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Povos Indígenas e Expansão Hidrelétrica na Amazônia: necessidade de regulamentação ou de interpretação da legislação existente?

Canal Energia - http://www.canalenergia.com.br/
Autor: Erika Breyer
01 de Jul de 2013

Hoje, no Brasil, a exploração de potenciais hidrelétricos em terras indígenas é prevista na própria Constituição, sendo legítima e possível, desde que haja autorização do Congresso Nacional e que as comunidades sejam ouvidas. No entanto, este dispositivo se refere a projetos que causem interferência no interior de terras indígenas

Uma pergunta recorrente surge a cada notícia veiculada sobre invasão de canteiros de obras de empreendimentos hidrelétricos em construção por populações indígenas, sequestro de pesquisadores e possível ausência de hidrelétricas nos leilões de energia é: como o Governo Federal pretende, de fato,transformar os planos de expansão da geração em realidade?

O Plano Decenal de Energia 2021 afirma que ao longo dos próximos 10 anos, a participação das hidrelétricas, PCH, termelétricas movidas a biomassa, e eólicas permanecerá crescendo, mantendo a matriz elétrica brasileira baseada em fontes de energia renováveis, chegando a 83,9% em 2021. Para isso, conta com um acréscimo de 31,7 mil MW só de geração hidrelétrica.

A maior parte desses projetos hidrelétricos está localizada na Amazônia, destacando a UHE Belo Monte, com 11.233MW de potência instalada. No entanto, as sucessivas invasões nos canteiros de obra da usina podem comprometer o cronograma de implantação do empreendimento e, consequentemente, as projeções do PDE. As invasões dos canteiros por indígenas têm ocorrido sob a alegação de não realização de consulta, nos moldes da Convenção OIT no 169, às populações afetadas pelo empreendimento. No entanto, o consórcio responsável pela usina confirma a realização de 38 reuniões públicas com 24 comunidades anteriormente à emissão da licença prévia.

Outros projetos que também estão sofrendo com os impasses referentes à interpretação dos dispositivos da Convenção são aqueles planejados para serem implantados na bacia hidrográfica do rio Tapajós, a UHE São Luiz do Tapajós e a UHE Jatobá. Recentemente, três pesquisadores que realizavam levantamentos de fauna e flora para compor os estudos ambientais das usinas foram sequestrados e roubados por índios Mundurukus que exigiam a suspensão dos estudos até que toda a população indígena da região fosse ouvida. O sequestro levou à interrupção dos estudos, o que também pode impactar as previsões de leiloar a UHE São Luiz do Tapajós, com 6.133 MW, no segundo semestre de 2014.

Os 6.133 MW representam um montante significativo do total de energia proveniente de empreendimentos que estão planejados para entrar em operação entre os anos de 2017 e 2021, que corresponde a 19.673 MW, de acordo com o PDE 2021.

Não se pode negar que existem tentativas de diálogo entre o Governo e os indígenas, que recentemente estiveram em Brasília para exigir a suspensão de estudos ou implantação de qualquer projeto hidrelétrico na Amazônia até a regulamentação da Convenção OIT no 169. E as iniciativas não passam apenas por diálogo. Já foram adotadas medidas efetivas, embora lentas no resultado, como a instituição do Grupo de Trabalho para regulamentação do Direito de Consulta, com previsão de conclusão de suas atividades em janeiro de 2014.

No entanto, pergunta-se como resolver os conflitos atuais, uma vez que a energia destes projetos está contabilizada para atender a demanda que tem previsão de aumento em linha com o crescimento econômico, estimado em 4,7% ao ano em média.

Hoje, no Brasil, a exploração de potenciais hidrelétricos em terras indígenas é prevista na própria Constituição, sendo legítima e possível, desde que haja autorização do Congresso Nacional e que as comunidades sejam ouvidas. No entanto, este dispositivo se refere a projetos que causem interferência no interior de terras indígenas. Os projetos citados não estão localizados em terras indígenas e sim em áreas distantes, como por exemplo, a UHE São Luiz do Tapajós que está a mais de 40 km da terra indígena mais próxima.

Mesmo não se aplicando a determinação da Constituição para estes projetos, uma vez que estão fora dos limites de uma terra indígena, a Convenção OIT no 169, já internalizada no ordenamento jurídico brasileiro, obriga a efetiva participação dos povos indígenas em decisões que os afetem diretamente e estabelece o procedimento de consulta para qualquer medida administrativa que venha a interferir no seu modo de vida. Também afirma que a consulta somente será considerada válida se a informação prestada pelo responsável pela interferência for consistente e acessível.

A fase de realização dos levantamentos de campo para elaboração dos estudos de viabilidade técnica-econômica e ambientais se presta justamente à coleta de informações in loco, para serem consolidadas e divulgadas posteriormente para todos os interessados, incluindo os próprios índios. Portanto, impedir a realização de estudos,que tem como objetivo conhecer a região e diagnosticar os impactos do futuro empreendimento, contrariaria a própria convenção, uma vez que esta determina que a consulta deve ser livre, prévia e, principalmente, informada.

É importante frisar que, após a fase de estudos, o projeto ainda terá sua viabilidade analisada pelo órgão ambiental competente, considerando todos os impactos, inclusive a interferência no modo de vida dos indígenas do entorno. Além disso, hoje a legislação exige a realização de audiências públicas para possibilitar a participação de todos os afetados, índios e não-índios. Para que a realização dos estudos se dê de forma não conflituosa, a divulgação prévia entre os indígenas a respeito de como e o que será pesquisado na região poderia ser a solução mais imediata, mesmo que este procedimento não esteja regulado.

Dessa forma, entende-se que, independentemente da tão almejada regulamentação dos procedimentos de consulta da Convenção OIT no 169, sua aplicação já seria possível para os projetos que se encontram em fase de estudo, utilizando-a conforme a redação atual, complementada por instrumentos normativos vigentes, como aqueles que regulam o processo de licenciamento ambiental e garantem a participação da população afetada por algum empreendimento.

Com base nos dados colhidos na etapa de estudo, a consulta às populações indígenas sobre a implantação do projeto, que ainda poderá ser negada pelo órgão ambiental caso este conclua pela sua inviabilidade, poderá ser feita e o direito à participação estará garantido, o que trará maior segurança jurídica para os investidores necessários ao desenvolvimento de tais empreendimentos, uma vez que os direitos dos povos indígenas estariam respeitados.

De forma alguma, exclui-se a necessidade de regulamentação do art. 231 da Constituição e da própria Convenção, para assegurar procedimentos mais específicos e bem delineados de consulta às populações indígenas, mas na medida em que os conflitos estão ocorrendo neste momento e colocam em risco o atendimento da demanda futura por energia, não podemos esquecer as normas vigentes e possíveis de serem aplicadas aos casos vividos hoje.

*Erika Breyer é Mestre em Desenvolvimento Sustentável - Energias Renováveis pela University College London - e a responsável pela área de Energia e Sustentabilidade do Doria, Jacobina e Gondinho Advogados

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