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Sucesso da COP-16 depende de alianças, diz especialista

Observatório Eco - www.observatorioeco.com.br
Autor: Roseli Ribeiro
14 de Abr de 2010

Na próxima Reunião do Clima comandada pela ONU (Organização das Nações Unidas), a COP-16, que acontece no México, entre os dias 29 de novembro a 10 de dezembro de 2010, os países participantes não podem repetir "o grande erro da COP-15" e deixarem "os pontos fundamentais do acordo para serem discutidos nas últimas horas", alerta a advogada Natascha Trennepohl.

Ela integrou a delegação brasileira que participou da COP-15, e avalia que muitos países perceberam durante a reunião em Copenhague a importância de fazer "alianças antes de a conferência começar". "Ter uma forte base de sustentação na hora de negociar", segundo a especialista, pode fazer toda a diferença no momento de buscar resultados efetivos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas no mundo.

Em entrevista exclusiva ao Observatório Eco, Natascha Trennepohl ressalta que a "discussão de pontos como financiamento, participação dos países em desenvolvimento e monitoramento não podem ser deixados para a véspera da próxima COP". Além disso, ela considera temerária a atitude de "deixar para fechar um acordo apenas na África do Sul durante a COP-17".

Formada em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, ela fez seu mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina em 2007, discutindo o tema de gestão de riscos e o seguro ambiental no Brasil.

Para ela, "o mercado de carbono ainda crescerá bastante". Afinal, tanto os países, desenvolvidos quanto em desenvolvimento, estão apresentando novas metas de redução dos gases de efeito estufa. Por isso, "a tendência é que haja um aumento na demanda pelos créditos e, consequentemente, nas práticas de comércio envolvidas".

Natascha Trennepohl acaba de lançar pela Editora Saraiva, o audio livro "Direito Ambiental e Sustentabilidade" e atualmente, realiza na Universidade Humboldt, em Berlim, Alemanha, seu trabalho de doutorado sobre os aspectos jurídicos que envolvem os mecanismos de desenvolvimento limpo,.

Segundo a especialista, o compromisso assumido pelo Brasil através da lei 12.187/09, exige "a imediata regulação do mercado de carbono voluntário no país, pois a demanda desse tipo de crédito irá crescer bastante". Veja a íntegra da entrevista que Natascha Trennepohl concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.

Observatório Eco: A mídia classifica a COP - 15 como um fracasso, que o acordo obtido não tem valor prático. Quais os termos deste acordo e os pontos positivos e negativos?

Natascha Trennepohl: O acordo de Copenhague é um acordo político e não é juridicamente vinculante para os países. No entanto, o acordo reconhece que o aumento na temperatura na Terra não pode ser superior a 2 C e que é necessária uma ação conjunta dos países para combater as mudanças climáticas.

Há, ainda, a previsão de que os países desenvolvidos forneçam recursos financeiros, tecnologia e treinamento para auxiliar os países em desenvolvimento a implementarem medidas de adaptação. O financiamento previsto para o período de 2010-2012 é de 30 bilhões de dólares. Há ainda a menção a mobilização de 100 bilhões de dólares por ano para auxiliar os países em desenvolvimento. Além do mais, a inclusão do REDD+ no texto foi um grande avanço. Esses seriam alguns dos pontos positivos do acordo.

Como pontos negativos, o primeiro a ser citado é o fato do acordo não ser juridicamente vinculante para os países. As metas de redução também não foram estabelecidas em Copenhague, concedendo-se um prazo para que os países as apresentassem. Outro ponto a ser ressaltado é o fato de que apesar da previsão de financiamento, não há o detalhamento das fontes ou qual será o montante fornecido por cada país envolvido.

Observatório Eco: Você concorda que a COP-15 pode ser considerada um fracasso?

Natascha Trennepohl: É verdade que a mídia nacional e internacional classificou a COP-15 como um fracasso, mas acho um exagero considerá-la assim, já que tantas pessoas foram mobilizadas em torno de um objetivo comum.

As campanhas envolveram milhões de pessoas no mundo todo e muitas delas passaram a acompanhar de perto as discussões políticas e a pressionar seus governantes. Somente esta conscientização sem fronteiras já foi um enorme resultado ambiental da reunião.

Observatório Eco: O Protocolo de Kyoto corre o risco de ser abandonado, no tocante às metas de redução de emissões dos GEE (gases de efeito estufa)? Como ficaria o mercado de carbono nessa situação?

Natascha Trennepohl: O Protocolo estabelece as metas para o período de 2008-2012 e isso não será alterado. O que é necessário é estabelecer novas metas para os próximos períodos: 2020 e 2050. A intenção da reunião em Copenhague era estabelecer as metas para 2020.

Muitos países defendem que o Protocolo deve ser usado como base para o novo acordo, pois assim muitos pontos não precisariam ser novamente negociados. Um dos membros da delegação da Nigéria, por exemplo, fez a seguinte colocação: "não se mata a mãe antes que a criança tenha nascido". Ou seja, não podemos abandonar o Protocolo antes de ter um novo acordo vinculante.

Quanto ao mercado de carbono, um estudo realizado pelo Banco Mundial afirma que ele continuará crescendo nos próximos anos. É bem provável que haja uma reforma do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e, nesse caso, será necessário estabelecer as regras de validade dos créditos gerados no primeiro período.

No entanto, acredito que o mercado de carbono ainda crescerá bastante, pois com os países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento, apresentando novas metas, ainda que algumas sejam voluntárias, a tendência é que haja um aumento na demanda pelos créditos e, conseqüentemente, nas práticas de comércio envolvidas.

Observatório Eco: Os brasileiros foram pouco habilidosos para as negociações?

Natascha Trennepohl: De maneira alguma. O Brasil foi muito elogiado durante e até mesmo depois da Conferência, pois o país assumiu uma postura de liderança durante as negociações. O fato de termos apresentado metas voluntárias de redução de emissão de gases de efeito estufa foi muito bem recebido pela comunidade internacional.

Observatório Eco: Qual o fracasso das ONGs na busca por um acordo que permita termos uma economia de baixo carbono?

Natascha Trennepohl: Não acredito que o fracasso das negociações tenha sido das ONGs, até porque elas não têm o poder de decidir e muitas vezes são excluídas de algumas reuniões importantes. Durante a COP15, por exemplo, o acesso de milhares de representantes de ONGs ao pavilhão Bella Center foi restrito nos dois últimos dias de negociações.

Considero impressionante a mobilização social que muitas ONGs nacionais e internacionais promoveram. Campanhas como Tck tck tck (conhecida no Brasil como Tic Tac Tic Tac), Raise your voice, Movimento 350, tiveram a adesão e participação de milhares de pessoas.

Observatório Eco: Se os pessimistas já diziam que de Copenhague não sairia um acordo, por que esperar um da COP-16?

Natascha Trennepohl: Porque o Protocolo de Quioto expira em 2012 e vamos precisar de um substituto para ele. Não podemos deixar para fechar um acordo apenas na África do Sul durante a COP-17, pois já será muito tarde. A reunião em junho na Alemanha deve avançar as negociações, pelo menos em alguns pontos.

É preciso destacar que muitos países já entregaram ao secretariado da ONU as suas metas de redução para 2020, como por exemplo: Japão (25%), União Européia (entre 20% e 30%), Suíça (entre 20% e 30%), Rússia (entre 15% e 25%). Esses países calcularam suas metas considerando como base o ano de 1990. Os Estados Unidos apresentaram uma meta de redução de 17% considerando as emissões do ano de 2005. É possível que essa meta deles passe a ser de 30% para o ano de 2025, 42% para o ano de 2030, podendo chegar a 83% até o ano de 2050.

Observatório Eco: De que maneira os países devem se preparar para a COP-16?

Natascha Trennepohl: O primeiro passo é não repetir um grande erro da COP-15 e deixar os pontos fundamentais do acordo, como financiamento, participação dos países em desenvolvimento, monitoramento e metas de redução de emissão de GEE, para serem discutidos nas últimas horas.

A discussão desses pontos não pode ser deixada para a véspera da próxima COP, pois de acordo com o sistema da ONU é necessário haver um consenso entre todos os países para que determinada medida seja adotada e, como tem sido muito difícil conciliar interesses, é necessário avançar nas negociações que antecedem a COP16. Por essa razão, acho muito importante o encontro em junho em Bonn.

Outro detalhe interessante é que muitos países perceberam que é fundamental fazer alianças antes da conferência começar, de modo a ter uma forte base de sustentação na hora de negociar. A mídia noticiou bastante a tentativa de acordo bilateral entre a China e os Estados Unidos antes mesmo da COP-15.

Depois da reunião de Copenhague, por exemplo, a Alemanha percebeu a importância de chegar a um consenso com outros países sobre os pontos fundamentais para poder apresentar posições coesas na próxima COP. Assim, se a União Européia, por exemplo, consegue outros aliados para a sua proposta, fica mais fácil defender uma determinada posição e influenciar outros países durante as discussões.

Tendo em mente o velho ditado popular de que a união faz a força, a Aliança das Pequenas Ilhas do Sul (AOSIS, na sigla em inglês) e o bloco dos Países Menos Desenvolvidos (LDC, na sigla em inglês) se uniram antes da COP-15 com o intuito de pressionar os países desenvolvidos a assinarem um acordo juridicamente vinculante. Durante a Conferência em Copenhague, Tuvalu conseguiu suspender as negociações por algumas horas.

Observatório Eco: Então, os países devem buscar aparar as arestas nas reuniões prévias. Esse seria o caminho positivo para firmar o acordo?

Natascha Trennepohl: A melhor forma para conseguir chegar a um acordo sobre financiamento, metas de redução de emissão de GEE e monitoramento é através de reuniões que antecedem a COP e começam a moldar os termos do novo acordo climático. Se os países fizerem alianças antes da COP-16, ou seja, concordarem em determinados pontos e elaborarem uma proposta coesa para serem apresentadas na reunião das partes, as discussões podem avançar.

A necessidade de continuar as negociações e alcançar um maior consenso entre os países, não deixando tudo para a última hora.

Se pegarmos o financiamento como exemplo, apesar do Acordo de Copenhague já mencionar que 30 bilhões de dólares serão destinados para o auxílio a países em desenvolvimento durante o período de 2010 a 2012; e que essa quantia passará a ser de 100 bilhões de dólares por ano até 2020, ainda não está claro de quais países e setores esses recursos virão.

Neste contexto, será um avanço se os países conseguirem chegar a um consenso em alguma reunião prévia e já chegarem na COP-16 com uma posição clara, bem definida e que tenha o apoio do maior número possível de partes.

Observatório Eco: O Brasil deveria também financiar o fundo mundial de combate aos efeitos das mudanças climáticas?

Natascha Trennepohl: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi muito aplaudido em seu discurso quando afirmou que o Brasil também estaria disposto a ajudar no financiamento de medidas de combate às mudanças climáticas, caso fosse necessário. Acredito que tenha sido uma tentativa de conclamar os países a fazerem concessões e chegarem a um acordo.

É claro que segundo o 'princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada', os países em desenvolvimento têm mais responsabilidades do que vários países africanos, considerados pela ONU como LSD (Least Developed Country).

No entanto, acredito que o mais importante para o país nesse momento é definir as metas de redução de emissão de GEE para cada setor e, claro, cumpri-las. O investimento em ações de adaptação e mitigação interna precisa ser a prioridade.

Observatório Eco: Antes da COP-15, o Brasil aprovou várias leis voltadas para a questão das mudanças climáticas, que agora também precisam de regulamentação, como a criação do fundo. De que maneira a COP-15 impacta na evolução de nossa legislação, por exemplo?

Natascha Trennepohl: A posição do Brasil mudou bastante nos últimos meses que antecederam a reunião. Até algumas semanas antes da COP-15 o país não aceitava metas de redução de emissão de GEE.

No entanto, algumas semanas antes da reunião foram apresentadas metas voluntárias. Após a COP-15, a meta nacional foi incluída na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

Observatório Eco: Quais são os pontos positivos da lei que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima?

Natascha Trennepohl: A lei 12.187/09 é um grande avanço em termos de definição de metas. O governo já havia apresentado suas intenções de reduzir o desmatamento, mas agora o compromisso de reduzir as emissões do país em, no mínimo, 36,1% até o ano de 2020 é artigo de lei. Vale ressaltar que a apresentação dessa meta durante a COP-15 foi muito bem recebida, pois o país não só demonstrou liderança, como também um maior comprometimento com as discussões climáticas.

Outro ponto positivo da lei é a previsão de participação de diferentes agentes como instrumentos institucionais da Política Nacional. Quanto maior a interação entre os diferentes setores da sociedade, melhores são as chances de sucesso na implementação dos objetivos da lei.

Observatório Eco: A lei 12.187/09 também trata do mercado de carbono no Brasil?

Natascha Trennepohl: O mercado de carbono é um importante instrumento dentro das políticas climáticas internacionais. A lei 12.187/09 também faz menção ao mercado de carbono brasileiro e prevê que a Política Nacional estimule o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). A negociação das RCEs (Reduções Certificadas de Emissões), mais conhecidas como 'créditos de carbono', deverá ocorrer nas bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado.

Vale lembrar que a BM&F Bovespa já realizou dois grandes leilões de créditos de carbono no Brasil, tendo cada um deles arrecadado mais de 30 milhões de reais. Agora será realizado outro grande leilão de créditos voltados para o mercado voluntário, ou seja, os projetos que geraram esses créditos não passaram pelo controle da ONU.

Com o compromisso assumido pelo Brasil através da lei 12.187/09, é necessária a imediata regulação do mercado de carbono voluntário no país, pois a demanda desse tipo de crédito irá crescer bastante.

Observatório Eco: Quais são os principais desafios para a implementação da lei 12.187/09?

Natascha Trennepohl: Para que a meta brasileira seja atingida ainda há muito trabalho pela frente. Ainda é preciso definir quais serão as ações concretas que serão adotadas, como essas ações serão financiadas, bem como quais serão as metas de cada setor.

Neste caso, o primeiro passo é elaborar planos setoriais de mitigação de modo a definir a meta de cada setor. Há previsão na lei 12.187/09 de que planos setoriais de mitigação e adaptação sejam estabelecidos por meio de Decreto do Poder Executivo baseando-se nas informações fornecidas pelo 2 Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal, a ser concluído ainda em 2010.

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