivo; é retrógrado.
Ou - para levar o exemplo para outro governo que também é frequentemente chamado de esquerdista - quando o presidente Evo Morales especulou abertamente em 2010 que o uso de hormônios em galinhas provocou um surto de homossexualidade e calvície.
Há ainda a questão da redistribuição econômica do pobre. Sim, é verdade que o governo venezuelano transformou os frutos dos historicamente elevados preços do petróleo em benesses dirigidas aos pobres, inundando-os com alimentos subsidiados, tratamento de saúde, programas educacionais de valor questionável e redução de pobreza.
Hoje, porém, na Venezuela, a escassez de alimentos e os níveis quase hiperinflacionários (calcula-se que a inflação chegará a 200% este ano) estão corroendo os padrões de vida dos pobres, e irão provavelmente apagar os ganhos dos tempos em que os preços do petróleos estavam na estratosfera. E, embora não de forma extremada, até mesmo o Equador vive um crescimento declinante, resultado parcial de sua excessiva dependência das exportações de recursos naturais.
Enquanto isso, Chile, Peru e até mesmo Colômbia sob gestão do ex-presidente Alvaro Uribe conseguiram garantir uma série de ganhos ao reduzir de forma sustentável a pobreza e produzir mobilidade social. Curiosamente, apesar de suas políticas a favor dos pobres e até mesmo, em alguns casos, redistribuidoras, apenas alguns (Ricardo Lagos e Michele Bachelet, do Chile) são vistos como de esquerda.
Perdido em meio ao fácil selo de esquerdista de Maduro e Correa há um fato singelo: simplesmente dar dinheiro aos pobres não faz de você um socialista ou mesmo um esquerdista. Faz de você um populista (e perdulário).
Uma métrica ideológica crível, porém, que nunca parece ser aplicável à América Latina. Assim, qualquer um que se declare um socialista será assim tratado pela mídia popular, mesmo se não apresentar qualquer das características de uma esquerda progressista moderna. Lideraram a luta pelos direitos de minorias ou grupos excluídos? Ajudaram a melhorar as vidas dos pobres em termos de segurança e mobilidade social sustentável?
Não? Não tem problema, desde que você se declare um socialista.
Mencionei que sou um modelo de macho?

Christopher Sabatini é articulista do LatinAmericaGoesGlobal.org

O Globo, 20/07/2015, Opinião, p. 12

http://oglobo.globo.com/opiniao/venezuela-equador-sao-de-esquerda-16822…

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