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Projeto da mata atlântica resiste 14 anos e vira lei

OESP, Vida, p. A30
30 de Nov de 2006

Projeto da mata atlântica resiste 14 anos e vira lei
Apresentado em 1992, texto aprovado ontem na Câmara dos Deputados regulamenta uso e conservação dos 7% que ainda existem desse bioma

João Domingos

Após 14 anos de boicote, dois arquivamentos e várias mudanças que ameaçaram desfigurar a proposta original, a Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto de lei destinado a proteger a mata atlântica. A aprovação ocorreu por votação simbólica, após um acordo entre os partidos. Calcula-se que hoje restam só 7,3% do 1,3 milhão de quilômetros originais da floresta. O projeto agora vai para sanção presidencial.

Foi rejeitada apenas uma emenda do Senado, por onde passou em fevereiro, que previa a indenização aos empresários que não puderem explorar economicamente terreno protegido pela futura lei. O tema será retomado depois da sanção do presidente da República em negociação entre os grupos que têm interesse na questão - ambientalistas, construtores, empreendedores e proprietários rurais.

O projeto de proteção da mata atlântica foi apresentado em outubro de 1992 pelo então deputado Fábio Feldmann (PSDB-SP). Foi arquivado duas vezes por falta de votação. Mas os defensores da proposta conseguiram restaurá-la e levá-la para a tramitação.

O texto aprovado ontem regulamenta os critérios de uso e proteção da mata atlântica, reduzida a pouco mais de 7% de sua vegetação original. Estabelece também uma série de incentivos econômicos à produção sustentável, além de incentivos financeiros para restauração dos ecossistemas.

A futura lei estimula ainda doações privadas para projetos de conservação, regulamenta o artigo da Constituição que define a mata atlântica como patrimônio nacional, delimita o seu domínio, proíbe o desmatamento de florestas primárias e cria regras para exploração econômica. Os defensores da lei afirmam que ela deve garantir a proteção e a recuperação dos poucos remanescentes da mata - o bioma mais ameaçado do País e o segundo mais ameaçado do mundo, atrás apenas da florestas das ilhas de Madagáscar, na costa leste da África.

Segundo o diretor da ONG SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, a aprovação foi obtida com a anuência da bancada ruralista, que pediu para que o conceito de reserva legal seja discutido (segundo o Código Florestal, 20% de uma propriedade deve ter sua vegetação preservada). 'Foi um toma-lá-dá-cá para destravar a discussão, mas acho que não será prejudicial', disse.

Para Feldmann, a aprovação deveria ter ocorrido há muito tempo, uma vez que regula termos da Constituição de 1988. 'Mas estou muito feliz. No sentido simbólico, é fundamental.' No sentido prático, diz, o texto dá base legal para que o pouco de mata atlântica que restou seja preservado para as gerações futuras.

Em 1992, a SOS Mata Atlântica denunciou que uma área equivalente a um campo de futebol era destruído a cada quatro minutos no bioma.

A Rede de ONGs da Mata Atlântica considera que finalmente obteve 'uma grande vitória', disse uma das coordenadoras da rede, Miriam Prochnow. Ela afirma que o próximo passo é uma campanha sobre o alcance da lei e a importância do bioma para quem mora em cidades cobertas por ele. 'Com a ajuda da lei, queremos mostrar a importância da água cujas nascentes ficam nesse bioma. São sete capitais.'

Mantovani lembra que a mata atlântica ajuda a climatizar as cidades que ficam no entorno. 'O mais importante é que as pessoas começaram a perceber que não se trata de proteger apenas o mico-leão dourado, mas garantir a sobrevivência de todos nós.'

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, divulgou uma nota em que comemora a aprovação e lamenta a perda de 100 mil hectares anualmente nos últimos 14 anos. 'Daqui para frente, nós não só poderemos poupar 100 mil hectares por ano, mas resguardar em toda a parte a vigorosa mata que abriga os sonhos e lutas do movimento socioambiental brasileiro.'

Feldmann lembra que, se o presidente sancionar a lei, esse será o único bioma caracterizado como patrimônio nacional na Constituição a ter uma regulamentação. 'Ainda faltam a Amazônia, o pantanal e a zona costeira.' Se forem necessários 15 anos a mais para cada um deles, e o ritmo de devastação continuar no patamar atual, os outros biomas podem alcançar a mesma taxa de fragmentação da mata atlântica.

Principais Trechos

Preservação: Garante a conservação dos 7% que restam dos 1,3 milhão de km2 originais

Desmatamento: Não pode haver desmatamento para loteamento ou edificação em áreas de mata original nas regiões urbanas. No que tiver sido aprovado antes de a lei entrar em vigor, a supressão da vegetação secundária em estágio avançado de regeneração depende de autorização do órgão estadual competente e depende da preservação de 50% da área total coberta pela vegetação

Recursos: É criado o Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica para projetos de restauração ambiental e de pesquisa científica. Também são previstos incentivos fiscais para o proprietário que tenha vegetação primária ou secundária em regeneração

Compensação: Determina que a conservação da vegetação primária ou secundária em qualquer estágio de regeneração cumpre função social e é de interesse público. Mas as áreas sujeitas à restrição podem ser computadas para efeito da reserva legal e seu excedente utilizado para fins de compensação ambiental

Longa espera

1992: O deputado Fabio Feldmann (PSDB-SP) apresenta o projeto com regras de uso e proteção da mata atlântica, arquivado em 94. Em 95, Feldmann pede o desarquivamento

1997: Em outubro, a Comissão de Minas e Energia aprova texto de Paulo Bornhausen (PFL-SC) que substitui o projeto original, desagradando aos ambientalistas. Luciano Zica (PT-SP) recorre e é apoiado pelo presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). Acordo entre partidos leva o projeto ao plenário, mas não é votado

1999: Volta a ser arquivado. Feldman não se reelege. Jaques Wagner (PT-BA) apresenta novo texto, mas a bancada ruralista tenta modificá-lo. A Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias aprova texto substitutivo de Luciano Pizzatto (PFL-PR)

2001: O relator na Comissão de Constituição e Justiça, Fernando Coruja (PPS-SC), declara o projeto inconstitucional

2002: Comissão aprova proposta de Inaldo Leitão (PL-PB), que defende a constitucionalidade. Vai à votação, mas bancada ruralista obstrui os trabalhos

2003: Governo Lula retira proposta da pauta sob argumento de não conhecê-la. Após um mês, passa a apoiá-la. Em dezembro, é aprovada na Câmara

2006: Em fevereiro, com 15 emendas, a proposta é aprovada pelo Senado e volta à Câmara

OESP, 30/11/2006, Vida, p. A30

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